sexta-feira, 14 de outubro de 2011

EUA - A esquerda necessária.

"Obama tem sido extraordinariamente solícito com Wall Street e a grande empresa, nomeando Timothy Geithner secretário do Tesouro e embaixador de fato de Wall Street à Casa Branca; fazendo que fosse confirmado Ben Bernanke, escolhido presidente da Federal Reserve por Bush, e escolhendo o presidente da General Electrics Jeffrey Immelt para guiar o seu Conselho do Trabalho", analisa Robert Reich, economista, ex-ministro do trabalho durante a primeira presidência Clinton, e atualmente professor em Berkeley, em artigo publicado no jornal Il Manifesto. A tradução é de Benno Dischinger.

Reich compara o impacto do movimento Tea Party sobre o Partido Republicano e a possível influência do movimento Ocupa Wall Street sobre o o Partido Democrata.

Eis o artigo.


Conseguirão os ocupantes de Wall Street transformar-se num movimento que tenha sobre o Partido Democrata o mesmo impacto que o Tea Party teve sobre o Gop (Great Old Party, isto é, os republicanos, ndt)? É de se duvidar.

Os Tea Party foram pelo duplo corte da direção do Gop – fonte de nova energia e novos militantes, mas também um handicap quanto à capacidade de atrair votos dos independentes. E o obstáculo se tornará sempre mais claro quanto mais será duro o conflito entre os dois maiores candidatos às primárias republicanas, Rick Perry e Mitt Romney. Até agora os “Ocupantes de Wall Street” ajudaram os democratas. Sua reivindicação primária que os ricos aceitem sua parte de sacrifícios parece sob medida para o novo projeto de lei dos democratas por uma taxa de 5,6% sobre os milionários, como também pelo impulso de Barack Obama a revocar o corte das taxas querido por George Bush Jr. para os rendimentos superiores aos 250.000 dólares e para limitar as deduções sobre os altos rendimentos.

E os Ocupantes oferecem ao presidente um potencial argumento para a campanha: “Nesta época um monte de gente que está fazendo as coisas certas não é recompensada e ao invés é recompensado um monte de gente que faz as coisas erradas”, disse em sua conferência de imprensa na semana passada quando predisse que a frustração que anima os Ocupantes “se expressará politicamente em 2012 e além, enquanto o povo não sentir que estamos voltando a alguns valores da velha América”.

Mas, se ocupar Wall Street se estrutura em algo que se assemelha a um verdadeiro movimento, então o Partido Democrata poderia encontrar mais dificuldades para digeri-lo do que todas que tenha tido o Gop com o Tea Party.

Enfim, uma bela fatia dos fundos eleitorais de ambos os partidos vem de Wall Street e dispõe de nuvenzinhas de pr (public-relations) e de exércitos de lobistas para fazer pressão, para não falar dos inexauríveis bolsos dos irmãos Koch ou de Dick Armey e dos SuperPac de Karl Rove. Mesmo que os Ocupantes possam aceder a um pouco de dinheiro sindical, não é a mesma coisa.

Mas, a verdadeira dificuldade ainda jaz mais fundo. Um pouco de história pode ajudar. Nas primeiras décadas do século vinte os democratas não tiveram dificuldade de abraçar o populismo econômico. Acusavam as grandes concentrações industriais da época de sufocar a economia e envenenar a democracia. Na campanha de 1912 Woodrow Wilson prometeu conduzir “uma cruzada contra os poderes que nos governaram... limitaram o nosso desenvolvimento... determinaram as nossas vidas... nos enfiaram uma camisa de força a seu bel prazer”. A luta para rachar os trustes teria sido, nas palavras de Wilson, nada menos do que “uma segunda luta de libertação”.

Wilson esteve à altura de suas palavras: firmou o Clayton Antitrust Act (que não só reforçou as leis antitruste, mas isentou os sindicatos de sua aplicação), aprovou a Federal Trade Commission para erradicar “práticas e ações incorretas no comércio” e criou a primeira taxa nacional sobre os rendimentos.

Anos mais tarde Franklin D. Roosevelt atacou o poder financeiro e o das corporations, dando aos trabalhadores o direito de sindicalizar-se, além da semana de 40 horas, o subsídio de desemprego e a Social Security (a mútua). Não só, mas instituiu uma alta alíquota de taxação sobre os ricos.

Não admira que Wall Street e a grande imprensa o atacassem. Na campanha de 1936 Roosevelt alertou contra os “monarcas da economia” que tivessem reduzido toda a sociedade ao próprio serviço: “As horas que homens e mulheres trabalhavam, os salários que recebiam, as condições de seu trabalho... tudo havia fugido ao controle do povo e era imposto por esta nova ditadura industrial”. Em jogo, clamava Roosevelt, estava nada menos que “a sobrevivência da democracia”. Disse ao povo americano que as finanças e a grande indústria eram determinadas a miná-lo: “jamais antes de hoje, em toda a nossa história, estas forças foram tão unidas contra um candidato como hoje. São unânimes e concordes em odiar-me e eu acolho voluntariamente o seu ódio”.

Porém já em 1960 os democratas haviam deixado de lado o populismo. De suas campanhas presidenciais haviam desaparecido os contos de ávidos empreendedores e prejudiciais homens das finanças. Em parte, porque a economia havia mudado profundamente. A prosperidade do pós-guerra havia feito crescer a middle class, a classe média (que nos USA inclui o proletariado, ndt) e havia reduzido o abismo entre ricos e pobres.

Na metade dos anos 50 um terço de todos os dependentes do setor privado eram sindicalizados e os operários haviam obtido aumentos generosos e novos ‘benefits’. Naquela altura o keynesianismo tinha sido amplamente aceito como antídoto às crises econômicas, substituindo a gestão da demanda agregada ao antagonismo de classe. Até Richard Nixon declarava “agora somos todos keynesianos”. Quem tinha necessidade de populismo econômico, quando a política fiscal e monetária aplainava os ciclos econômicos e quando os dividendos do crescimento eram distribuídos de modo tão amplo?

Mas, havia outra razão para o crescente mal-estar dos democratas com respeito ao populismo. A guerra do Vietnã gerava uma nova esquerda anti-establishment e anti-autoritária que desconfiava do Estado pelo menos tanto – se não mais – de quanto desconfiasse de Wall Street e da grande empresa. A vitória eleitoral de Richard Nixon em 1968 foi acompanhada de uma profunda fratura entre democratas liberais e New Left, nova esquerda, que continuou por décadas.

E eis Ronald Reagan, o grande confabulador, que saltou na brecha populista. Se não foi Reagan a inventar o populismo de direita na América, pelo menos lhe deu sua voz mais estentórea. “O Estado não é a solução, é o problema”, entoava como um estribilho. Segundo Reagan, eram os fazendeiros de Washington e os arrogantes burocratas a sufocar a economia e a manietar a realização individual.

O partido democrata jamais reassumiu suas posições populistas. É certo, em 1992 Bill Cliton venceu a presidência prometendo “bater-se pela transcurada middle class” contra as forças da “avidez”, mas Clinton herdava de Reagan e George Bush sênior um déficit de balanço tão colossal que não pôde pôr em campo grande coisa pela sua batalha. Depois de ter perdido sua luta pela reforma sanitária, o próprio Clinton anunciou que a era do big government (o grande Estado) acabara e o demonstrou reduzindo a nada o welfare state.

Não foram os democratas que desencadearam uma guerra de classe que foi, ao invés, o resultado distintivo do populismo republicano de extrema direita. Todos recordavam a publicidade republicana na presidencial de 2004, que descrevia os democratas como “taxadores, esbanjadores de fundos públicos, bebedores de cappuccino italiano, comedores de sushi, condutores de Volvo, leitores do New York Times, transpassados de piercing, amantes de Hollywood”.

Os republicanos atacaram mais vezes John Kerry como um “liberal de Massachussets”, membro do “set do Chardonnay e do Brie”. George W. Bush caçoou de Kerry porque encontrava a cada dia uma “nova nuance” sobre a guerra no Iraque, com o acento sobre nuances para sublinhar o elitismo cultural francês de Kerry. “No Texas nós não temos nuance”, dizia para recolher risadas e aplausos. O líder republicano Tom DeLay abria os seus discursos eleitorais dizendo “Bom dia, ou, como diria Kerrry, Bonjour”.

O Tea Party saltou sobre este tema classista. Na Conferência da Conservative Political Action de 2010, o governador do Minnesotta Tom Pawlenty atacou “les élites” que crêem que o os Tea Partiers sejam vermelhos somente porque “não freqüentaram as escolas do Ivy League e não se ostentam em recepções na base de Chablis e de Brie a San Francisco”. Depois que seu filho Rand Paul foi eleito ao senado pelo Kentucky, em maio passado, Ron Paul explicou que os eleitores querem “libertar-se da gente de poder que guia o show, a gente que pensa estar acima de todos”.

O que nos traz ao presente. Barack Obama é muitas coisas, não está longe do populismo de extrema esquerda mais do que todo presidente democrático da história moderna. É verdade: certa vez teve a temeridade de repreender “os gatões” de Wall Street, mas aquela frase foi uma exceção – que depois lhe causou problemas sem fim com Wall Street.

Ao contrário, Obama tem sido extraordinariamente solícito com Wall Street e a grande empresa, nomeando Timothy Geithner secretário do Tesouro e embaixador de fato de Wall Street à Casa Branca; fazendo que fosse confirmado Ben Bernanke, escolhido presidente da Federal Reserve por Bush, e escolhendo o presidente da General Electrics Jeffrey Immelt para guiar o seu Conselho do Trabalho.

Considera-se ainda a não vontade do presidente Obama de impor condições à salvação de Wall Street – não solicitando, por exemplo, que os bancos renegociassem os mútuos dos proprietários de casas em dificuldade ou aceitassem a reintrodução do Glass-Steagalll Act (de 1933, que separava nitidamente entre bancos de depósito e bancos de investimento), como condições para receber centenas de bilhões de dólares de dinheiro dos contribuintes – coisa que contribuiu à nova onda populista.

A salvação de Wall Street alimentou o Tea Party e de certo alimenta algumas das atuais acusações da parte de Occupy Wall Street.

Isso não quer dizer que os Ocupantes não poderão ter um impacto sobre os democratas. Nada de bom sucede em Washington – independentemente de quão bons sejam o nosso presidente ou os nossos deputados – enquanto o povo justo não se agrega fora de Washington para fazê-lo suceder. A pressão da esquerda é de uma importância decisiva. Mas, é bastante improvável que o moderno Partido Democrata abrace o populismo de esquerda no modo pelo qual o Gop abraçou – ou melhor, foi constrangido a abraçar – o populismo de direita. Basta seguir o dinheiro, e recordar a história.

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