Do blog Economia&Política
No Brasil, durante a "redentora", grandes grupos econômicos principalmente multinacionais, como não poderia deixar de ser, apoiaram e financiaram a "Operação OBAN", montada pelos órgãos de repressão em São Paulo, para prender, torturar e eliminar opositores desagradáveis ao governo militar. Foi nessa operação que foram assassinados o jornalista Vladimir Hersog e o operário Manoel Fiel, que segundo os militares, teriam se "suicidado". Este último "suicídio", levou o ditador Ernesto Geisel a demitir o general comandante do Segundo Exército.
No livro "Disposición
Final", o ex-ditador Videla não dá nomes, não menciona empresas. Mas a Argentina
conhece bem o papel de grupos multinacionais – a Mercedes Benz, a Fiat, os
bancos – e sabe da ação tanto de grandes grupos de comunicação, como o Clarín e
o La Nación, que na base da chantagem e da ameaça se apoderaram da empresa Papel
Prensa. Algum dia, chegará a vez de esclarecer o enredo de cumplicidade entre
poder econômico e ditadura, entre capital e terrorismo de Estado. O artigo é de
Eric Nepomuceno. Eric Nepomuceno Existe um quê de absurdo na frieza com
que o general Jorge Rafael Videla se refere aos mortos que a ditadura militar
iniciada por ele mandou matar. Curioso reflexo: se no Brasil o que assombra é a
covarde desfaçatez dos militares que negam a realidade, na Argentina o assombro
vem de um ditador que assume tudo. Tardou anos, é verdade, mas agora, condenado
a duas penas de prisão perpétua e com uma pá de processos e julgamentos pela
frente, o prisioneiro de 86 anos de idade resolveu falar. E fala com a gelada
naturalidade de quem não fez mais do que cumprir uma missão, de quem fez o que
fez para atender interesses que assumiu como dele, e apoiava com entusiasmo. Li,
em algum lugar, um comentário certeiro: parece que Videla está falando de crimes
cometidos por outros, e não por ele. De todos os temas escabrosos que estão no
livro “Disposición Final”, do jornalista Ceferino Reato, um me chamou a atenção:
pela primeira vez, se admite claramente que havia uma forte pressão econômica
para que o golpe fosse dado. Mais do que pressão, cumplicidade direta. No meio
da maré de barbaridades onde, além de justificar o uso sistemático da tortura,
explica como se decidiu assassinar milhares de pessoas, Videla afirma que, em
termos estritamente militares, o golpe de 24 de março de 1976 era desnecessário.
Liquida, assim, a indigna teoria de ‘dois demônios’, usada na Argentina e aqui
mesmo, no Brasil, para tentar equiparar o terrorismo de Estado com os atos de
organizações armadas, também chamadas de ‘terroristas’, e assim justificar o que
foi feito. Diz Videla que o golpe foi desnecessário, porque durante o mandato
interino de Ítalo Luder, que ocupou brevemente em 1975 a presidência durante uma
oportuna ‘licença médica’ da presidente Maria Estela Martínez de Perón, aquela
senhora bizarra que usava o codinome de Isabelita, vindo de seus tempos de
call-girl em cabarés da cidade do Panamá, foram baixados decretos que
autorizavam os militares a ‘eliminar’ militantes de organizações armadas. Ou
seja: para matar quem eles mataram, não seria preciso golpe algum. Videla
comenta, com a serenidade dos perversos: “Nosso objetivo era disciplinar uma
sociedade anarquizada. Com relação à economia, o que queríamos era ir para uma
economia de mercado, liberal”. Falta explicar quem ‘queríamos’. A delirante
petulância messiânica típica dos militares latino-americanos – “disciplinar uma
sociedade anarquizada” –, conhecemos bem. Desde quando, porém, militares
admitiram o óbvio, ou seja, terem dado um golpe para “ir para uma economia de
mercado, liberal”? Na verdade, o que ele conta dos métodos de controle e de
implantação do terrorismo de Estado é tão brutal que esse aspecto parece ter
passado meio despercebido pelos jornais na hora de antecipar trechos do livro de
Ceferino Reato. Lá pelas tantas, e contando de uma reunião com empresários,
Videla diz ter ouvido a seguinte frase: “Vocês foram tímidos, deveriam ter ido
mais longe, tinham de ter matado mais uns mil ou dez mil”. Depois, queixa-se o
general, “eles lavaram as mãos. Disseram que fizéssemos o que tínhamos de fazer,
e caíram em cima da gente”. A ingratidão dói, sabemos todos. Alguma diferença
significativa com o que aconteceu aqui, entre nós? Videla não dá nomes, não
menciona empresas. Mas a Argentina conhece bem o papel de grupos multinacionais
– a Mercedes Benz, a Fiat, os bancos – e sabe da ação tanto de grandes grupos de
comunicação, como o Clarín e o La Nación, que na base da chantagem e da ameaça
se apoderaram da empresa Papel Prensa, monopólio do papel no país, ou a
participação de empresas como a cementeira Loma Negra, a laminadora Acindar
(controlada por empresas da Bélgica, Espanha e França), ou o estaleiro Astarsa,
que acabou falindo em 1994. Há alguns meses, o mesmo Videla concedeu uma
entrevista a Ricardo Angoso, da revista espanhola “Cambio 16”. Nem mesmo a
cordial complacência com que Angoso trata seu entrevistado suavizou o peso das
palavras de Videla. Que admitiu, com todas as letras, que a ditadura encabeçada
por ele manteve, enquanto coalhava o país de mortos e torturados, “excelentes
relações” com a Igreja Católica e com o empresariado, a quem, aliás, aproveitou
para agradecer a colaboração. Existe algo de insólito e de importante nessas
declarações de Jorge Rafael Videla. Jamais foi segredo para quem quer que fosse
que os grandes grupos econômicos instalados na Argentina se beneficiaram
imensamente da ditadura. Lembro claramente as palavras de meu amigo Eduardo Luis
Duhalde, que já não está entre nós e foi secretário de Direitos Humanos, dizendo
que, no fundo, o golpe jamais se justificaria (as organizações armadas estavam
militarmente desarticuladas e praticamente aniquiladas, lembrava ele) a não ser
para impor uma política econômica que beneficiasse os grandes grupos e afundasse
de vez o país. Foi o que aconteceu. Algum dia, chegará a vez de esclarecer o
enredo de cumplicidade entre poder econômico e ditadura. Porque esses grandes
grupos também formam parte indissolúvel da ditadura que sufocou a Argentina
entre 1976 e 1983. Apoiaram, incentivaram, instigaram, financiaram, participaram
– e depois encheram as burras à custa da destruição do país, do massacre de
milhares de vidas. Sem esses grupos, o genocídio não teria acontecido. A
Argentina é o país latino-americano que mais avançou no estabelecimento da
verdade, no resgate da memória e na implantação da justiça aos responsáveis por
crimes de lesa-humanidade. Na recuperação da própria dignidade. Alguma vez
chegará a hora de desvendar oficialmente o que todos sabem ou desconfiam: a
cumplicidade entre capital e terrorismo de Estado. O lucro obtido à custa dos 30
mil mortos da ditadura. COMENTÁRIO E & P Falta elucidar os papel dos
Estados Unidos e da Igreja Católita nessa longa noite de terror que se abateu
sobre a América Latina. Sem o golpe de estado nos países latino-americanos o
Consenso de Washigton não teria sido possível.
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