Pnud: Nova classe média é fenômeno mundial. Para especialistas ''o que cresce é classe trabalhadora precarizada''
Se o Brasil está se transformando em um país de classe média — como afirmou a
presidente Dilma Rousseff recentemente no Rio —, ele não está
sozinho. Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud) divulgados nesta quinta-feira mostram que, neste
quesito, estamos ao lado de China, Índia, África do Sul, Turquia, Bangladesh,
Chile, Gana, Ilhas Maurício, Ruanda, Tunísia, entre outros.
A reportagem é de Nice de Paula e publicada pelo portal do jornal O Globo, 15-03-2013.
Segundo o Pnud, entre 1990 e 2010, a classe média que vive nos chamados países do Sul (a forma como o Pnud se refere às nações emergentes) passou de 26% a 58% do total desse grupo no mundo. Até 2030, 80% desse segmento social deverão viver nesses países e responder por 70% do consumo do mundo.
O professor Jessé José Freire de Souza, diretor do Centro de Pesquisa sobre Desigualdade da Universidade Federal de Juiz de Fora, diz que é “irresponsável” chamar de classe média esses novos consumidores. Ele, porém, concorda que esse ganho de poder aquisitivo é, sim, um fenômeno que vem ocorrendo em vários países emergentes:
— O que tem surgido é uma nova classe trabalhadora precarizada, que vai ser utilizada nas áreas de serviço, comércio e pequenas indústrias do Brasil e dos países emergentes do mundo inteiro. Por que neles? Porque você não convence um francês ou um alemão que trabalha sete horas por dia de que ele terá que trabalhar 14 horas, como está ocorrendo com essas pessoas que não tinham nada e estão se incluindo no consumo, com dois, três empregos e bicos. Mas isso não tem nada a ver com ser classe média.
Celia Lessa Kerstenetzky, diretora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento da Universidade Federal Fluminense, identifica um movimento de inclusão por meio do consumo, relacionado ao crescimento econômico mais rápido em vários desses países: — O que se observa com clareza é uma evolução dos rendimentos dos estratos inferiores de renda; um maior acesso a bens de consumo — diz Celia. — Mas em muitos casos o mercado de trabalho é precário, a proteção social é incipiente e o acesso a serviços sociais essenciais é muito limitado. Acho equivocado falarmos em classe média no sentido sociológico do termo. Além disso, tem havido um aumento das desigualdades em muitos desses países.
Falta formação cultural e social
Segundo Celia, a situação é melhor em países onde o padrão de crescimento é redistributivo, como no Brasil, onde a renda das parcelas mais pobres da população cresceu mais rapidamente do que a das camadas com ganhos mais elevados: — Mas, de novo, falar em classe média é um exagero. Pesquisa que fiz revela padrões de consumo muito deficientes entre as famílias consideradas da classe média brasileira: moradias inadequadas, baixa escolaridade dos chefes de família, perspectivas desalentadoras para as crianças e jovens. Mobilidade social e redução das desigualdades não se fazem apenas com ganhos de renda — alerta a pesquisadora.
Para Jessé Souza, no Brasil, além do crescimento, houve impacto positivo do programa Bolsa Família, que acabou criando um ciclo virtuoso, ao injetar dinheiro numa faixa muito pobre da população, e um efeito cascata positivo, a seu ver, inesperado até para os criadores do programa: — Mas, além do capital econômico, é necessária uma formação de capital cultural e social. Então, é uma mentira de fio a pavio dizer que essas pessoas (beneficiadas por programas sociais ou incluídas pelo consumo) são de classe média no Brasil. É mentira do Banco Mundial, do FMI (Fundo Monetário Internacional). E por que essa mentira precisa ser contada? Isso tem a ver com oportunismos políticos: pode trazer vantagens como ocorreu no Brasil nos últimos dez anos.
Especialista em economia internacional, Luiz Carlos Prado, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, chama a atenção para o peso que países como China e Índia têm na classe média dos países do Sul: — É preciso estar atento, porque um crescimento na classe média da China, que tem 1,4 bilhão de habitantes, já provoca um aumento enorme na fatia desse grupo, já que o país tem 20% da população do planeta. O Brasil tem um peso, mas é bem menor — afirma.
O Pnud mostra que até 2030, a região da Ásia-Pacífico acolherá cerca de dois terços da classe média mundial; as Américas Central e do Sul, cerca de 10%; e a África Subsariana, 2%.
A reportagem é de Nice de Paula e publicada pelo portal do jornal O Globo, 15-03-2013.
Segundo o Pnud, entre 1990 e 2010, a classe média que vive nos chamados países do Sul (a forma como o Pnud se refere às nações emergentes) passou de 26% a 58% do total desse grupo no mundo. Até 2030, 80% desse segmento social deverão viver nesses países e responder por 70% do consumo do mundo.
O professor Jessé José Freire de Souza, diretor do Centro de Pesquisa sobre Desigualdade da Universidade Federal de Juiz de Fora, diz que é “irresponsável” chamar de classe média esses novos consumidores. Ele, porém, concorda que esse ganho de poder aquisitivo é, sim, um fenômeno que vem ocorrendo em vários países emergentes:
— O que tem surgido é uma nova classe trabalhadora precarizada, que vai ser utilizada nas áreas de serviço, comércio e pequenas indústrias do Brasil e dos países emergentes do mundo inteiro. Por que neles? Porque você não convence um francês ou um alemão que trabalha sete horas por dia de que ele terá que trabalhar 14 horas, como está ocorrendo com essas pessoas que não tinham nada e estão se incluindo no consumo, com dois, três empregos e bicos. Mas isso não tem nada a ver com ser classe média.
Celia Lessa Kerstenetzky, diretora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento da Universidade Federal Fluminense, identifica um movimento de inclusão por meio do consumo, relacionado ao crescimento econômico mais rápido em vários desses países: — O que se observa com clareza é uma evolução dos rendimentos dos estratos inferiores de renda; um maior acesso a bens de consumo — diz Celia. — Mas em muitos casos o mercado de trabalho é precário, a proteção social é incipiente e o acesso a serviços sociais essenciais é muito limitado. Acho equivocado falarmos em classe média no sentido sociológico do termo. Além disso, tem havido um aumento das desigualdades em muitos desses países.
Falta formação cultural e social
Segundo Celia, a situação é melhor em países onde o padrão de crescimento é redistributivo, como no Brasil, onde a renda das parcelas mais pobres da população cresceu mais rapidamente do que a das camadas com ganhos mais elevados: — Mas, de novo, falar em classe média é um exagero. Pesquisa que fiz revela padrões de consumo muito deficientes entre as famílias consideradas da classe média brasileira: moradias inadequadas, baixa escolaridade dos chefes de família, perspectivas desalentadoras para as crianças e jovens. Mobilidade social e redução das desigualdades não se fazem apenas com ganhos de renda — alerta a pesquisadora.
Para Jessé Souza, no Brasil, além do crescimento, houve impacto positivo do programa Bolsa Família, que acabou criando um ciclo virtuoso, ao injetar dinheiro numa faixa muito pobre da população, e um efeito cascata positivo, a seu ver, inesperado até para os criadores do programa: — Mas, além do capital econômico, é necessária uma formação de capital cultural e social. Então, é uma mentira de fio a pavio dizer que essas pessoas (beneficiadas por programas sociais ou incluídas pelo consumo) são de classe média no Brasil. É mentira do Banco Mundial, do FMI (Fundo Monetário Internacional). E por que essa mentira precisa ser contada? Isso tem a ver com oportunismos políticos: pode trazer vantagens como ocorreu no Brasil nos últimos dez anos.
Especialista em economia internacional, Luiz Carlos Prado, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, chama a atenção para o peso que países como China e Índia têm na classe média dos países do Sul: — É preciso estar atento, porque um crescimento na classe média da China, que tem 1,4 bilhão de habitantes, já provoca um aumento enorme na fatia desse grupo, já que o país tem 20% da população do planeta. O Brasil tem um peso, mas é bem menor — afirma.
O Pnud mostra que até 2030, a região da Ásia-Pacífico acolherá cerca de dois terços da classe média mundial; as Américas Central e do Sul, cerca de 10%; e a África Subsariana, 2%.
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