quinta-feira, 14 de março de 2013

MÍDIA - Época e Veja.


Mauro Malin no Observatório da Imprensa
‘Época’ e ‘Veja’ entre facciosismo e demonização.


As duas revistas semanais brasileiras com maior circulação – Veja (13/3) e Época (11/3) – coincidiram em dedicar a capa ao antichavismo, embora se trate de reportagens diferentes.

 Na Veja, insulto, desprezo, panfletarismo truculento (“Chávez, a herança sombria”; “A maldição da múmia”).

 Na Época, um tom mais comedido, apuração menos superficial, embora o título da reportagem, no interior da revista, seja uma patacoada verbal metafórica: “À sombra de um corpo embalsamado”.

Em ambas, uma foto semelhante na capa: só a metade direita do rosto de Chávez visível.

 Em ambas, a mesma finalidade: apresentar os anos Chávez como uma espécie de catástrofe que se abateu sobre a Venezuela, o presidente como um tirano, o povo como massa ignara. Em ambas, ausência total de background histórico.

Por exemplo, menciona-se, como fizeram os jornais, a tentativa de golpe militar contra o presidente Carlos Andrés Pérez liderada por Chávez em fevereiro de 1992 (houve uma segunda, em novembro, conduzida por partidários dele).
 Mas não se informa que Andrés Perez havia 
tomado medidas de arrocho, entre elas um aumento do preço da gasolina e, em consequência, das passagens de ônibus, que provocaram a revolta urbana conhecida como Caracazo (27 e 28/2/1989), reprimida pelas forças armadas.

 O número de mortos oscila segundo as fontes entre 400 e 3.500. Menos ainda se informa que Perez foi deposto em 1993 pela suprema corte do país e teve que se exilar para não ser preso por corrupção.

Governo castrense

Ignorar o passado, como faz Enrique Krauze em entrevista à Veja (“Ele foi o último caudilho”), é tão pouco sério como seria ignorar que Chávez, depois de limpar as forças armadas de enclaves oposicionistas, fez um governo castrense, como castrenses foram vários governos com aprovação popular na América Latina, entre eles, notoriamente, os dois primeiros de Juan Domingo Perón, na Argentina (1946-1955), e os dos generais Velasco Alvarado, no Peru (1968-1975), e Juan José Torres (1970-1971), na Bolívia.

Perón teve amplo apoio de sindicatos e, durante a maior parte do tempo, da igreja católica. Alvarado chefiou um golpe militar, mas sua política foi nacionalista e de inspiração reformista. 

Torres foi levado ao poder por uma revolta popular de operários, camponeses e estudantes.

 Nesses países, como na Venezuela, e, como no Brasil durante boa parte de sua vida republicana, as forças armadas tiveram um peso político excepcional.


O continente tem arraigada tradição golpista. Se Chávez tivesse se tornado o tirano que pintam, ou que dizem desejava ser, isso mostraria antes de tudo que a Venezuela ainda não conseguiu chegar ao estágio presumivelmente alcançado pelo Brasil. 

Mas, pergunta-se, que país no continente conseguiu?


E mais: se Chávez tivesse conseguido arrochar a imprensa como teria pretendido, não se compreende que o oposicionista Henrique Capriles tenha derrotado Diosdado Cabello nas eleições para o governo do estado de Miranda em 2008 e tenha obtido, nas eleições presidenciais de outubro, 44,3% dos votos (ante 55% de Chávez).

A força das coisas

Com isso não se pretende amenizar os impulsos autoritários do coronel. O que para alguns parece difícil entender é que nos processos políticos os líderes tanto comandam como são governados pelas circunstâncias. O que De Gaulle chamava “la force des choses”.


Desse ponto de vista, Chávez, que sacudiu a Venezuela, país vítima da maldição do petróleo manipulada por uma elite mesquinha, não foi deliberadamente um caudilho: na verdade, só conseguiu manter-se no poder usando mecanismos caudilhescos, principalmente devido a uma política econômica inepta – sobretudo porque não reduziu, antes agravou, a dependência exclusiva do petróleo – e a uma administração pública precária. Diante, é preciso dizê-lo, de uma oposição raivosa como é não raro a oposição a Lula e a Dilma.

Preocupante, no episódio, é as revistas terem mais uma vez subordinado a cobertura jornalística a um alinhamento político-ideológico que o duopólio PT-PSDB alimenta de maneira rasteira.

 Se o campo político-informativo for inteiramente ocupado pelo maniqueísmo, o país estará conduzindo suas novas gerações à repetição de erros que custaram caro.

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