sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

HISTÓRIA - O encontro entre Prestes e Lampião.

Mariane Bigio

Poesia e Contação de Histórias


O encontro de Luis Carlos Prestes e Lampião ou Quando o Virgulino teve um problema com a Coluna


Foi no século passado
No ano de vinte e seis
Não se sabe ao certo o dia
Especula-se o mês
Que chegou a Juazeiro
O temido cangaceiro
Imbuído de altivez

Virgulino, conhecido
Sob o vulgo Lampião
Famoso Rei do Cangaço
Governador do Sertão
Foi em busca do “Padim”
Lá o encontrou por fim
Padre Cícero Romão

Ao chegar nesta cidade
Foi muito bem recebido
Aos pobres lhes dava esmola
Jornalistas destemidos
Lhe faziam entrevista
Portou-se como um turista
Pelo Padre protegido

Mas a súbita visita
Tinha a sua intenção:
Virgulino recebeu
O cargo de Capitão
a patente controversa
sendo por ele malversa
em troca d’uma Missão

Nomeado comandante
por Floro Bartolomeu
no Batalhão Patriótico
um destino recebeu
Com seu bando enfrentaria
As tropas da rebeldia
O que nunca aconteceu

Era seu objetivo
Frear a Coluna Prestes
Grupo revolucionário
Vindo do Sul e Sudeste
Despertando a atenção
De toda a população
Marchando rumo ao Nordeste

Tinha em Luis Carlos Prestes
Ex-militar revoltado
Liderança principal
Comunista iniciado
Contra a República Velha
Miguel Costa se emparelha
E soma-se um aliado

Ao longo de poucos anos
A Coluna caminhou
Pregando o voto secreto
Muito apoio conquistou
Com coragem combatia
As bases da oligarquia
Sua fama se firmou

Com mil e quinhentos homens
E a técnica da guerrilha
Foram vinte e cinco mil
Quilômetros nessa trilha
Passando por treze estados
Tenentistas e aliados
Gente à causa se perfilha

O confronto encomendado
Jamais se concretizou
Lampião rompeu o pacto
À caatinga retornou
A Coluna e o Cangaço
Não dividiram espaço
No que a história nos contou

Mas se fosse diferente?
Se tivesse acontecido?
Se pudesse Virgulino
Ter a Prestes conhecido?
Como seria então
Houvesse a reunião
Entre os incompreendidos?

Eu cá tenho um palpite
Pois enxergo a semelhança
Entre as personalidades
Entre as duas lideranças
Lampião, “Rei do Cangaço”
E Prestes em seu compasso
“Cavaleiro da Esperança”

De dentro daquelas brenhas
Saltaria Lampião
Com seu bando, logo atrás
Lhes dizendo em canção:
“Ajoelhem-se agora
Obedeçam sem demora
Às ordens do Capitão”

Antes de tentar a luta
Prestes parte a conversar
“Meu amigo, tenha calma
Ouça o que vou lhe falar…
Estamos do mesmo lado
Ambos somos os soldados
De uma causa singular”

“Não me importo com a causa
Sinhôzinho que não presta!
Eu só luto por mim mesmo
E a caatinga é o que me resta
Me fizeram Capitão
Essa é minha missão…
Meto um tiro em tua testa!”

“Não és contra o Governo?
Pois saiba que também sou
Não te afeiçoas aos pobres?
Pois eu também me afeiçoo
Também tenho o meu bando
E enquanto estamos falando
Todo ele te cercou”

Lampião estarrecido
Pelo astuto contra-ataque
Acalma de pronto o facho
Deixa que Prestes matraque
E acaba convencido
Tendo então reconhecido
De Prestes o seu destaque

Lampião veria ali
Uma possibilidade
De obter a proteção
Dada a grande quantidade
De soldados na Coluna
Aliança oportuna
E provável amizade

Os grupos caminhariam
Por um tempo, lado a lado
Até que o próprio tempo
Os deixasse afastados
Lampião seguindo a senda
Que o transformou em lenda
E Prestes sendo exilado

E Jamais esqueceriam
Esse tempo, no passado
Em que Lampião e Prestes
Se tornaram aliados
Mesmo suas companheiras
Ambas mulheres guerreiras
Já teriam combinado

Elas seriam comadres
Trocando cartas amigas
Relatando experiências
Contando lutas e brigas
De seus maridos na estrada
A sorte sendo narrada
Em bilhetes sem intrigas

Grávida de sua filha
Que se chamaria Anita
Olga Benário recebe
Um belo laço de fita
No embrulho um recado
“Deus lhes guarde com cuidado”]
adeus, Maria Bonita”

Prestes entra na política
Lampião decapitado
E a verdade ninguém sabe
Se foi certo ou errado
Se algum deles foi bandido
Ou herói embevecido
Mas serão sempre lembrados

E assim teria sido
Preencho esta lacuna
Minha imaginação
Com a poesia coaduna
Neste cordel que conteve
Quando o Virgulino teve
Um problema com a Coluna!

(revisão por Susana Morais!)
Notas:
1 – Acredito que este Cordel possa se enquadrar no gênero da Metaficção Historiográfica, a  saber: “caracteriza-se por um uso programático da narração e por uma verdadeira ressurreição da problemática histórica, tratada com uma liberdade nunca antes conhecida no âmbito da ficção” (Carlos Ceia)
2 - Existem três versões sobre o encontro de Lampião e Prestes. A primeira versão, na qual a ideia do texto acima se baseia, é a de que eles na verdade nunca se encontraram, segundo os relatos colhidos e registros estudados por Rosilene Alves de Melo, em seu Livro “Arcanos do Verso: trajetórias da literatura de cordel.”. A segunda versão é afirmada pelo próprio Lampião, em entrevista concedida ao médico do Crato Dr. Otacílio Macedo, transcrita no livro “De Virgolino a Lampião”, de Vera Ferreira (neta de Lampião) e Antonio Amaury. Nesta segunda versão Lampião relata: “tive um combate com os revoltosos da Coluna Prestes, entre São Miguel e Alto de Areias. (…) sendo eu um legalista, fui atacá-los…”, atitude que parece ser um tanto contraditória vindo de Lampião, que de “legalista” não tinha nada. A terceira versão colhi do depoimento de Álvaro Severo, pernambucano natural de Serra Talhada, que tendo sido agente do IBGE durante alguns anos naquela região, obteve relatos de um senhor, morador da Fazenda Serra Grande contemporâneo de Lampião, e provável familiar de coiteiros do cangaceiro, que afirmou que Lampião e Prestes se encontraram, de fato, mas não se confrontaram, por entender que seus interesses possuíam uma convergência.

SOBRE MARIANE BIGIO

Poeta e Videasta. Eu faço versos como quem chora, ama, brinca, ri.... Eu faço versos como que vive.
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Editor-Assaz-Atroz-Chefe: A terceira versão foi a única que conheci quando era criança, lá em Santana do Ipanema, Sertão de Alagoas

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