Gilmar, guerreiro do povo brasileiro?
José Dirceu é um cidadão
brasileiro. A Constituição garante a todo cidadão brasileiro o direito
de responder por seus eventuais crimes em liberdade até o trânsito em
julgado e o entendimento mais recente do Supremo Tribunal Federal prevê
que a execução penal deve começar após uma condenação em segunda
instância. Portanto, aplicando-se a lógica mais elementar ao caso
Dirceu, o STF, com o voto decisivo do ministro Gilmar Mendes, nada mais
fez do que, simplesmente, aplicar a lei – o que, em sociedades menos
bestializadas, seria aceito com total naturalidade.
Qual é o problema, então, do caso
Dirceu? Ao longo dos últimos dez anos, o ex-ministro perdeu sua condição
humana. Foi submetido a um dos mais intensos massacres midiáticos da
história do País. Como "monstro", e não mais como cidadão brasileiro,
Dirceu teria perdido o direito às mesmas garantias que devem valer para
todos. O ex-capitão do time de Lula, e símbolo da luta de uma geração,
passara a ser um Inimigo do Povo, como na peça de Ibsen. Na sexta-feira,
ao chegar em casa, depois de dois anos preso preventivamente, quase foi
agredido por hordas fascistas que exigiam vingança e não Justiça – até
porque sua condenação no chamado "petrolão" ainda não foi confirmada por
um colegiado de juízes.
Na mesma noite, manifestantes
ensandecidos também cercaram o Instituto de Direito Público, que tem o
ministro Gilmar Mendes entre seus sócios. Assim como Dirceu, Gilmar
também foi transformado em Inimigo do Povo. Petições online, com
centenas de milhares de assinaturas, pediam seu impeachment. O movimento
vemprarua, ligado ao PSDB, incitava a violência, tratando-o "inimigo da
nação".
De forma trágica, portanto, o
destino uniu dois personagens centrais da história brasileira nos
últimos anos, que se tornaram alvos dessa nova onda fascista. E o que
hoje intriga muitos brasileiros e brasilianistas esclarecidos é a
seguinte questão: como o Brasil, antiga pátria da tolerância e da
conciliação, chegou a esse ponto de ignorância e extremismo? De um lado,
cercado por uma mídia que nada mais fez do que incitar ódio e violência
nos últimos anos, o STF deixou para resgatar as garantias
institucionais quando já era tarde demais – apenas depois que
determinados objetivos políticos foram alcançados. De outro, o PT ainda
não fez um mea culpa por também ter usado instrumentos de estados
policiais contra seus adversários políticos. Na Operação Navalha, por
exemplo, o próprio Gilmar Mendes foi alvo de vazamentos criminosos, que
tentavam desqualificá-lo como juiz.
Dirceu, o "guerreiro do povo
brasileiro", e Gilmar, um dos alvos mais constantes do PT nos últimos
anos, se encontraram numa encruzilhada histórica, que irá decidir se o
Brasil voltará a ser uma democracia ou se será engolido pelo fascismo. O
monstro saiu da garrafa e ninguém sabe como colocá-lo para dentro.
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