“Em Teu Nome...” escapa do lugar-comum de filmes sobre a ditadura
Em todos os momentos e países, o personagem principal expõe suas incertezas e inseguranças (Foto: Divulgação)
São Paulo – Poderia ser mais um filme sobre o período da ditadura, mas “Em Teu Nome...” consegue fugir do lugar-comum das obras dessa natureza ao priorizar os dramas pessoais à denúncia de um regime arbitrário. A narrativa política está lá, a partir de uma história real, mas a linha do tempo se acompanha mais pelas mudanças internas dos protagonistas do que pelas fases menos ou mais duras do regime iniciado em 1964.
O longa dirigido por Paulo Nascimento entra em cartaz nesta sexta-feira (28). A história, por sinal, se passa em um período relativamente curto de tempo. Começa em 1969, quando Boni (Leonardo Machado), um estudante gaúcho de Engenharia, de classe média, adere à luta armada. E termina exatos dez anos depois, com a volta dele ao Brasil, após a anistia, aquela mesma que causou tanta polêmica recentemente.
Nesse tempo, acontece a esperada prisão, a tortura e o exílio: Chile, Argélia e França. Nos dois primeiros países, nascem dois de seus filhos, com Cecília (Fernanda Moro), a companheira que não concordou com a opção pelas armas, nem mesmo tem maior interesse pela política, mas aceitou largar tudo no Brasil para viver com ele.
O grupo no qual Boni milita, pertencente à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) em Porto Alegre, tem outros quatro integrantes: Professor (Nelson Diniz), que coordena as ações, Lenora (Silvia Buarque, apagada), Onório (Marcos Verza) e Higino (Sirmar Antunes). Quando se decide pela luta armada, Boni deixa claras as suas dúvidas em relação a essa opção.
É questionado por todos, sobretudo por Onório, vindo de família rica e aparentemente o mais radical e agressivo. Mas, disciplinado, segue as instruções e começa a praticar assaltos (expropriações). A certa altura, todos acabam presos, possivelmente por traição.
Aí entra em cena, talvez, o único chavão do filme: o do delegado psicopata, PS (vivido por Marcos Paulo), que gosta de torturar ouvindo música clássica. Após o inferno dos porões, eles conseguem sair do Brasil, em troca da libertação do embaixador suíço no Brasil, Giovanni Enrico Bucher. Boni e seus companheiros fazem parte do “grupo dos 70”, presos políticos que deixam o país por exigência das forças que se opõem ao governo.
Em todos os momentos e países, o personagem principal expõe suas incertezas e inseguranças. A fraqueza do protagonista se torna um ponto forte do filme, que mostra também o drama vivido pela família. A irmã de Boni (Dinha, vivida por Júlia Feldens) e o cunhado, o uruguaio Leo (Cesar Troncoso), discordam da opção da guerrilha urbana, mas não deixam de apoiá-lo em nenhum momento. A namorada, Cecília, também é contra, mas não hesita em abandonar tudo para encontrá-lo no exílio e até cumpre algumas “tarefas” revolucionárias.
E assim segue a trajetória de Boni: em 1971 chega ao Chile, onde consegue emprego (e por isso é criticado pelos companheiros) e tem seu primeiro filho. Vai embora, com dificuldade, após o golpe que derruba Salvador Allende, a quem seu grupo considera “reformista”.
Aqui, vale abrir um parênteses para um depoimento dados anos atrás para Evelise Zimmer Neves (mestranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro) por João Carlos Boni Garcia, em cuja história o filme é inspirado.
“Provocamos vários embaraços, por falta de amadurecimento, e também, algumas vezes, magoamos aquele povo que nos acolheu com tanto carinho. Vários grupos de operários e sindicalistas chilenos foram nos encontrar, queriam discutir com os revolucionários brasileiros. Nosso pessoal achava que, por serem da Unidade Popular, eram ou reformistas, ou pessoas que trabalhavam para um governo reformista, e que nós, revolucionários, não íamos discutir com eles em posição de igualdade. Como revolucionários, nos considerávamos superiores. (...)
Nós, numa análise a priori, sem entendermos o processo de luta e a história do povo chileno, catalogamos o governo Allende como reformista, porque tinha ganho as eleições num processo democrático. Para nós isso era pejorativo, burguês, não ia dar em nada.”
O debate político não é feito de forma profunda no filme, até porque esse não é seu objetivo, mas tratar dos anos 70 “sob uma ótica humanista e poética”. Assim, a Cordilheira dos Andes é cenário tanto para um treino de guerrilha como para a cena em que Cecília anuncia que está grávida. Vem o golpe, mulher e filho saem antes do Chile. Cada vez mais acuado, ele consegue deixar o país de forma dramática.
O reencontro do casal só vai se dar na Argentina. De lá, eles conseguem ir para a Argélia, onde nasce outro filho. Desta vez, Boni vai na frente para a França, até conseguir visto de permanência dado pela ONU. A família se reúne novamente, eles conseguem bolsas de estudo e reorganizam a vida. Em Paris, Boni ajuda a organizar um comitê brasileiro pela anistia e se prepara para voltar ao Brasil, enquanto cada um dos antigos companheiros têm destinos diversos, inclusive o de não suportar a humilhação e desistir da própria vida, caso de Lenora, que no entanto, ao longo do filme, não parece transmitir a emoção de seu personagem.
Ao assumir a direção do comitê, o personagem não resiste a uma ironia, ao dizer que lá na França, ainda no exílio, a esquerda conseguia ser ainda mais dividida do que no Brasil. Ao longo do filme, também se defende o ponto de vista de que ele, o povo, ignorava as ações dos militantes e dos grupos políticos de oposição ao regime. Para transformar a sociedade, é preciso entendê-la.
“Não é um filme político como imaginávamos no início, mas sobre sentimentos, sobre o amor em tempos difíceis”, declarou o diretor, Paulo Nascimento. “Acima de tudo, fala sobre a alma humana.” Segundo ele, a preocupação era ter “um outro olhar” sobre o período de ditadura, assim como foi feito em “O Ano em que os Meus Pais saíram de Férias”. Lançado em 2006 e dirigido por Cao Hamburger, o filme conta a história de um garoto de 12 anos que vê seus pais se ausentarem, a pretexto de férias (eram perseguidos pela ditadura), muda de Belo Horizonte para São Paulo e acaba morando com um vizinho de seu avô.
“A gente não está tratando da resistência, da guerrilha, mas sobre seres humanos que foram afetados por tudo isso”, diz Leonardo Machado, que pôde ser visto recentemente na novela global “Viver a Vida”. No filme, ele vive seu primeiro protagonista.
João Carlos Bona Garcia fez parte dos governos Pedro Simon e Antônio Britto no Rio Grande do Sul. Ironicamente, foi presidente do Tribunal de Justiça Militar daquele Estado, aposentando-se recentemente.
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