Sei que é arriscado fazer previsões do tipo da que está aí em cima, no título, e se o caro amigo leitor me perguntar se tenho alguma informação de bastidor, sinceramente direi que não. Mas acho que está em curso uma rearrumação na campanha tucana.
Se me permitem certa licença narrativa, atentando mais para o conteúdo que para as cenas, acho que o processo se passou mais ou menos assim.
A análise pré-eleitoral partia de algumas constatações óbvias. Exceto diante de uma hecatombe econômica, o que lhes parecia improvável no curto prazo, o alto comando serrista sabia que a popularidade de Lula era indestrutível até outubro. Já a hipótese de Dilma, pessoalmente, não cair no gosto do povo era bem mais plausível.
Lembremo-nos que a cabeça dos marqueteiros, como a de certos políticos, funciona assim: “qual é a vantagem que eu levo se agir assim ou se agir assado?” é a pergunta essencial diante das opções políticas.
E, achando que a cabeça de Lula é como as suas, imaginaram que o presidente não fosse arriscar seu sólido prestígio – e uma eventual volta ao poder em 2014 – se atirando de corpo e alma na campanha de um “poste”. A máquina do PT, sobretudo a do PT paulista, que já não vibra de emoção com a candidatura Dilma “amoleceria”, aceitando de forma fleumática aquele “que vença o melhor” cínico dos que pensam, na verdade, em conservar seu poder, como Pilatos no credo.
Era a teoria do “pós-Lula”.
Mas o pós-Lula é pós-Lula, obviamente. E Lula está longe de estar “pós”. E já faz muito tempo, aliás desde o episódio do “mensalão”, que ele colocou os marqueteiros e os políticos “da máquina” reduzidos a, no máximo, darem seus palpites, em lugar de suas sábias “ordens”. Disse isso, falando sobre o acordo com o Irã: se dependesse dos marqueteiros, ele não teria ouvido nada diferente de “presidente, não ponha a mão nesta cumbuca”. Lula nem ligou e assumiu o papel – este, sim – de estadista e não se furtou a dar o passo que o Brasil precisava dar para se impor no cenário internacional.
O presidente Lula recusou a posição de “Michelle Bachelet” em que o pretendiam colocar, aquele papo de “não, o senhor é um estadista que tem que estar acima das paixões eleitorais”, e foi à luta para “grudar” Dilma a sua própria figura. Fez isso correndo risco e enfrentando as pressões que sabia que viriam, sobretudo, da mídia sobre a Justiça Eleitoral, para reduzi-lo ao silêncio, como vieram.
Muitos, amolecidos pelos anos de poder e mando, não puderam ou não quiseram compreender compreender que o presidente não apenas faria como já estava fazendo uma sinalização de que seu futuro político é o povo brasileiro e que, abandonando-o na disputa eleitoral, abandonaria a própria grandeza que construiu para si como governante, embora fosse contar, durante algum tempo, com uns editoriais favoráveis e uns tapinhas nas costas, como a gralha recebeu os elogios da raposa até abrir o bico e deixar o queijo cair.
Assim, Lula frustrou a imaginação em que se baseava a estratégia serrista e não deixou que a candidatura Dilma “estagnasse”, condição básica para os planos do “Serra lulista”.
Dilma cresceu, sólida e consistentemente. Nem mesmo o providencial Datafolha de março, criando uma diferença de nove pontos – ainda ampliada para 10, em abril – para criar um clima de dúvidas sobre a inexorabilidade do crescimento de Dilma como “a candidata de Lula” e a estratégia de aponta-la como incapaz e trôpega politicamente, para enfraquece-la junto ao eleitorado mais esclarecido, funcionaram.
Embora uma ou duas figuras de destaque tenham acreditado que poderiam ficar fazendo comentários “neutros” que a mídia se encarregava de tornar negativos, nem Lula tirou o corpo fora, nem Dilma escorregou ou se desqualificou pessoal ou politicamente.
Neste campo dos formadores de opinião, no qual a tucanagem pretendia deitar e rolar com a desvalorização de Dilma, como pessoa, acho que podemos nos cumprimentar – sem baixar a guarda – por ter a chamada blogosfera, na crescentemente importante comunicação via web, sustentado uma guerrilha que não apenas fustigou sem cessar o adversário como serviu como advertência ao pessoal do “tanto faz” de que pagaria, perante a população, um grave preço por isso.
Bem, já não há condições de deixar de encarar um fato objetivo: à medida em que cresce a informação sobre a definição eleitoral de Lula, crescem os índices de Dilma. O Datafolha teve de entregar os pontos que tirara dela. A marca de 44% dos eleitores dizendo que votará no candidato de Lula, acrescida dos que dizem que “podem votar”, chega a dois terços do eleitorado. É demais para ser vencido, se este referencial de voto não se retrair e, ao contrário, se expuser decididamente.
Faz duas semanas que há uma crise interna no comando serrista. A irritação do candidato, distribuindo grosserias a jornalistas – da qual o “fora” em Míriam Leitão foi a “jóia da coroa”, a refletiu.
Agora, porém, há uma nova orientação, difícil de implementar, tantas foram as mossas que o “Serrinha lulista” deixou no caminho. Aécio Neves, mesmo pressionado pela mídia, não parece ter muita disposição de receber de Serra o abraço do afogado. Fernando Henrique, solenemente posto para escanteio, este pode voltar, impelido pela própria vaidade, para ser o detrator “erudito” do operário.
E Serra, este vai aparecer como tem já aparecido nos últimos dias: o homem da autoridade, o repressor, o inimigo da esquerda latinoamericana, o “prendo e arrebento”. Sobre o episódio de ontem, quando acusou a Bolívia de ser “cúmplice” do narcotráfico, escreve a insuspeita Eliane Catanhede, hoje, na Folha, que “o tucano José Serra não cometeu uma gafe ao criticar o governo Evo Morales na Bolívia. Foi um ato calculado”.
Ela está certa. Foi, sim. A campanha de Serra percebeu que o “Serrinha lulista” não colou à esquerda, mas estava tendo um efeito dissolvente à direita. Ou, descrevendo melhor, não colou no povão e, na elite, não entusiasmou ninguém.
Serra, agora, quer se consolidar como “dono” dos 30% dos votos que a direita tem, quase sempre, nos grandes centros urbanos. Eles podem ser mais, se um governo progressista entra em crise, seja na economia, seja na credibilidade pública, com a ajuda da mídia. Mas também podem ser menos, ou se dividir com uma candidatura insossa, se o personagem da elite começa a se desgastar.
Perdoem-me a pretensão de analista. Mas ouso dizer a vocês, meus amigos, esta eleição será o que deve ser: um embate ideológico por um projeto de Brasil, não um festival de marquetagens. É o que, com minhas curtas pernas, venho dizendo desde setembro passado, quando escrevi que havia acabado o “Lulinha Paz e Amor”.
Acabou também o “Serrinha lulista”.
A direita vem com sua própria e feroz cara. A nós, cabe o combate em todas as frentes, preservando o presidente dos pequenos enfrentamentos. A Lula, cabe aguardar, com a lucidez e frieza de um zagaieiro, porque é sobre ele que a onça, acuada, vai saltar.
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