quarta-feira, 12 de outubro de 2011

ECONOMIA - As virtudes da repressão financeira.

Os períodos marcados pelo abandono da regulamentação estrita sobre o capital em geral e das sociedades financeiras em particular são caracterizados pela proliferação de crises bancárias que resultam em crises económicas generalizadas. Artigo de Eric Toussaint.


A experiência de 2007-2008 não levou absolutamente nenhum governo a impor normas de prudência estrita.


Nos Estados Unidos, durante os anos 30, para sair da crise nascida do crash de Wall Street em 1929, o governo de Franklin D. Roosevelt reduziu a liberdade completa da qual gozavam os círculos financeiros e bancários. Na sua esteira, e sob a pressão da mobilização popular na Europa durante e após a Libertação, os governos do velho continente impuseram um limite à liberdade de manobra do capital. Consequência: durante os 30 anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, o número de crises bancárias foi mínimo. É isso que demonstram dois economistas neoliberais na América do Norte, Carmen M. Reinhart e Kenneth S. Rogoff, num livro publicado em 2009, intitulado Desta Vez É Diferente. Oito Séculos de Loucura Financeira. Kenneth Rogoff foi economista-chefe do FMI e Carmen Reinhart, professora universitária, é conselheira do FMI e do Banco Mundial. De acordo com esses dois economistas, que são tudo menos favoráveis a pôr em dúvida o capitalismo, a quantidade reduzida de crises bancárias explica-se principalmente «pela repressão aos mercados financeiros internos (em diferentes graus) e pelo recurso maciço ao controle de capitais durante muitos anos após a Segunda Guerra Mundial». |1| É significativo que autores que são, por princípio, contrários a fortes regulamentações governamentais utilizem o termo pejorativo «repressão financeira» para designar uma política pública que visa limitar a liberdade do capital para fazer o que lhe agrada nos domínios financeiros e bancários. No entanto, Reinhart e Rogoff estão tão incomodados com os efeitos da desregulamentação, que, longe de rejeitarem liminarmente a repressão financeira, expressam um aviso suavisado: «Isto não significa necessariamente que essa repressão e esse controle constituam, na nossa opinião, as medidas correctas face ao risco de crise financeira.» Num livro de mais de 400 páginas, não fazem nenhuma proposta alternativa.

Com efeito, durante os «gloriosos trinta», os governos da maioria dos países mais industrializados implementaram políticas de regulamentação dos movimentos de capitais que saíam ou entravam nos seus países. Além disso forçaram os bancos a adoptar um comportamento prudente e passaram para o sector público uma parte do sector financeiro. De acordo com Reinhart e Rogoff, para evitar o risco de falências bancárias, os governos impuseram «aos bancos um nível elevado de reservas obrigatórias, para não mencionar outros dispositivos como o crédito direccionado ou a exigência feita aos fundos de pensão ou aos bancos comerciais de deter um certo nível de títulos do Estado».

Para eles, a situação mudou «desde o início dos anos 1970», dado que «a liberalização das contas de capitais financeiros e internacionais – a redução ou a supressão das barreiras ao investimento interno e externo – alastrou por todo o mundo. As crises bancárias também. Após um longo período, a proporção de países com problemas bancários começou a aumentar nos anos 70».

Em contrapartida, o controle público exercido na Índia e na China sobre os bancos manteve esses países imunes ao contágio da crise financeira que começou em 2007. Reinhart e Rogoff consideram que o que as autoridades chinesas e indianas fazem hoje remete para a situação que vigorava durante os gloriosos anos 30: «uma tal repressão financeira não é novidade: foi muito corrente nos países mais avançados, bem como nos países emergentes, com forte controle de capitais internacionais, da Segunda Guerra Mundial até aos anos 1980.»

Na sua época, Adam Smith recomendava aos governos que limitassem drasticamente a liberdade dos banqueiros: «o exercício da liberdade natural de alguns indivíduos, que poderia comprometer a segurança geral da sociedade, é e deve ser restringido por lei, em qualquer tipo de governo, tanto nos mais livres como nos mais despóticos». E continuava: «A obrigação de construir paredes contíguas para evitar a propagação do fogo é uma violação à liberdade natural, exatamente do mesmo género que os regulamentos que nós propomos aqui para o comércio e os bancos». |2|

Ao contrário, os períodos marcados pelo abandono da regulamentação estrita sobre o capital em geral e das sociedades financeiras em particular são caracterizados pela proliferação de crises bancárias que resultam em crises económicas generalizadas.

A experiência de 2007-2008 não levou absolutamente nenhum governo a impor normas de prudência estrita. Alguns apóstolos do capitalismo como Alan Greenspan, ex-director do Federal Reserve dos Estados Unidos, não perdem nenhuma oportunidade de argumentar contra qualquer medida de cautela. Num parecer publicado pelo Financial Times, compara-se o terremoto que atingiu o Japão, em Março 2011, aos tsunamis financeiros que atingiram o mundo das finanças nos últimos anos. Greenspan não hesita em afirmar que, assim como não se pode pedir às autoridades japonesas para tomarem todas as precauções necessárias para proteger as populações de um fenómeno natural que afecta o país uma vez por século, não podemos exigir aos banqueiros que ponham de lado reservas líquidas suficientes para lidar com crises bancárias que só ocorrem duas ou três vezes em cada cem anos |3|. Ele é contrário, portanto, às tímidas medidas cautelares previstas no âmbito dos Acordos de Basileia III. |4| O Instituto Internacional de Finanças, que agrupa os principais bancos privados europeus envolvidos na gestão da «crise grega», faz pressão sobre as autoridades públicas exactamente no mesmo sentido: manter o deixa-andar. |5|

Pelo contrário, trata-se de tomar medidas para impedir que as instituições financeiras, bancos, seguradoras, fundos de pensão e outros hedges funds, etc., continuem a causar prejuízos. É necessário levar a tribunal as autoridades públicas e empresariais directamente responsáveis ou cúmplices activas da derrocada do mercado de acções e do sector bancário. No interesse da esmagadora maioria da população, é urgente expropriar os bancos e pô-los ao serviço do bem comum. Não somente se deve recusar qualquer indemnização aos grandes accionistas, mas também há que recuperar do seu património global o custo do saneamento do sistema financeiro. Trata-se também de repudiar as dívidas ilegítimas que os bancos privados reivindicam dos poderes públicos. É necessário, naturalmente, adotar uma série de medidas complementares: controle dos movimentos de capitais, proibição da especulação, proibição de transações com os paraísos fiscais e judiciais, aplicação de um sistema fiscal que vise o estabelecimento da justiça social, etc. No caso da União Europeia, devem ser revogados vários tratados, incluindo os de Maastricht e de Lisboa. Também é necessário modificar radicalmente o estatuto do Banco Central Europeu. Como a crise ainda não atingiu o seu apogeu, é urgente provocar uma reviravolta a fim de dar uma solução anticapitalista ao tsunami bancário e bolsista.

Traduzido por Claudia de Siervi, revisto por Rui Viana Pereira. Publicado no site do CADTM.


Notas

|1| Carmen M. Reinhart, Kenneth S. Rogoff, Cette fois, c’est différent. Huit siècles de folie financière, Pearson, Paris, 2010, p. 227. Edição original em 2009, por Princeton University Press.

|2| Adam Smith, La richesse des nations, livro 2, Capítulo 2 (1776), Flammarion, 1991.

|3| Alan Greenspan, «Regulations must risk more to push growth», Financial Times, 27 de Julho 2011.

|4| Os Acordos de Basileia III, publicados em 16 de Dezembro de 2010, são propostas de regulamentação bancária, cujos efeitos deveriam entrar definitivamente em vigor em 2019. Estes acordos ignoram o off-balance, um dos factores geradores da crise do subprime. A reavaliação dos limites cautelares por parte dos representantes de 27 bancos centrais deveria resultar no facto de que os bancos privados seriam obrigados a aumentar a liquidez, conservada de forma permanente, necessária para enfrentar uma crise. Grosso modo, se os acordos tivessem sido implementados, os bancos deveriam ter à sua disposição o equivalente a 7% dos seus compromissos, o que seria ainda insuficiente. Ver o texto dos Acordos de Basileia III: http://www.bis.org/publ/bcbs189_fr.pdf

|5| Financial Times, «Tougher supervision could be pernicious”, IIF warns», 13 de Julho de2011.


Éric Toussaint, doutorado em Ciências Políticas pelas Universidades de Liège e de Paris VIII, Presidente do CADTM Belgique, membro da Comissão Presidencial de Auditoria Integral da Dívida (CAIC) do Equador e do Conselho Científico da ATTAC France. Redigiu com Damien Millet o livro colectivo La Dette ou la Vie, Aden-CADTM, 2011. Participou no livro da ATTAC Le piège de la dette publique. Comment s’en sortir, Ed. Les liens qui libèrent, Paris, 2011

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