A Fifa tem que afinar
Carlos Chagas
Quorum não houve para nenhuma decisão, nesta semana de feriado, mas instalou-se ontem, na Câmara, a Comissão Especial que vai analisar, debater e opinar sobre o projeto da Lei Geral da Copa, preparado no governo. Trata-se dos regulamentos que a Fifa exige como condição para a realização, no Brasil, em 2014, da Copa do Mundo de Futebol. Para presidente da Comissão Especial foi designado o deputado Renan Filho, do PMDB de Alagoas, filho do senador Renan Calheiros.
No emaranhado de imposições da Fifa destacam-se algumas abomináveis, que contrariam nossa Constituição, nossas leis e a própria soberania nacional. A máfia comandada da Suiça por Joseph Blatter quer, para começar, a criação de tribunais especiais, para julgamento de questões judiciais decorrentes da realização da Copa. Mesmo com a designação de magistrados brasileiros, supervisionados pela cúpula da entidade, esses tribunais de exceção batem de frente com o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, sem dar às partes em litígio prazos mínimos e direito de defesa.
Quem for denunciado pela Fifa como fazendo propaganda ou vendendo nos estádios e arredores uma determinada marca de cerveja que não a privilegiada pela entidade será liminarmente condenado. Pior ainda: a multa e a indenização serão pagas pelo governo brasileiro.
Para ficar na cerveja: a Fifa celebrou contrato com a Budswaiser para venda exclusiva nos estádios, no entorno deles e nas vias de acesso. Atropela a lei brasileira, que proíbe a venda de bebidas alcóolicas nos estádios, bem como coloca em frangalhos a Lei de Defesa do Consumidor, que dá ao “seu” Manoel, dono do botequim das próximidades, o direito de vender a cerveja que bem quiser, bem como aos fregueses, a prerrogativa de beber sua marca preferida.
A imposição vale para os picolés oferecidos pelas empresas patrocinadoras da Fifa, os cachorros-quentes, as camisetas e até as abomináveis cornetas que infernizam nossos ouvidos. Vale repetir, não apenas no interior dos estádios, mas nos quarteirões limítrofes e nas avenidas utilizadas para o acesso.
Mas tem mais e pior: leis federais e estaduais determinam que estudantes e velhinhos paguem meia entrada nos teatros, espetáculos variados, transportes coletivos e estádios. A Fifa não admite. Todos terão de pagar o preço único, maior e abusivo.
Haverá, conforme o projeto agora em tramitação, a malandragem de os ingressos poderem ser vendidos “casados”, ou seja, com a obrigação de o comprador adquirir também produtos patrocinados pela Fifa, desde canetas, chaveiros, camisetas e sapatos. Da mesma forma, parcela ampla dos ingressos será destinada aos grupos que se hospedarem em determinados hotéis, empresas de ônibus, de aviões e demais patrocinadores da Copa.
Quem desistir de comparecer a um estádio, já tendo adquirido o ingresso, não terá direito a indenização. Pagará multa. Se uma determinada partida for transferida de um estádio para outro, de uma cidade para outra, ou de uma hora para outra, azar o de quem comprou ingressos para o espetáculo inicial. Não será ressarcido.
Convenhamos, se o ministério do Esporte já cedeu a tais indignidades constantes do projeto, o mesmo não precisa e nem pode acontecer com o Congresso. Haverá que reagir. E se os barões da Fifa ameaçarem com o cancelamento da Copa em nosso território, não haverá que se preocupar: eles terão muito mais a perder do que nós. Se deputados e senadores engrossarem, eles afinarão…
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