terça-feira, 29 de novembro de 2011

CRISE EUROPÉIA - Abandonar um navio que afunda?

Abandonar um navio que afunda? Um plano para sair do euro.

por Yannis Varoufakis

Como sabem os visitantes habituais deste blog, considero que o colapso da eurozona será o arauto de uma década de 1930 pós-moderna. Se bem que virulentamente oposto à criação da eurozona, no seu momento de crise tenho estado a fazer campanha pelo salvamento do euro . Naturalmente, como correctamente escreveu aqui Alain Parguez, é impossível salvar alguém, ou alguma coisa, que não queira ser salva. Nesta mensagem, ainda que não recuando no meu compromisso pessoal de continuar a tentar salvar uma união monetária inclinada à auto-destruição, relatarei uma ideia de como um estado membro periférico podia tentar minimizar os (enormes) custos sócio-económicos de uma saída da eurozona que lhe é imposta pela sua franca desintegração.

O referido plano foi elaborado tendo em mente a Irlanda. Seus autores são Warren Mosler (administrador de investimentos e criador do swap hipotecário e do actual contrato swap Eurofutures) e Philip Pilkington, jornalista e escritor residente em Dublim, Irlanda. O seu ponto de partida é um diagnóstico (perfeitamente correcto): os "programas de austeridade" são "um fracasso abjecto e ainda assim responsáveis europeus consideram-nos como o único jogo possível. Assim, podemos apenas concluir nesta fase, uma vez que os responsáveis europeus sabem que programas de austeridade não funcionam, que eles estão a prossegui-los por razões políticas ao invés de razões económicas".

Por razões que tenho apresentado reiteradamente , se não derrubado este projecto político conduzirá, talvez não intencionalmente, ao colapso da eurozona. Deveria um país como a Irlanda esperar até a chegada do fim amargo ou deveria ele preparar-se para uma saída antes de ter sido martelado o prego final no caixão do euro? Mosler e Pilkington argumentam em favor de uma saída. Mas como pode a Irlanda, ou a propósito Portugal ou Grécia ou Itália, sair sem que o céu lhes caia sobre as suas cabeças? Aqui está o que eles propõem. Para o texto completo clique aqui .

1. Ao anunciar que o país está a deixar a Eurozona, o governo daquele país anunciaria que estaria a efectuar pagamentos – a funcionários do governo, etc – exclusivamente na nova divisa. Portanto o governo cessaria de utilizar o euro como um meio de pagamento.

2. O governo também anunciaria que só aceitaria pagamentos de impostos na nova divisa. Isto asseguraria que a divisa era valiosa e, pelo menos por algum tempo, de oferta muito escassa.

E isso é quase tudo. O governo gasta para abastecer-se e com isso injecta a nova divisa na economia enquanto a sua nova política de tributação assegura que ela é procurada pelos agentes económico e, portanto, valiosa. O gasto governamental é portanto a torneira através da qual o governo injecta a nova divisa na economia e a tributação é o escoadouro que assegura a procura da nova divisa pelos cidadãos.

A ideia aqui é adoptar uma abordagem "não interventiva" ("hands off"). Se o governo de um dado país anunciasse uma saída da Eurozona e a seguir congelasse contas bancárias e conversão à força seria o caos. Os cidadãos do país correriam aos bancos e tentariam desesperadamente manter tantos euros em cash quanto fosse possível na previsão de que eles seriam mais valiosos do que a nova divisa.

De acordo com o plano acima, entretanto, as contas bancárias dos cidadãos seriam deixadas em paz. Isso os prepararia para converterem seus euros na nova divisa a uma taxa de câmbio flutuante estabelecida pelo mercado. Eles, naturalmente, teriam de procurar a nova divisa quanto tivessem de pagar impostos e assim venderiam bens e serviços denominados na nova divisa. Isto "monetiza" a economia na nova divisa enquanto, ao mesmo tempo, ajuda a estabelecer o valor de mercado da dita divisa.

Minha reacção a este plano é simples: É um roteiro para quem pensa que o sistema euro ultrapassou o ponto de não retorno. Uma vez que esse ponto tenha sido ultrapassado, talvez seja essencial ir nesta direcção suavemente. Contudo, não acredito que a eurozona haja, actualmente, ultrapassado o ponto de não retorno. Ainda é possível salvar a divisa comum por meio de algo afim à nossa Modest Proposal . Isso pode exigir mais intervenção por parte do BCE do que prevê a Modest Proposal (graças ao terrível atraso na implementação de um plano racional, continuando ao invés disso no actual caminho insustentável) mas ainda é, penso, factível.

A razão porque estou convencido de que isto ainda não é o momento de abandonar o navio é o enorme custo humano da ruptura da eurozona. Considere-se por exemplo o que acontecerá se na verdade adoptarmos o plano de saída acima.

Todos os contratos do governo com o sector privado (externo e interno) serão renegociados na nova divisa após a depreciação inicial desta última. Por outras palavras, fornecedores internos enfrentarão um grande corte (haircut) instantaneamente. Muitos deles declararão bancarrota, com outra grande perda de empregos.


Os bancos ficarão a seco e não serão mantidos abertos pelo BCE. O que significa que o único meio para a Irlanda ou a Grécia ou qualquer outro país adoptar este plano e poder manter seus bancos abertos é eles serem recapitalizados na nova divisa interna pelo Banco Central. Mas isto significa que depósitos nas contas bancárias serão, de facto, convertidos dos euros para a nova divisa, anulando portanto a medida benéfica das conversões não compulsórias dos haveres do banco para a nova divisa ( ver acima ).


Os autores afirmam que os efeitos nefastos acima serão diminuídos pela nova independência monetária do governo a qual lhe permitirá descontinuar programas de austeridade imediatamente e adoptar política fiscal contra-cíclica, como fez a Argentina após o seu incumprimento e o cessamento da ligação peso-dólar. Pode ser assim as todas as comparações com a Argentina devem ser adoptadas com uma grande pitada de sal. Pois a recuperação da Argentina, e das políticas fiscais associadas, foram muito menos devidas à sua independência renovada e muito mais relacionadas a uma inesperada subida na procura de soja pela China.


Se bem que seja verdadeiro que uma divisa mais fraca promoverá exportações, isso também terá um efeito devastador. A criação de um país de dois níveis. Um que tem acesso a euros entesourados e outro que não tem. O primeiro adquirirá imenso poder sócio-económico sobre o último, forjando portanto uma nova forma de desigualdade que está destinada a operar como uma quebra no desenvolvimento por algum tempo – tal como a desigualdade que se desenvolveu no período pós 1970s fez enorme dano ao desenvolvimento real dos nossos países (em contraste com o crescimento do PIB) na segunda fase do pós guerra.


Finalmente, mas certamente não o menos importante, mesmo que um país saia da eurozona desta maneira, a eurozona será descosturada (will unwind) dentro de 24 horas. O Sistema Europeu de Bancos Centrais dissolver-se-á instantaneamente, os spreads italianos atingirão níveis gregos, a França tornar-se-á instantaneamente um país classificado como AA ou AB e, antes que possamos assobiar a 9ª Sinfonia, a Alemanha terá declarado a re-constituição do DM. Uma recessão maciça atingirá então os países que comporão a nova zona DM (Áustria, Holanda, possivelmente Finlândia, Polónia e Eslováquia) enquanto o resto da antiga eurozona trabalhará sob estagflação significativa. As novas guerras de divisas intra-europeias suprimirão, em uníssono com a recessão/estagflação em curso, o comércio internacional e europeu e, portanto, os EUA afundarão dentro de uma nova Grande Recessão. A década pós-moderna de 1930, de que continuo a falar, será uma realidade trágica.
Em suma, este plano pode acabar por ser o único meio de saída para um navio que se encaminha para rochedos. Devemos mantê-lo em mente uma vez que os nossos líderes europeus com propensões sanguinárias colocaram, e mantêm, todo um Continente no caminho pejado de rochas. Mas ainda não é o momento para adoptá-lo. Pois ele virá a um incrível custo humano, um custo que ainda pode ser evitado (assumindo que estou certo ao dizer que o ponto de não retorno não foi alcançado – ainda). Ainda temos uma possibilidade de lançar a ponte e mudar a rota. Se isso falhar, um plano como este de Mosler e Pilkington pode ser o equivalente dos nossos barcos salva-vidas. Deveríamos, contudo, manter sempre em mente que nossos barcos salva-vidas serão lançados em mares gélidos e, enquanto neles desamparados, muito perecerão.


27/Novembro/2011

Ver também:

Acerca das barreiras técnicas para o abandono do euro

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