Não se iluda o deputado pelo Rio de Janeiro. Se houver uma vontade política da maioria da Câmara dos Deputados, o seu mandato poderá vir a ser cassado por falta de decoro parlamentar. O conceito de decoro é político. O julgamento político não se submete aos ritos jurídicos comuns.
Mauro Santayana
Os debates parlamentares são, normalmente, incontroláveis. Desde que há parlamentos, as discussões conduzem a insultos e impropérios. Mas nem sempre os mais audaciosos na virulência, ou no mau gosto de seus argumentos, conseguem ser bem sucedidos na política. A ironia inteligente, a lógica no argumento e a paciência didática na defesa de uma idéia, ou de uma posição em assuntos pontuais, são sempre mais eficientes no confronto parlamentar.
O deputado Jair Bolsonaro, quer isso nos agrade ou não, representa uma parcela ponderável do eleitorado do Rio de Janeiro, constituída de militares saudosistas do regime ditatorial, de obstinados lacerdistas, de neoconservadores. Sua presença no Parlamento é assim legítima, de acordo com os ritos da democracia representativa. Ele é protegido, pelo que disser na tribuna, pela imunidade parlamentar. Sendo assim, nada pode impedir seus excessos verbais – a não ser uma ação política. O julgamento político, pelo parlamento, não está sujeito a regras jurídicas. Ele depende da vontade da maioria dos representantes do povo, sobretudo quando se trata de verificar se o acusado ofendeu ou não o decoro parlamentar.
Na defesa de suas idéias, mais do que conservadoras, o deputado Bolsonaro não se impõe limites. Ninguém pode impedir que ele defenda um governo de extrema direita, da mesma forma que seria estúpido impedir que alguém defendesse o contrário, ou seja, uma política de extrema-esquerda, conforme garante a Constituição. Mas aos debates parlamentares convém um mínimo de cortesia e de respeito aos outros. Bolsonaro é costumeiro em se dirigir, sobretudo às mulheres, com palavras pesadíssimas, que não são próprias de um cavalheiro, senhor de sua hombridade - em todos os significados do último vocábulo.
Quase sempre depois de um escorregão mental, ele se desculpa, e procura muletas semânticas, a fim de amenizar o que dissera antes. Essa é uma tática comum, não só no parlamento como na vida de todos os dias, a de desmentir intenções. Na realidade, os doestos, uma vez disparados, permanecem com seus efeitos perversos.
É natural que a muitas pessoas pareça incômoda a postura da sociedade moderna diante de certos comportamentos humanos, que lhes pareçam antinaturais, como é o caso do homossexualismo. A História nos mostra que a intolerância diante desses comportamentos é cíclica e variável nas culturas nacionais de cada época. O fato é que esses comportamentos fazem parte da condição humana. Talvez conviesse ao deputado Bolsonaro ampliar o leque de suas preocupações, e não limitá-las a um só assunto. Ele corre o risco de além da imagem de violento, também se tornar um parlamentar aborrecido, com seu samba de uma nota só.
Sua última tentativa de ofensa à presidente Dilma Rousseff – já acostumada a injúrias vis, como a de que é “assassina de criancinhas” - com a ridícula e desprezível insinuação divulgada, provocou a reação de grande parte dos parlamentares, muitos deles já alvos da agressividade verbal de Bolsonaro. Não se iluda o deputado pelo Rio de Janeiro. Se houver uma vontade política da maioria da Câmara dos Deputados, o seu mandato poderá vir a ser cassado por falta de decoro parlamentar. O conceito de decoro é político. O julgamento político não se submete aos ritos jurídicos comuns. É um ato de vontade da maioria, que o exerce conforme a Constituição.
Como disse, em debate crucial na Assembléia Francesa, o grande Robespierre, ao defender a sentença de morte contra Luís 16, o julgamento político nada tem a ver com a legislação penal.
Sendo assim, convém a Bolsonaro controlar a sua linguagem.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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