Um escândalo americano.
Acusações de assédio contra meninos golpeiam cúpula do esporte em universidade dos EUA
A demissão do mais bem-sucedido entre os técnicos do futebol americano e o seu chefe, o reitor da Universidade Estadual da Pensilvânia (Penn State), provocou ondas de choque sentidas na quarta-feira por todo o mundo acadêmico e esportivo.
O artigo é de Kenneth Serbin, chefe do Departamento de História da Universidade de San Diego, e publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 13-11-2011.
O conselho universitário da Penn State demitiu o técnico Joe Paterno, de 84 anos, dono do maior número de vitórias na história do futebol americano universitário, depois que seu ex-assistente Jerry Sandusky foi acusado de envolvimento em 40 casos de crimes sexuais cometidos contra meninos, incluindo um ocorrido em 2002 no qual Sandusky teria supostamente sodomizado um menino num chuveiro da universidade.
Os membros do conselho também demitiram o reitor Graham Spanier, em cujo mandato teriam ocorrido os supostos crimes. Dois outros funcionários foram acusados de perjúrio e omissão por não terem denunciado a conduta criminosa às autoridades.
A partir de 1966, Paterno, nome conhecido por todos num país em que poucos saberiam citar o nome do reitor da universidade, ergueu um império do futebol. Sob seu comando, o time de Penn State ganhou o campeonato nacional duas vezes. Mas, em 2002, ele não procurou a polícia depois que outro assistente lhe disse ter testemunhado Sandusky abusando de um menino no chuveiro.
O caso revela uma crise cada vez maior no universo acadêmico americano, no qual os técnicos esportivos muitas vezes ganham salários bem superiores aos dos professores mais bem pagos e são imunes às críticas. Intimamente ligadas às associações esportivas profissionais, como a poderosa e lucrativa Liga Nacional de Futebol Americano, as equipes universitárias e seus técnicos abandonaram a ideia do amadorismo saudável e adotaram de vez o modelo empresarial.
Como destacou um conhecido comentarista, os atletas universitários se tornaram neoescravos num sistema que promove seu desempenho em benefício das universidades, das ligas profissionais e das redes de televisão, que angariam bilhões em lucros com a publicidade - e nem um centavo desse dinheiro é destinado aos atletas estudantes.
Nos EUA os esportes universitários viraram sinônimo de corrupção. Conhecidos técnicos e gestores da universidade foram investigados por terem oferecido benefícios antiéticos aos atletas estudantes, incluindo pagamentos não oficiais às famílias deles. Em 2010, Reggie Bush, astro do futebol, devolveu o mais prestigioso troféu do futebol americano universitário depois de revelado que ele e sua família tinham recebido centenas de milhares de dólares em pagamentos.
As equipes também foram acusadas de trapaça, envolvimento com apostas ilegais e outras infrações sérias. A universidade na qual trabalho - uma instituição católica que briga para obter sucesso nos negócios dos esportes de mais destaque - envolveu-se num escândalo neste ano depois que um ex-astro do basquete, um ex-técnico assistente e um outro jogador foram acusados de participação num esquema que incluía definição dos resultados dos jogos, distribuição de maconha e apostas ilegais. O FBI investiga o caso, que atraiu substancial atenção da mídia.
Na opinião de muitos americanos, o sistema universitário perdeu o contato com suas prioridades históricas: formar jovens estudiosos bem preparados para se tornarem participantes éticos e líderes no ramo de sua escolha. Triste evidência dessa tendência foi verificada na forma escolhida por centenas de estudantes da Penn State para reagir à demissão de Paterno: eles protestaram contra a decisão do conselho universitário com um tumulto nas ruas. Um número aparentemente bem menor se manifestou em defesa das alegadas vítimas de Sandusky.
Não é coincidência o fato de um número cada vez maior de analistas argumentar que as universidades americanas estão ficando inchadas com a burocracia e a mania esportiva, e que sua qualidade está diminuindo.
Dias antes de circularem as primeiras notícias sobre o escândalo da Penn State, o professor Benjamin Ginsberg, cientista político da Johns Hopkins, concedeu uma entrevista pelo rádio para todo o país na qual criticava o sistema universitário por ter perdido o foco nos elementos básicos do ensino.
Ginsberg é o autor de um controvertido e oportuno livro intitulado The Fall of the Faculty: The Rise of the All-Administrative University and Why It Matters (algo como O declínio dos professores: a ascensão da universidade exclusivamente administrativa e a razão da sua importância), no qual defende que o ensino superior americano está se tornando muito semelhante a um grande negócio no qual o corpo docente - o coração da universidade - perdeu poder e capacidade de influência.
Enquanto isso, seguindo a tendência das últimas décadas, a matrícula e outras despesas relacionadas ao ensino superior continuaram a aumentar num ritmo superior à inflação. O custo anual de muitas universidades particulares é hoje da ordem de US$ 50 mil ou mais.
Há três grandes perguntas que precisam ser feitas sobre o ensino superior nos EUA.
- Conforme a crise aumenta, será que as famílias podem seguir confiando nas universidades e esperando delas que proporcionem a seus filhos o ensino e o bem estar?
- As famílias vão continuar a pagar tão caro se não estiverem mais recebendo um retorno satisfatório pelo investimento?
- E, por fim, será que estamos testemunhando a alfinetada na próxima grande bolha americana - desta vez, uma bolha que não está no mercado imobiliário nem dos déficits públicos, e sim no ensino superior?
Numa era de acentuado declínio americano, com tantas indústrias e serviços transferidos para outros países, o sistema universitário continuou sendo um feito precioso.
Mas o escândalo da Penn State parece ter revelado que as coisas não são bem assim. O episódio deve servir como alerta não apenas para a comunidade daquela universidade, mas para os professores, os administradores, os alunos e os pais de todo o país.
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