CRISE NA EUROPA: Carta à Ministra Francesa do Orçamento
Data: 05/12/2011
Fonte:Resistir
Michel Cialdella é um cidadão francês em cólera, como fez questão de assinar ao final da carta enviada à ministra do Orçamento, Valerie Pécresse. Antigo administrador da Caisse Primaire d'Assurance Maladie (CPAM) de Grenoble, Cialdella questiona a situação da segurança social e desabafa: "A realidade é que vivemos uma enorme crise que lhe serve de pretexto para massacrar as nossas conquistas, que não devem nada à direita, mas apenas às lutas de gerações de trabalhadores. Nem o governo, nem os seus economistas, conseguiram prever esta crise (governar é prever?). Esta crise é a vossa e quer que sejamos nós a pagá-la!". Confira a carta na íntegra:
Carta à ministra francesa do Orçamento
(que permite uma leitura portuguesa)
Michel Cialdella, antigo administrador da
Caisse Primaire d'Assurance Maladie (CPAM) de Grenoble
Rua Joseph Bertoin, nº 6
38600 Fontaine
michel.cialdella@orange.fr
Fontaine, 25 de Outubro de 2011
Senhora Valerie Pécresse
Ministra do Orçamento
communication.dgme@finances.gouv.fr
Senhora Ministra
Como sempre acontece quando se trata do seu orçamento, os adversários da Segurança Social evocam fraudes que, na sua opinião, seriam maciças. Uma primeira reação é que a ENA e a HEC não contribuem necessariamente para uma melhor compreensão da instituição Segurança Social. O ministro sob cuja responsabilidade foi montada, Ambroise Croizat , era um operário metalúrgico comunista e pertencia à Resistência. A senhora, de calculadora na mão, trata os segurados com um desprezo total. A senhora, e todos os que seguem o seu pensamento, quando evocam a Segurança Social é somente através do que chamam "O buraco", quando, na verdade, ela é um meio de aceder aos cuidados de saúde.
Saiba, senhora ministra, que se trata em primeiro lugar de uma conquista das forças progressistas contra a direita e o patronato. A CGT e o Partido Comunista Francês, que eram membros do Conselho Nacional da Resistência, tiveram, ainda que esse facto a incomode, um papel determinante na implementação do sistema. Facto que é confirmado por Henry C. Galant, investigador americano: "Os defensores mais ativos do novo plano de segurança social e da sua aplicação eram os comunistas e a CGT... Foi devido aos esforços da CGT que as Caixas ficaram prontas a funcionar na data prevista" [1]
Pierre Laroque, que era conhecedor da matéria, disse: "Na concepção francesa, a segurança social deve, não apenas dar aos trabalhadores um sentimento de segurança, mas também fazer-lhes compreender que esta segurança é um resultado da sua actividade, que é mérito seu e sua responsabilidade" [2]
Dizia também em 1946: "O plano de segurança social não pretende apenas melhorar a situação material dos trabalhadores, mas sobretudo criar uma ordem social nova, na qual os trabalhadores assumam a sua plena responsabilidade. Foi isso que levou a conceber o plano de segurança social no quadro de organização única gerida pelos interessados e cobrindo o conjunto da segurança social". [3]
Em 1995, numa entrevista à revista O Direito Operário, dirá: "Tivemos a sorte, se é que de sorte se trata, de a CGT ser, em 1945, praticamente a única representante do mundo do trabalho, e de nos ter apoiado sem reservas, porque se sentia responsável" [4]
Ouvi, na RTL, o ministro Xavier Bertrand. Atacava veementemente as faltas ao trabalho, afirmando que seis em cada dez eram ilegais. Estes números são, para mim, fantasistas. Em primeiro lugar porque são os médicos que as prescrevem. Vão portanto dizer-lhes que estão a cometer fraudes. Para além disso, se as pessoas são controladas na véspera da retoma do trabalho (o que acontece frequentemente) parece evidente que o doente está em condições de retomar o seu trabalho. Neste caso, falar de abusos é, no mínimo... abusivo. O senhor Bertrand certamente nunca pôs os pés numa fábrica... para trabalhar, claro. O que é que ele conhece das condições de trabalho que fazem com que um operário tenha uma esperança de vida inferior em sete anos à de um quadro superior? Este discurso reaccionário era já o que os adversários da segurança social pronunciavam desde o início. É preciso dizê-lo com clareza, trata-se de um discurso de luta de classes. Esta luta de classes que só existiria no imaginário dos marxistas é evocada por um dos homens mais ricos do planeta, Warren Buffett, nestes termos: "A guerra de classes existe, é um facto, mas é a minha, a classe dos ricos, que conduz esta guerra, e estamos a ganhá-la" [5]
Exemplos de 1948: [6] a Câmara de Comércio de Paris, num relatório aprovado em 10 de Novembro de 1948:
"A segurança social tornou-se para a economia uma carga considerável que... se arrisca a comprometer a recuperação econômica do país".
"Os trabalhadores... quiseram aproveitar-se de tratamentos de que não tinham necessidade absoluta. A mínima doença foi o pretexto para um repouso mais ou menos prolongado. O absentismo aumentou".
"... razão deste aumento de despesas: os acidentes insignificantes para os quais outrora as pessoas se limitavam a colocar um simples penso, enquanto que agora vão ao médico".
"Um médico dará facilmente 15 dias de baixa para uma pequena gripe ou para um pequeno acidente. A fraude é portanto tanto maior quanto mais a Caixa está concentrada".
Querem dar lições de modernidade e fazem discursos que os reaccionários já faziam há 63 anos!
É lamentável que um ministro do Trabalho não se debruce com seriedade sobre as razões que fazem com que um trabalhador seja considerado doente. Será que sabe que 70% dos operários trabalham em contacto com produtos tóxicos? Será que sabe que os problemas músculo-esqueléticos (que ele não corre o risco de sofrer) são a maior causa de doença profissional? O que é que faz para que não haja 400 suicídios por ano ligados ao trabalho? É público e notório que há um insuficiente reconhecimento das doenças profissionais. O que é que ele faz? É mais fácil insultar os trabalhadores na Assembleia Nacional do que resolver os problemas de sofrimento no trabalho.
Afirma que o conjunto das fraudes sociais é "de aproximadamente 20 mil milhões de euros", ou seja, cerca de 10% do orçamento da Segurança Social! Seria interessante saber como é que chega a este número. E depois gostaríamos de o ver, como ministro do Orçamento, atacar a fraude fiscal, que é no mínimo o dobro! Poderíamos evocar os milhares de milhões que concedeu aos banqueiros fraudulentos. E parece pronto para reincidir, com o risco de encorajar a fraude! Antes de dar lições, comece portanto por bater às portas dos seus amigos vorazes por dinheiro. "Mas será que a cobiça basta para explicar o que leva alguém a querer ganhar ainda mais milhões quando já arrecadou milhares de milhões? Talvez estejamos perante algo mais próximo da gula, uma necessidade psicótica de se empanturrar quando já não se tem fome" [7]
"O défice da Segurança Social deve ou não ser reduzido, e, se sim, em quanto? Não cabe ao economista responder, mas ao cidadão", afirma o professor Albert Jacquard [8] . Também não cabe aos ministros, que são servidores (será que o esqueceram?), mas ao Povo (o soberano) e designadamente aos trabalhadores, que para além disso são maioritários. O senhor não tem qualquer legitimidade para destruir a nossa Segurança Social, ela pertence-nos! Em nome de que é que os que produzem as riquezas do nosso país (que vos paga) deveriam ser espoliados da sua conquista?
Como escrevia Pierre Laroque em 1946! "Queremos que os trabalhadores, amanhã, considerem as instituições de Segurança Social como instituições suas, geridas por eles e onde se sentem em casa". Que estragos se seguiram!
A realidade é que vivemos uma enorme crise que lhe serve de pretexto para massacrar as nossas conquistas, que não devem nada à direita, mas apenas às lutas de gerações de trabalhadores. Nem o governo, nem os seus economistas, conseguiram prever esta crise (governar é prever?). Esta crise é a vossa e quer que sejamos nós a pagá-la!
"Até hoje, a arte de governar foi apenas a arte de espoliar e escravizar a maioria em proveito da minoria, e a legislação o meio de transformar estes atentados numa coisa normal..." afirmou Ropespierre, a quem se chamou o Incorruptível.
Diríamos que a coisa continua. "Os males da sociedade nunca vêm do povo, mas do governo", disse ainda Ropespierre. [9]
Michel Cialdella
cidadão em cólera
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