As empresas que usam doações de campanha para construir boas relações políticas são as que têm mais acesso aos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Agora existe até uma conta para medir essa conexão: para cada deputado, governador, senador e até presidente da República eleito com seu apoio, uma empresa recebe do BNDES em média US$ 28 milhões na forma de empréstimos ou por meio de financiamentos a projetos de infraestrutura dos quais participa.
A reportagem e a entrevista sãode David Friedlander e Fernando Scheller e publicadas pelo jornal O Estado de S.Paulo, 11-12-2011.
A conclusão e o cálculo - fruto de um exercício matemático feito com base nas informações de 289 companhias abertas e da Justiça Eleitoral - fazem parte de um estudo feito por quatro pesquisadores da área de administração: os professores Sérgio Lazzarini (Insper), Aldo Musacchio (Harvard), Rodrigo Bandeira-de-Melo (Fundação Getúlio Vargas) e Rosilene Marcon (Univali).
O objetivo dos pesquisadores é lançar a discussão sobre dúvidas que com frequência rondam o BNDES, dono do cofre mais cobiçado pelos empresários do País: as conexões políticas das empresas influem nas decisões do banco? A instituição funciona como hospital de empresas em dificuldades? O banco aplica seus recursos com eficiência? A estratégia de criar "campeões nacionais" ajuda no desenvolvimento do País?
Nesta entrevista, dois dos pesquisadores, Lazzarini e Bandeira-de-Melo, apresentam as principais conclusões do grupo de acadêmicos.
Eis a entrevista.
Vocês afirmam no estudo que empresas com boas relações políticas recebem mais empréstimos do BNDES. Como vocês chegaram a essa conclusão?
Sérgio Lazzarini: Montamos uma base de dados com 289 empresas de capital aberto. Mapeamos, nas eleições de 2002 e 2006, quem foram os candidatos que receberam contribuições para suas campanhas, quantos se elegeram e quantos não foram eleitos. Depois cruzamos esses dados com os financiamentos liberados pelo BNDES às empresas doadoras. Assim, conseguimos conectar diretamente as empresas que receberam recursos do banco aos candidatos eleitos.
As empresas que doaram mais foram as que receberam mais do BNDES?
Rodrigo Bandeira-de-Melo: Não é quem doa mais. É quem consegue eleger mais candidatos. Quem aposta nos candidatos certos. Essas empresas têm maior probabilidade de receber recursos do BNDES. Essa lógica funciona nas duas direções: quem financia candidatos que não se elegem recebe menos recursos do banco.
Vocês conseguem dimensionar o ganho das empresas que elegem mais candidatos?
Lazzarini: Para cada candidato que ajudou a eleger, a empresa recebe, em média, US$ 28 milhões em empréstimos do BNDES. Já o apoio para cada candidato que não se elegeu significa que a empresa deixa de conseguir US$ 24 milhões. Isso é uma média das empresas analisadas.
É assim tão simples? O deputado que a empresa elegeu vai ao BNDES e volta com um cheque de US$ 28 milhões para a empresa que o apoiou?
Bandeira-de-Melo: Não existe essa relação direta. O político não vai bater no banco e dizer: 'empresta para tal firma'. Os dados indicam é que uma empresa que se conecta mais com políticos eleitos tem probabilidade maior de receber recursos do BNDES. A relação é indireta. Ao doar, a empresa pode ser mais acionada pelo governo para participar de projetos públicos, como a Hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo. O mesmo vale para ações de política industrial, para setores que o governo elege como favoritos, como os frigoríficos.
As empresas ganham mais quando estão alinhadas com o interesse do governo?
Lazzarini: As empresas doam tanto para os partidos da base do governo quanto para a oposição. Esses alinhamentos políticos são muito complexos, e podem ser federais ou estaduais. A burocracia pública não se renova totalmente a cada governo. O estudo mostra que o mais importante é eleger candidatos. Não precisam ser da base do governo. Nas duas eleições que analisamos (2002 e 2006), foram consideradas as doações feitas a candidatos a presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual.
Quais são os setores que mais investem na construção de relacionamento político?
Bandeira-de-Melo: Nos 18 setores que analisamos, descobrimos que, em média, 40% das empresas fazem doações a campanhas políticas. No segmento de papel e celulose, esse porcentual sobe para 70%.
Essa relação do BNDES com as empresas muda de governo para governo?
Lazzarini: No governo Fernando Henrique Cardoso, o BNDES foi o agente das privatizações. O banco participou de diversos leilões de estatais, com certa polêmica. Lula adotou o "capitalismo de Estado", no qual o governo é o agente que induz os projetos econômicos. Houve ênfase na criação de "campeões nacionais", com o surgimento de grandes empresas e processos de fusão, como Oi e Brasil Telecom e Perdigão e Sadia.
Como vocês enxergam essa determinação de criar os campeões nacionais?
Lazzarini: Essas empresas já eram boas, poderiam se financiar sozinhas, captar recursos privados sem o apoio do governo. A discussão recente sobre a fusão entre Carrefour e Pão de Açúcar é um exemplo claro. Ela teria a participação da BNDESPar, o braço de investimentos do banco, que saiu do negócio após uma chuva de críticas. O Abilio Diniz (sócio do Pão de Açúcar) declarou que foi um erro ter envolvido o BNDES, admitiu que poderia ter captado recursos de outra forma. Isso demonstra claramente que investimentos podem ser executados sem o banco.
Isso significa que o banco empresta mal?
Lazzarini: O banco está com as melhores empresas do Brasil, não é hospital de empresas. Por essa lógica, não empresta mal. Mas também é possível pensar sob a ótica do desenvolvimento. Será que ao emprestar para um empresário que não precisa desse apoio o banco não deixa de alocar recursos para outras áreas mais prioritárias, como saneamento básico, educação e infraestrutura? Será que o banco está deixando de emprestar dinheiro para o pequeno empresário do ramo de tecnologia? Se estiver fazendo isso, o modelo atual é de empréstimos ruins do ponto de vista social.
Quem poderia se virar sozinho, por exemplo?
Lazzarini: Será que, em vez de apoiar tanto o setor frigorífico, patrocinando fusões e aquisições no Brasil e no exterior, com efeitos duvidosos, não teria sido melhor investir em grupo de empresários envolvidos com a alta tecnologia genética bovina? Essa seria uma escolha que agregaria mais tecnologia ao País.
Então não é importante dominar o mercado mundial de carne?
Bandeira-de-Melo: Não. As empresas podem fazer isso por conta própria, se forem competentes.
No levantamento, frigoríficos aparecem como grandes doadores de campanha?
Bandeira-de-Melo: Alguns sim, outros não.
Eles recebem muito dinheiro do BNDES...
Lazzarini: Os que são mais ativos politicamente, sim.
Os grandes empresários vivem dizendo que não existe recurso de longo prazo fora do BNDES...
Lazzarini: Nossa pesquisa mostra que as empresas continuariam investindo sem o BNDES, que os projetos sairiam. São investimentos em ativos fixos, de longa maturação.
As hidrelétricas Belo Monte, Jirau e Santo Antonio, que são projetos monstruosos, conseguiriam ser feitos sem o financiamento do BNDES?
Lazzarini: Não totalmente sem o BNDES, mas com presença menor do banco.
No passado, o BNDES ficou marcado por socorrer empresários quebrados. O banco ainda pode ser chamado de hospital de empresas?
Lazzarini: Nosso estudo mostra que, ao contrário do que muita gente diz, o banco não é um hospital de empresa que distribui recursos indiscriminadamente. Pelo contrário: a gente encontra evidências de que os financiamentos são direcionados para empresas que têm bom resultado operacional. O BNDES tem um corpo técnico que vai avaliar esses projetos e a capacidade de pagamento das companhias.
Mas ajudar empresas em dificuldades não está dentro do escopo dele?
Lazzarini: Não. As discussões sobre política industrial no mundo dizem o seguinte: você pode até selecionar vencedores, mas precisa se livrar dos perdedores.
No Brasil, o relacionamento com governo tem uma importância maior para as empresas do que em outros países?
Bandeira-de-Melo: Isso acontece no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, estudos mostram que as ações de empresas que contratam ex-funcionários do governo se valorizam. As empresas americanas investem o equivalente a 1% do que aplicam em pesquisa e desenvolvimento em campanhas políticas. No Brasil, as empresas investem o equivalente a quase 5% de sua verba de pesquisa em doações de campanha.
Fonte: IHU
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