Desde a segunda década do século 20, está em curso um esforço para se desenvolver uma interpretação marxista da realidade brasileira. Diversos autores desenvolveram teses originais e distintas entre si, dando contribuição importante para se entender o Brasil.
Por André Gomes
É inegável que as interpretações marxistas estão entre as mais consistentes da historiografia brasileira e que em geral estão entre as que mais aprofundam as investigações sobre o processo histórico brasileiro.
Nesse artigo pretendo analisar brevemente três das principais interpretações marxistas da realidade brasileira. São essas formuladas por Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior e Décio Saes.
Porém, antes de analisarmos os autores em questão, a título de introdução, considero importante fazer um breve retrospecto da introdução das ideias marxistas no Brasil, bem como dos primeiros esforços no sentido de se constituir uma interpretação marxista da realidade brasileira.
As ideologias das classes subalternas, são em geral fragmentarias, na maioria das vezes assimilam a ideologia das classes dominantes. A expressão principal das classes exploradas em luta contra a dominação é o pensamento marxista. Vale ressaltar, no entanto, que nem sempre as ideias que se reivindicam marxistas estão atreladas ao pensamento de Marx.
No Brasil, em grande medida o desenvolvimento inicial do Marxismo foi influenciado pela Revolução Russa e seus desdobramentos. Antes porém, na década de 1880 estava em curso uma crise do Escravismo e da Monarquia, surgem segundo algumas perspectivas, os primeiros elementos do Capitalismo no Brasil.
Nesse período, uma das correntes que ganha força por aqui é o Positivismo, que acaba por influenciar o embrionário movimento operário brasileiro, as fábricas ainda são pequenas e artesanais. A cidade de Santos passa a ser um baluarte na luta contra a escravidão, em 1887 surge o centro socialista de Santos, fundado pelo médico Silvério Fontes.
O Positivismo é difundido e entre as correntes que o compõe se localiza uma mais a esquerda, há tentativas fracassadas de se tentar se constituir um Partido Operário. No Rio de Janeiro há uma expressiva liderança operária que é Luiz França.
As correntes socialistas não falam ainda em Revolução e sim em reformas sociais, nessa perspectiva, o Brasil ainda não tinha Capitalismo. No inicio do século 20 há uma grande agitação operária na Europa, ganha força uma corrente revolucionário-sindical, expressa no Brasil pelo Anarco-Sindicalismo.
A migração de Europeus para o Brasil ganhou força a partir de 1890, o que ajudou a espraiar a perspectiva anarco-sindical, o movimento operário ganha um perfil europeu.
Animados com a fundação da CGT na França e com os movimentos que antecedem o processo da Revolução Russa, em 1906 é fundada uma primeira Central Operária.
A COB vai hegemonizar o movimento operário brasileiro até a década de 20. Houve intensa mobilização operária de 1917 a 1920, em grande medida, motivada pela Revolução Russa. Um dos movimentos mais importantes foi a Greve Geral de São Paulo em 1917.
Em 1929 se acentuam as divergências entre a vanguarda, tanto relativamente a questões internas, quanto externas A COB se divide, permanece de um lado a corrente anarco- sindicalista e de outro a corrente que defende um vinculo com a URSS e a fundação de um
Partido Operário.
Com a fundação da Internacional Comunista em 1919 ganham força os Partidos Comunistas dos grandes países da América Latina, o Brasil é o ultimo desses a fundar o seu. Havia núcleos no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e no Recife, eles aglutinam outros núcleos e em março de 1922 fundam o Partido Comunista do Brasil. O Partido se desenvolve de forma lenta e gradativa.
É de pequenos textos e artigos que surge o Marxismo no Brasil, num primeiro momento, muito mais influenciado pelo Bolchevismo do que pelo pensamento de Marx propriamente dito. A essa altura já se faz presente no Brasil a Classe Operária, ainda que de forma embrionária, a Burguesia por sua vez, já tinha a bandeira da revolução burguesa em seu horizonte.
Dois dos primeiros intelectuais marxistas a desprenderem um esforço de interpretação da realidade brasileira foram Astrogildo Pereira e Otávio Brandão. Astrogildo era Jornalista e foi um dos fundadores do PCB em 1922, é no Rio de Janeiro onde inicia sua participação na vida política e social do País, se envolve na campanha de Rui Barbosa, mas logo após se decepciona com a perspectiva Liberal. No regresso de uma viagem a França volta filiado a corrente anarquista, a essa altura já desenvolve sua atividade de jornalista.
Otavio Brandão era alagoano, cultuava as ciências naturais e a Filosofia Mística, se formou em Farmácia e já em 1916 publica um livro que já antecipa a presença de petróleo no Recôncavo Baiano. É Otávio Brandão que vai traduzir e publicar pela primeira vez o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels no Brasil.
Estimulado por Astrogildo, escreve em 1924 a sua obra “Agrarismo e Indústrialismo” que se constitui como uma primeira tentativa de interpretação marxista da realidade brasileira.
Esses intelectuais concebiam uma estratégia para a Revolução Burguesa no Brasil, defendiam uma aliança com a pequena burguesia que era composta essencialmente pelos militares rebeldes, nesse sentido, defendem um primeiro contato com a Coluna Prestes, já que para eles essas duas classes constituíam a força motriz da revolução brasileira.
Em 1933 Leôncio Basbawn escreve a obra “A caminho da Revolução”, onde faz uma análise da formação social do Brasil. O Marxismo surge no Brasil intimamente ligado à Classe Operária e a ação política prática, se orientam a principio pelos documentos da Internacional Comunista e tem pouco contato com a obra de Marx e dos principais autores Marxistas.
Esses materiais se misturavam com a tradição operária anarquista e nesse sentido tinham forte impacto do Positivismo. A Dialética de Hegel não fazia muito sucesso por aqui, lia-se mais Plekanov.
Em 1929 na URSS se instala o período que é caracterizado pelo poder inconteste de Stálin, seu grupo homogeneíza a Internacional Comunista com as teses por ele defendida. Era preciso afinar os Partidos Comunistas no mundo todo com essa concepção e nesse sentido ocorrem diversos processos de intervenção.
No Brasil, fruto desse processo são escanteados Astrogildo Pereira e Otávio Brandão. Ambos foram criticados de forma agressiva até serem formalmente expulsos acusados de uma suposta ligação com Bukharim. Astrogildo Pereira acusado de revisionismo, nessa época está interessado em Literatura e no pensamento autoritário.
Continuou a atuar na luta política, sendo inclusive um dos percussores da Aliança Nacional Libertadora em 1935. Participou da Intentona Comunista de 1939 e em pleno Estado Novo publica um livro onde analisa a obra de Machado de Assis.
Em 1944, escreve “Tarefas da intelectualidade brasileira” e um ano depois é um dos principais organizadores do congresso brasileiro de escritores. Nesse período volta às fileiras do PCB, porém muito mais como uma personalidade da Cultura do que como um dirigente político. Morre em 1965 logo após ter sido preso pelo Golpe civil-militar.
Astrogildo foi um crítico severo do Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo que fora formulado por Plínio Salgado, era absurda para ele a ideia de brasilidade integral, pois em um país novo como o Brasil, praticamente tudo vem de fora. Como temáticas principais sua obra trata do combate ao Imperialismo, do latifúndio e do trabalho no Brasil.
Ele entende a Revolução de 30 na verdade como uma contra-revolução – ideia predominante entre os comunistas brasileiros nesse período – acrescenta que a conjuntura internacional era marcada pela profunda crise do Capitalismo. Nesse sentido, fruto da crise estava emergindo no Brasil em sua leitura as condições para uma Revolução Operário-Camponesa.
Assim sendo a Contra-Revolução foi feita justamente para impedir que essa se concretizasse. Para ele, embora o discurso da aliança Liberal parecesse progressista, era no fundo norteada pelo pensamento autoritário
A democracia liberal burguesa tanto quanto a ditadura fascista são formas de dominação de classe. Para ele, a Assembléia Constituinte de 1933 se desdobrou na aprovação de uma Constituição hibrida que contemplava o corporativismo fascista. O Proletariado foi impedido de disputar as eleições através de seu Partido.
Aqui, a vida social e política do Brasil ainda estão em aberto, ou seja, está em disputa o caminho para o desenvolvimento do Capitalismo no Brasil. Em 1935 essa porta se fecha, a industrialização de Vargas sai vitoriosa, o que para Astrogildo corresponde a uma vitória do pensamento autoritário.
Por fim defendia que uma revolução democrático-burguesa no Brasil deveria ter dois eixos fundamentais: o problema da terra e o da independência do país. Apontava que no Brasil a Revolução Democrático-Burguesa tendia a se transformar em uma Revolução Operário-Camponesa. Nessa perspectiva, o Partido Comunista era o único partido verdadeiramente Anti-Capitalista, por isso deveria conduzir a Revolução.
Nelson Werneck Sodré e a Tese Feudal
Nelson Werneck Sodré nasceu em 1911 e morreu em 1999, é portador de uma vasta obra intelectual, sendo um dos autores brasileiros que mais publicaram livros, sobre diversas temáticas.
É um intelectual formado no caminho do Exército, tinha uma formação intelectual bastante eclética, conforme indica o Professor Paulo Ribeiro da Cunha em seu livro “Um olhar à esquerda. A Utopia Tenentista na construção do pensamento Marxista de Nelson Werneck Sodré.”
Através de uma minuciosa pesquisa, Paulo Cunha fornece ao leitor a possibilidade de acompanhar o processo de transição de um intelectual de origem pequeno burguês - ainda que de uma expressão mais radicalizada da pequena burguesia (tenentismo) – para um intelectual revolucionário.
Sua posição no Exército sempre foi à esquerda, o que lhe rendeu diversas punições e exílios internos. Consta que ingressou no PCB entre1943 e 1945, período de grande efervescência intelectual devido ao movimento antifascista.
Nos anos 50 se envolve nas disputas do Clube Militar, a tendência de esquerda defendia a rápida industrialização via Estado Nacional, já que não havia Capital privado nacional para executar essa tarefa. Sodré, então já Comunista, se alia aos militares de esquerda.
Logo após passa a compor os quadros do ISEB, período em que publica “A Ideologia
Colonialista”, onde defende a ideia de uma luta histórica entre entreguistas e nacionalistas.
Até a segunda metade da década de 50, Sodré é fortemente influenciado por Caio Prado Júnior, nesse momento reconstrói sua visão de Brasil, a partir de diversos estudos. Tres obras principais sistematizam a visão de Brasil de Sodré, são elas: “Formação Histórica do Brasil, “Historia da Burguesia brasileira” e “Historia Militar do Brasil”.
O golpe de 1964 para os comunistas além de uma derrota política é uma derrota do ponto vista intelectual, no âmbito acadêmico, um dos autores que mais sente os efeitos da derrota é Werneck Sodré. Nesse ambiente citar sua obra virou por muitos anos motivo de reprovação, sendo reputado a ele, inclusive coisas que ele nunca falou.
Essa situação começa a ser revertida pouco antes de sua morte e sua obra segue sendo recuperada. Neste ano se estivesse vivo completaria 100 anos, diversos debates e homenagens já foram e ainda estão por ser realizadas, o que deve se desdobrar em novas publicações e até mesmo em reedições.
Uma das teses principais de Sodré é a polêmica Tese Feudal, ele parte da análise de Portugal e observa que esse País estava armado pra lutar pela sua independência. Observa que embora exista a particularidade de ser dirigido por um grupo mercantil, esse fato não pressupõe uma Revolução Burguesa, o comércio é parte do Feudalismo.
Para Sodré então, Portugal era Feudal, porém com a particularidade de ser dirigido por um forte grupo mercantil. Ao iniciarem por aqui o processo de colonização, trazem consigo sua vida social, na perspectiva de Sodré uma servidão frouxa devido a sua particularidade, o que se desdobra na reconstituição do escravismo.
As capitanias hereditárias são espécies de feudos que se dividem em sesmarias, deu certo em São Vicente e Pernambuco e naufragou no resto da Colônia. Os indígenas não se submetiam a servidão e fugiam para o mato.
Para o autor, a necessidade de mão de obra vai recuar a lógica histórica instaurando o escravismo, uma espécie de regressão histórica. Os escravos são força motriz do trabalho o que estabelece a relação entre senhor e escravo como a relação social e a contradição predominante.
Em algumas regiões se desenvolve uma economia agro-patoril, a ausência de escravos desenvolve uma relação de dependência em relação ao senhor proprietário das terras, ou seja, as condições de trabalho são de servidão.
Ressalta Sodré que a Zona avançada é escravista, enquanto a atrasada é feudal, a ideia dos avanços societais na realidade brasileira regride, o Feudalismo convive com o Escravismo, que por sua vez é mais avançado que o primeiro.
No século XVII está em curso uma crise relativa da cana de açúcar, mais ao sul se descobre grande quantidade de ouro, sendo direcionado pra lá grande quantidade de escravos, constituindo uma nova zona escravista. Porém a escravidão nessa região foi de curto tempo, pois era um tipo de escravidão complicada com característica já urbana e principalmente de extração direta da riqueza.
O autor observa que com o declínio dessa Zona escravista, se inicia um processo de regressão econômica feudal. Aponta diversos nichos que indicam uma regressão feudal geral. Para ele, a independência é assegurada por um acordo entre os nichos, para conter a insurreição de escravos e camponeses.
Outros focos de escravos se deslocam para o Sudeste, particularmente São Paulo e Rio de Janeiro devido a produção de café. O escravismo já estava superado mundialmente com o advento das revoluções burguesas. Aponta que com exceção da zona cafeeira, todas as outras caminham para uma regressão feudal.
O tráfico de escravos se interioriza e ganha alguma força o comércio interno, surge o Capital mercantil começando gradativamente haver possibilidades para uma acumulação de capital.
Na crise do café, se constitui o Capital Industrial que a exemplo do capital mercantil se concentra na zona cafeeira, mas precisamente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nessa região lentamente começava a se desenvolver o Capitalismo Industrial, no resto do País, no entanto, como já apontei aqui, segundo Sodré, o declínio do escravismo se desdobra em regressão feudal. Aqui começa a se formar a questão até hoje presente na realidade brasileira que é a Questão Nordestina.
Nesse sentido indica que permanece na realidade brasileira o que ele chama de restos feudais, até por que continua a existir o latifúndio feudal. Em sua opinião, as regiões “industrializadas” não tinham força para alavancar o mercado interno.
Nesse sentido era preciso superar o latifúndio feudal e a dependência externa, tarefa que devia ser desempenhada por uma Revolução Democrático-Burguesa anti-feudal e anti-imperialista.
Em Werneck Sodré, o feudalismo brasileiro é particular, muito diferente do feudalismo clássico europeu. Por aqui ele sempre foi subsumido, ora pelo escravismo, ora pelo Capitalismo, sempre foi periférico.
Há autores como Jacob Gorender que defende que o Brasil sempre foi escravista, outros como Caio Prado Júnior que ele sempre foi Capitalista.
Sodré percebe a rápida industrialização em curso, porém dificultada e por vezes entravada pelo Imperialismo e seus agentes internos. Reforça a necessidade de uma via nacional e autônoma de desenvolvimento do Capitalismo, que seria o desencadeamento do processo da Revolução Brasileira.
A industrialização é o processo da Revolução burguesa, havia segundo ele nas classes dominantes duas perspectivas distintas de desenvolvimento capitalista: a primeira que defendia a dependência externa e era composta pelo capital financeiro e comercial, latifúndio e parte do capital industrial, a outra que defendia uma perspectiva nacional e autônoma era composta por uma fração do capital industrial.
A fração mais avançada da pequena burguesia tem sua expressão nos militares, porém mesmo junto a fração nacional do Capital Industrial, tinham pouca força para avançar o processo sem o apoio do proletariado.
A expressão Revolução Brasileira surgiu na década de 20 e ganhou diversos significados distintos entre si. Sodré defendia que nossa Revolução Burguesa havia de ser realizada em um cenário internacional já na fase Imperialista do Capitalismo e ainda com uma economia colonial dependente Para ele a contradição fundamental era entre a Nação e o Imperialismo.
Caio Prado Júnior e a Revolução Brasileira
Caio Prado Júnior foi um intelectual paulista ligado ao PCB, talvez seja hoje o autor marxista brasileiro mais respeitado, sua tese é oposta a de Werneck Sodré e a de outros autores como Inácio Rangel.
Filho da classe dominante teve uma sólida formação intelectual, já na década de 1920 militou no Partido Democrático em São Paulo que era um racha do Partido Republicano, tal partido era composto fundamentalmente pela classe média urbana e pela oligarquia cafeeira declinante.
Participou do movimento de 30, sendo inclusive preso, um ano depois em 1931 se filia ao PCB onde permanece por toda a vida. Em 1933 visita a URSS e em 1934 pública uma de suas principais obras “Evolução Política do Brasil e Outros Estudos”, aqui já está presente sua visão de Brasil que lhe acompanhará por toda sua trajetória.
Defende a ideia de que o Brasil é fruto da expansão do Capitalismo internacional, em sua análise privilegia o mercado, nesse sentido se concentrando na circulação de mercadorias.
Observa a tendência do Brasil historicamente permanecer arcaico por meio de conciliações que recompõe os interesses das classes dominantes e entrava a Revolução Brasileira. Caio Prado chegou a ser vice-presidente da Aliança Nacional Libertadora ANL em São Paulo, é preso e depois viaja para a França onde desenvolve militância no Partido Comunista da França.
No seu regresso em 1939 concentra seus esforços na publicação de sua obra mais importante, “Formação do Brasil Contemporâneo” que será publicada em 1942.
Nela apresenta uma visão que divide a historia brasileira em ciclos econômicos baseados no mercado externo. O mercado interno não se desenvolve, em sua perspectiva em grande medida bloqueada pelo Escravismo.
Desde sempre segundo sua opinião, o Brasil é uma colônia exportadora de bens primários. O Brasil nessa visão era um setor do desenvolvimento do Capitalismo internacional, chega a falar em um Capitalismo Colonial, a grande discussão do período é se o período colonial era Feudal ou Capitalista.
Os críticos da tese de Caio Prado Júnior recuperam Marx em sua afirmação de que só existe Capitalismo onde há extração de mais-valia produtiva, ou seja, indústria. O Capital mercantil se localiza na transição entre o Feudalismo e o Capitalismo, mas ainda não supera as relações feudais.
Nessa perspectiva, a existência do mercado não pressupõe Capitalismo. O Capitalismo caracterizado por Marx em “O Capital” é o eixo principal de todas as relações sociais.
Burguesia mercantil e Nobreza Feudal convivem muito bem, segundo essa visão, grupos mercantis são próprios do Feudalismo e não anti-feudais como sugere a análise Caiopradiana.
Acrescentam ainda que haja certo exagero na ideia de pilhagem colonial como acumulação de Capital originário como principal fonte.
Em 1945 organiza junto a Astrogildo Pereira o Congresso Brasileiro dos Escritores, nesse período pública “Historia Econômica do Brasil” e dois anos depois é eleito Deputado Estadual pelo PCB em São Paulo, é cassado logo em seguida junto ao registro do PCB.
Nos anos 50 se concentra na atividade intelectual, passa a publicar a Revista Brasiliense que reflete sobre o desenvolvimento econômico do Brasil, assim como fazia o ISEB no Rio de Janeiro.
No inicio da década de 60 era majoritária no PCB a posição assumida na Carta de 1958 que defendia a necessidade de uma Frente Anti-Imperialista e Anti-Feudal. Aqui, mais uma vez Caio Prado é voz dissonante, discorda das interpretações do Partido e consegue divergir com ambas as correntes.
No curso desse acalorado debate, pública em 1966 a obra “ “A Revolução Brasileira”, a expressão Revolução Brasileira era generalizada, tendo conteúdo distinto em distintas interpretações. Mesmo no campo do Marxismo há interpretações distintas.
Para Caio Prado Júnior, o processo de construção da ordem burguesa no Brasil é muito instável, vê a Revolução como um longo processo de mudanças que se acumulam, ou seja, não se trata necessariamente de uma ruptura abrupta.
Sua tese permite uma leitura a esquerda, na medida em que havendo por aqui desde sempre o Capitalismo, a Revolução Socialista já estava no horizonte. Outra apropriação a esquerda de Caio Prado é das correntes que a partir de sua ideia de que o ponto nevrálgico de nossa revolução está no campo, defendem a Revolução Camponesa e as guerrilhas culturais.
O autor é critico a ideia de uma Burguesia Nacional progressista como aliada em potencial, o que Werneck Sodré chama de restos feudais, Caio Prado trata como super exploração do trabalho. Para ele, de forma alguma esses elementos representam um entrave ao desenvolvimento do Capitalismo.
De certa forma se aproxima das formulações dos liberais na defesa de que no Brasil há Capitalismo desde sempre, é também simpático a tese que aponta a existência de uma Burguesia burocrática.
Caio Prado defende a necessidade de superar essa burguesia burocrática, se soma ao combate ao corporativismo, tanto que em 1945 é mais simpático a candidatura Liberal do que a de Vargas.
Defende o resgate da autonomia sindical e localiza a burguesia burocrática como inimiga principal, a defesa do Anti-Imperialismo está em segundo plano. Outra divergência em relação às teses do PCB, é que para ele no Brasil nunca existiu e não existe campesinato, nesse sentido a luta contra o monopólio da terra não tem centralidade.
Em sua perspectiva, a mola propulsora da Revolução Brasileira reside no Proletariado Urbano e Rural. Nesse sentido vê centralidade no campo devido às precárias condições de trabalho e vida e assim sendo o programa era conquistar aos trabalhadores do campo melhores condições de trabalho e vida.
Aqui, embora ele não explicite me parece defender a conclusão da Revolução Burguesa inacabada, parte dos indivíduos em direção a noção de classe, fala em herança colonial, jamais feudal.
Não atribui grande importância a concentração fundiária como parte expressiva da herança colonial, defende uma sociedade integrada e organizada, cujo eixo seria a luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho.
Continuando esse debate, aponta os movimentos de luta pela terra como inexpressivos, afinal, o fundamental era a questão do emprego, em sua visão, camponeses enquanto produtores autônomos jamais existiram no Brasil.
Ele não se coloca necessariamente contra o latifúndio, defende na verdade a transformação desses latifúndios em empresa Capitalista, com o objetivo de assegurar aos trabalhadores rurais melhores condições de trabalho e vida.
De certa maneira, atribuía a bandeira da reforma agrária quase que um caráter reacionário, na medida em que sua execução se desdobraria em baixa produtividade no campo.
Esse debate permanece atual, Caio Prado defendia a preservação e a mecanização da grande propriedade, como já levantei acima, para ele o latifúndio não era entreve ao desenvolvimento Capitalista no campo.
Como em sua perspectiva, o Brasil é desde sempre Capitalista, o próprio latifúndio se torna Capitalista. Nesse cenário, os trabalhadores lutam por melhores condições de trabalho.
Caso a propriedade não consiga atender aos anseios de produtividade, ai sim é preciso dividi-la, para ele a elevação da produtividade é fundamental para se consolidar um mercado interno.
A quebra do monopólio da terra, em paralelo representaria a quebra da monocultura. Caio Prado não deu importância a esse aspecto, para ele, os trabalhadores não têm formação e capacidade técnica pra viabilizar a pequena propriedade.
Insiste na tese de que no Brasil o perfil dos trabalhadores rurais é de empregados e não de camponeses, esses trabalhadores procuram prioritariamente emprego e não acesso a terra.
Por fim outra observação critica que considero necessária expor é a de que a ideia defendida por Caio Prado Júnior do Capital acumulado na esfera da circulação é de cera forma estranha as formulações marxianas que localizam a acumulação na esfera da produção.
Há também algumas leituras a esquerda da obra de Caio Prado, uma delas o junta a Lukács na ideia de uma Ontologia do Capitalismo no Brasil. Defendem a tese de que o vinculo colonial conduziu toda a trajetória histórica brasileira, a ideia de um Capitalismo de Estado, também aqui se faz presente.
Décio Saes e a Formação do Estado Burguês no Brasil
Em geral, os intelectuais marxistas brasileiros não concentraram seus esforços na formulação de uma Teoria do Estado. Em Décio Saes, embora menos conhecida do que em outros autores, está presente talvez a Teoria do Estado melhor sistematizada no campo do Marxismo.
Sua tese central é que a Abolição da escravidão, a Proclamação da República e a Constituinte de 1891 se constituem em uma unidade que compõe a transição do Estado Escravista Moderno para o Estado Burguês no Brasil.
Décio Saes se referencia em Poulantzas, para qual o Estado Burguês franqueia a presença de membros de outras classes no aparelho do Estado. Do ponto de vista ideológico se esconde a ideia de uma sociedade dividida em classes e se difunde a ideia de que o Estado defende os interesses gerais.
Aponta uma diferença enorme entre o estatuto jurídico do estado escravista moderno para o do estado burguês, no novo estado a dominação de classes não é explicita como era no escravismo.
A natureza do estado é classista, nesse caso, ainda que eventualmente o Governo seja liderado por líderes de outras classes, as políticas serão burguesas. Para Marx, a classe operária precisa destruir o estado burguês e substituí-lo por outro tipo de estado.
Sua análise busca identificar o papel das classes sociais no processo de transição de um tipo de estado para outro, no caso, do estado escravista moderno, para o estado burguês. Ele dialoga com a ideia de contradição presente em Mao Tse Tung, o tipo de estado está diretamente ligado as relações de produção dominantes.
No escravismo moderno a contradição principal é entre senhores de escravos e escravos. Observa que em nenhum momento os senhores de escravos tiveram interesse na abolição da escravidão, nem tampouco na transformação do estado.
Para Saes, os escravos em luta não almejavam a substituição do estado, ou buscavam inverter a relação com os senhores de escravos, escravizando-os, ou buscavam um retorno a uma espécie de comunismo primitivo.
Nesse caso, o autor aponta que nenhuma das duas classes fundamentais que constituíam a contradição principal tinha interesse na transformação do estado. Assim sendo procura identificar quais classes tinham interesse na transformação do estado.
Sua conclusão é de que a classe média era a principal interessada na superação do estado escravista. Chama de classe média não aquela caracterizada pela faixa de renda e perfil de consumo, seu critério é o mesmo utilizado por Poulantzas que localiza a classe média - caracterizada por ele como nova pequena burguesia - como a classe intermediária no processo de produção.
O interesse no trabalho livre é o que põe essa classe média em contradição com as classes dominantes, demonstra que é essa classe que vai assumir a direção do processo de transformação do estado.
Assim sendo, a classe média vai assumir inclusive a direção das revoltas escravas, constituindo o movimento abolicionista que era também republicano. Seria de se supor que o Capital Industrial nascente seria o principal interessado no trabalho livre, porém, aponta Saes que essa burguesia era ainda incipiente e não possuía peso no cenário político.
Além do que, seus mercados se concentram nas grandes fazendas, ou seja, a contradição entre burguesia industrial e estado escravista, nesse momento é secundária.
Observa também que para assumir papel dirigente é preciso ter clareza das tendências históricas e ter unidade de ação. Claro que a classe média não é homogênea, a fração revolucionária é ligada a determinadas profissões, em particular, os militares, que era a única força organizada capaz de fazer frente à repressão do estado escravista moderno.
A transformação do estado vai significar vários deslocamentos na cena política. Vale a pena aqui em linhas gerais apontar que o conceito de cena política em Poulantzas corresponde a ideia de bloco de poder, ou seja, o bloco que reúne as classes dominantes dentre as quais uma classe polariza tanto o bloco de poder, quanto a sociedade.
No Escravismo moderno esta classe são os senhores de escravos, ou seja, se apresenta a sociedade como classe dirigente. A transformação do estado desloca o bloco de poder e os senhores de escravos, embora preservem seus interesses, são as classes derrotadas nesse processo.
A classe média que ocupa o centro da cena política pós-abolição praticamente sai de cena após a República e a Constituinte. Quem passa a ocupar o centro é a burguesia agro-exportadora associada ao Capital estrangeiro.
Em sua interpretação as oligarquias agrárias não eram classe dominante na Primeira República, compunham o bloco de poder, mas era força subordinada.
A classe média nesse momento concentra grande parte do eleitorado, a economia por sua vez ainda é essencialmente agrária. Como o processo de transformação do Estado é dirigido pela classe média, está ausente a bandeira da Reforma Agrária.
* André Gomes é estudante de graduação em ciências sociais pela UNESP, Presidente do PC do B em Marília/SP e membro do comitê estadual. Esse artigo originalmente foi o trabalho final da disciplina Instituições Políticas brasileiras ministrada pelo Professor Jair Pinheiro
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