“A
mobilidade de renda entre gerações no Brasil é bastante baixa. Durante
os períodos de maior crescimento econômico os filhos de famílias mais
pobres conseguem até alcançar ocupações melhores do que seus pais
(mobilidade ocupacional), mas dificilmente conseguem ascender à elite. E
os filhos nascidos em famílias ricas dificilmente acabam pobres, mesmo
que não se esforcem muito durante a vida. Porque recebem a herança dos
pais. Esse é o ponto principal de Piketty: a desigualdade por herança e
não por mérito”, escreve Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de
Políticas Públicas do Insper e professor associado da FEA-USP, em
artigo publicado pelo jornal Valor, no último dia 16.
Segundo ele, “enquanto o Brasil
arrecada somente 2% do PIB com impostos diretos sobre as pessoas
físicas, os EUA arrecadam 8%. Nossa alíquota mais alta de imposto de
renda para pessoas físicas é de 27,5%, comparada com 40% nos EUA e 50%
na França. Nós compensamos essa diferença com impostos indiretos, que
são mais regressivos”.
Eis o artigo.
Em 1970 o Brasil estava sob uma
ditadura militar, somente 63% das crianças entre 7 e 14 anos
frequentavam a escola, não havia programas de transferência de renda,
68% dos brasileiros eram pobres e a parcela da renda apropriada pelos
10% no topo da distribuição era de 48%. Já em 2010, o Brasil era uma
democracia estável, 98% das crianças frequentavam a escola, o programa
Bolsa-Família alcançava 11 milhões de famílias, a porcentagem de pobres
havia se reduzido para 10%, mas a parcela da renda apropriada pelos 10%
com maiores rendimentos continuava em torno de 50%. Por que será que,
apesar de tantos avanços sociais que a sociedade brasileira alcançou nos
últimos 40 anos, a concentração da renda nas mãos de uma pequena
parcela de famílias não diminuiu?
O livro recente de Thomas
Piketty tem provocado grande alvoroço nos Estados Unidos ao chamar a
atenção para o ressurgimento da desigualdade no mundo. Por meio de dados
históricos de distribuição de capital, o autor mostra que em 1800 as
famílias mais ricas detinham 80% de todo o estoque de capital tanto na
França como na Inglaterra. Essa parcela declinou para 60% em meados do
século XX e atualmente está por volta de 65% na França e 70% na
Inglaterra. Nos EUA, essa parcela era de 60% em 1800 e agora é de 70%,
ultrapassando a Europa. Apesar de a pobreza ser um mal maior, a
desigualdade também afeta as pessoas, pois pesquisas mostram que a
felicidade também depende da sua posição relativa na sociedade.
Como é a situação no Brasil?
Infelizmente, não temos dados
sobre a distribuição do capital por aqui, mas dados da revista Forbes
sugerem que a nossa realidade seja parecida com a dos EUA. Com relação à
distribuição de renda, a situação do Brasil sempre foi triste. A
parcela apropriada pelos 10% mais ricos, com renda familiar acima de R$
4.500 em 2010 (dados declarados ao censo demográfico), era de 40% em
1960, aumentou para 48% em 1970 e continua nesse patamar até hoje. Nos
EUA, a parcela apropriada pelos 10% no topo era de 40% em 1900, caiu
para 34% em 1970, mas agora está em 47%, alcançando o Brasil.
Da mesma forma, a parcela da
renda dos 1% que estão no topo da distribuição americana declinou de 20%
em 1910 para 10% em 1970, mas agora voltou para 25%. No Brasil, a
parcela apropriada por esse segmento (com renda acima de R$ 17 mil) era
de 12% em 1960, passou para 15% em 1970 e agora está por volta de 18%,
ou seja, cresce sem parar. Além disso, os 0,1% mais ricos (com renda
acima de R$ 46 mil) ficam com 6% da renda gerada no Brasil. Na cidade de
São Paulo, as 4.500 famílias que estão entre as 0,1% com maior renda
familiar na cidade (acima de R$ 120 mil) auferem 8% da renda gerada.
Por que a concentração da renda
é tão grande no Brasil? Parte da explicação está na grande desigualdade
educacional que existe por aqui. No Brasil, as pessoas mais ricas
casam-se entre si e colocam seus filhos em escolas privadas de maior
qualidade e com isso conseguem ter acesso às melhores universidades,
geralmente públicas e gratuitas, que também servem como sinalizador
importante para o mercado de trabalho.
O maior acesso à educação nos
últimos 20 anos, assim como os programas de transferências de renda e o
mercado de trabalho beneficiaram os mais pobres e provocaram uma redução
efetiva na pobreza e no índice de Gini. Mas não diminuíram a parcela da
renda apropriada pelos mais ricos. Isso aconteceu porque, embora os
diferenciais de salário associados ao ensino médio tenham declinado,
assim como os salários associados às carreiras universitárias mais
populares, os diferenciais salariais associados às melhores carreiras
(medicina, engenharia e arquitetura) aumentaram entre 2000 e 2010, ao
passo que o número de matrículas nessas áreas pouco cresceu. Além disso,
os diferenciais de salário associados à pós-graduação também
aumentaram.
Assim, a mobilidade de renda
entre gerações no Brasil é bastante baixa. Durante os períodos de maior
crescimento econômico os filhos de famílias mais pobres conseguem até
alcançar ocupações melhores do que seus pais (mobilidade ocupacional),
mas dificilmente conseguem ascender à elite. E os filhos nascidos em
famílias ricas dificilmente acabam pobres, mesmo que não se esforcem
muito durante a vida. Porque recebem a herança dos pais. Esse é o ponto
principal de Piketty: a desigualdade por herança e não por mérito.
Além disso, nossa estrutura de
impostos e subsídios contribui para manter a concentração de renda. Os
benefícios fiscais atingiram R$ 215 bilhões em 2012, dinheiro que o
governo deixa de arrecadar e que poderia ser usado com programas de
desenvolvimento infantil para os mais pobres. Por fim, enquanto o Brasil
arrecada somente 2% do PIB com impostos diretos sobre as pessoas
físicas, os EUA arrecadam 8%. Nossa alíquota mais alta de imposto de
renda para pessoas físicas é de 27,5%, comparada com 40% nos EUA e 50%
na França. Nós compensamos essa diferença com impostos indiretos, que
são mais regressivos.
Em suma, a concentração de
renda sempre foi elevada no Brasil, mas recentemente os americanos estão
nos alcançando, o que tem despertado reações intensas por lá. O
principal caminho para reduzir a desigualdade no Brasil seria melhorar a
qualidade da educação nas escolas públicas e aumentar o ingresso nas
principais carreiras do ensino superior. Além disso, seria necessário
reformular o nosso sistema tributário, eliminando grande parte das
renuncias fiscais que beneficiam as empresas e os mais ricos e
substituindo parte da carga tributária obtida com impostos indiretos por
impostos diretos aplicados às pessoas e às empresas.
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