da Carta Maior
Flávio Aguiar
O FT havia previsto, de modo peremptório, de que Vladimir Putin,
nesta sua visita à China, sairia de mãos abanando, sem conseguir a
assinatura do acordo.
O editorial de hoje (quinta-feira, 22 de maio) do Financial Times
afirma que o acordo de 400 bilhões de dólares, prevendo o fornecimento
de 30 bilhões de metros cúbicos de gás anualmente, durante 30 anos, da
Rússia para a China, “sublinha a fraqueza” do primeiro parceiro desta
dupla.
Chega ao ponto de, ao final, dizer que a Rússia torna-se assim o
“junior partner” da China, como fornecedora da matérias primas, e que,
portanto, a situação é “humilhante” para o povo russo.
Entretanto, a assinatura deste acordo mostrou, no fundo, a
fragilidade de algumas análises que ora abundam no periódico britânico,
porta-voz oficioso da City londrina. Dias atrás, em sua coluna/blog a
múltiplas mãos, FT Alphaville, de comentários sobre os mercados mundiais
(mais precisamente na segunda-feira, 19 de maio) aparecera o vaticínio
peremptório de que Vladimir Putin, nesta sua visita à China, sairia de
mãos abanando, sem conseguir a assinatura do acordo, que já demorava dez
anos. O comentário era vigoroso; faltou no entanto combinar a profecia,
cheia de “wishful thinking” com os presidentes Vladimir Putin e Xi
Jinping.
O acordo abre uma nova era não só nas relações entre os dois países
– mais complicadas sob o comunismo e a Guerra Fria do que agora, no
triunfo do capitalismo – mas também nas relações dos dois com os Estados
Unidos. Se este país e a Europa brincam com fogo na questão ucraniana, a
Rússia também se mostra disposta a brincar – não invadindo a Ucrânia
(pelo menos até agora), ao contrário do que vaticinam todos os dias as
bruxas de Macbeth da mídia ocidental – mas anunciando manobras militares
conjuntas com a China perto das ilhas Senkaku, o arquipélago em disputa
entre esta e o Japão, que tem o apoio ostensivo dos Estados Unidos.
Há outros aspectos ainda a considerar nas bordas do acordo do gás –
entre a Gazprom russa e a CNPC chinesa. Haverá a construção de um
gasoduto de 4 mil quilômetros, por Vladivostok, em que a Rússia
investirá 55 bilhões de dólares e a China, 20. Este gasoduto poderá ser o
primeiro passo para novos acordos de fornecimento de gás russo para,
por exemplo, o Japão, Vietnã, e outros países da Ásia. Além disso,
outros analistas britânicos ressaltam que o próprio acordo com a China
poderá ser ampliado nas décadas vindouras.
O Financial Times insinua que a Rússia erra ao privilegiar a China
ao invés de seu diálogo com o Oeste e a Europa, porque, entre outras
coisas, o fornecimento de gás àquele país será apenas de 25% do que a
primeira fornece ao continente europeu, que continuará assim sendo o
principal parceiro da “estagnada” economia russa na questão do gás.
Entretanto, outros analistas na capital londrina e em outros países da
Europa já exalam o temor de que o acordo com os chineses venha a
encarecer ainda mais o fornecimento de gás para a combalida... economia
europeia, que depende entre 25% e 30% (os números variam de acordo com a
fonte) para seu consumo de energia da Gazprom.
Nisto tudo, manifesta-se uma constante que vem progredindo de modo
alarmante em toda a mídia europeia. Tradicionalmente, esta mídia se
mostrava sempre mais equilibrada e plural do que a nossa velha mídia
oligárquica brasileira e latino-americana de um modo geral. Entretanto
nos últimos tempos vem proliferando a contaminação daquela mídia por
práticas comuns da nossa.
Dois exemplos ilustram a contaminação
No caso da Ucrânia, o renascimento da Guerra Fria reativou um
padrão de editorializar matérias e comentários em cores maniqueístas,
demonizando a Rússia e Putin, e fazendo vista grossa para a presença dos
neofascistas nas hostes de Kiev. Ainda assim, continua a haver espaço
para relatos de repórteres in loco que vez por outra relativizam esta
simplória atitude editorial.
E há o caso do Brasil, onde as críticas se sucedem sem que haja
contraditório visível. Multiplicam-se os ataques ao Brasil, inclusive
por brasileiros que conseguem espaço nesta cada vez mais também “velha
mídia”europeia, como foi o caso recente de Paulo Coelho, Ney Matogrosso e
Luiz Ruffato. Foi coincidência, por certo, a saída da revista alemã Der
Spiegel, com a capa abstrusa onde uma bola de fogo cai sobre o Rio de
Janeiro, externando os vaticínios de que o circo irá pegar fogo no
Brasil (leia-se Rio de Janeiro) durante a Copa, no dia em que aconteceu
o ataque a pedradas contra a Embaixada do Brasil em Berlim. Foi
coincidência, mas sabemos que de coincidências o inferno está cheio,
porque elas são no mais das vezes significativas.
Não se trata de cercear críticas, mas de reivindicar o direito ao
contraditório com igual destaque, sobretudo no caso de reportagens. Ou
até mesmo de informações mais completas. No último dia em que houve
manifestações anti-Copa no Brasil, consideradas um fracasso pela própria
velha mídia anti-governo do Brasil, mais uma vez a torcida dos Gaviões
da Fiel foi convocada para “proteger o Itaquerão”, em São Paulo. Mas
isto não saiu aqui em lugar nenhum. A cobertura restringiu-se às
tradicionais cenas de coquetéis Molotov e ao “bate-bola” violento que
termina acontecendo com a polícia.
É pena. Para parte da velha mídia do Velho Continente, a bússola do bom jornalismo trincou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário