Eleição e a guerra suja na internet
Por Carlos Mercuri, na revista Fórum:
“A campanha eleitoral ainda não começou, mas o jogo sujo sim, organizado deliberadamente para desgastar as pré-candidaturas do PT e desqualificar as nossas lideranças, ao arrepio dos mais comezinhos princípios da convivência democrática.” A frase é do vice-presidente nacional do PT e coordenador das redes sociais do partido, Alberto Cantalice, em texto publicado na terça-feira (20) no site da legenda. O artigo faz um alerta sobre o que ele classificou como “gangsterismo digital” e convoca os cidadãos a denunciarem essa “prática canalha”.
O dirigente estava se referindo àquilo que, em anos eleitorais anteriores, começava a se insinuar, e que, agora, tende a se expandir exponencialmente: a batalha digital, uma verdadeira guerra virtual que visa interferir no processo eleitoral e no debate político, mas de maneira desqualificada e até aética.
Em 2012, por exemplo, a campanha à Prefeitura de Belo Horizonte contou com uma disputa nas redes. Paródias ironizando os dois principais postulantes – Marcio Lacerda (PSB) e Patrus Ananias (PT) – eram divulgadas no YouTube. Assista abaixo a um dos vídeos:
Na mesma semana da publicação do texto de Cantalice, o noticiário político abordava um fato que representa uma prévia do que pode ser a campanha este ano: a tentativa de cooptação do criador do perfil Dilma Bolada, Jeferson Monteiro. Segundo relato de Monteiro, um estudante de publicidade de 24 anos, em sua página no Facebook, pessoas ligadas ao PSDB teriam oferecido a ele R$ 500 mil para atuar em nome do partido.
O interlocutor de Monteiro, Pedro Guadalupe, em troca de mensagens que o criador do Dilma Bolada divulgou em seguida, deixa claro qual a intenção: “Aí o único ponto que temos de acertar, para darmos continuidade, é como iremos aproveitar o personagem para mudar opiniões… Esse é o pulo do gato. Se a gente descobrir isso, estamos bem.” (As mensagens de Monteiro foram reproduzidas no ‘Blog do Rovai’, leia aqui).
Ou seja, a ideia era aproveitar a popularidade que a personagem Dilma Bolada ganhou nas redes sociais para usá-la contra o partido e sua candidata à reeleição. O PSDB tem candidato à presidência. Recentemente, foi noticiado que o partido tucano contratou um “exército” de nove mil militantes virtuais com o objetivo de atuar em favor do candidato tucano, Aécio Neves, nas redes sociais.
Uma TV que revolta
Outra investida que aponta o nível que o clima no período eleitoral pode tomar é o crescimento espantoso da TV Revolta. Criada em 2010 pelo radialista João Vitor Almeida Lima, que se autointitula “João Revolta”, a TV Revolta conta com um canal no YouTube, um site e perfis no Facebook e no Twitter. De pouco tempo para cá, tornou-se um fenômeno na internet.
Em meio a posts inocentes de defesa dos animais e frases de autoajuda, os canais desfiam um discurso flagrantemente conservador e com ataques diretos à presidenta Dilma Rousseff, ao PT, a Lula e aos programas do partido. Em entrevista ao site YouPix em 20 de maio, João Revolta deixou clara sua intenção: “A página nunca apoiou nenhum partido, mas é evidente que estamos fazendo uma campanha contra o PT nesse momento, já que 99,9% do nosso público apoia e quer a derrota do PT nas próximas eleições. A insatisfação do povo faz com que tomemos essas ações.”
O site “Cômicas Políticas” publicou em 16 de maio texto em que aponta o crescimento do canal: entre 18 de março e 18 de abril, houve um crescimento moderado, de cerca de 100 mil entradas; no intervalo de 15 de abril a 13 de maio, no entanto, a página teve elevação de 1,5 milhão de fãs. Os dados foram obtidos na ferramenta Social.Bakers.com.
Estudo da Livre Cultura e da InterAgentes dissecou a repercussão dos posts da TV Revolta e detectou que as postagens com conteúdo anti-PT foram as que mais receberam curtidas, comentários e compartilhamentos. No período de novembro de 2013 a maio de 2014, entre as mensagens que tiveram mais de 10 mil compartilhamentos no período, os ataques da TV Revolta ao PT e ao governo federal foram os que obtiveram maior repercussão nas redes, mostra o levantamento.
O “Cômicas Políticas” aponta duas hipóteses para esse crescimento vertiginoso da TV Revolta: o uso de robôs – perfis falsos para inflar a audiência – ou publicidade paga. Em abril deste ano, o PT anunciou que estava estudando medidas judiciais contra o uso de robôs nas redes sociais para aumentar a popularidade. Sobre o incremento do canal via pagamento, a questão que se coloca é: a quem interessa impulsionar um site com conteúdo antigovernista? Quem está pagando?
O estudo da Livre Cultura e da InterAgentes revelou ainda fortes relações da TV Revolta com outros sites de conteúdos semelhantes, como Movimento Contra Corrupção, Juventude Contra Corrupção, GECCOR (Grupo de Estudos para Combate à Corrupção), Folha Política e Política na Rede. A constatação foi de que eles atuam de forma articulada, seja distribuindo os mesmos conteúdos, seja interagindo entre si, por meio de curtidas e compartilhamentos.
A força das redes
Em palestra sobre o papel da internet nas eleições deste ano, o ministro Henrique Neves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que “desconhecer o poder da internet é desconhecer o que ela representa”. Segundo ele, ninguém mais pode dizer que as redes sociais não têm força. A primeira eleição do presidente dos EUA, Barack Obama, em 2008, demonstrou a força das redes em um pleito político.
A capacidade de mobilização, devido à velocidade com que uma informação se espalha no mundo virtual, foi notável nas manifestações de junho do ano passado. Mas antes, nas eleições presidenciais de 2010, o então candidato José Serra (PSDB), em comício no bairro de Campo Grande, no Rio, é atingido por algum objeto na cabeça. Tentando faturar com o episódio, uma vez que enfrentara hostilidade de militantes petistas no evento, o tucano, minutos após o incidente, leva a mão à cabeça, simula dor e é levado a um hospital.
À noite, o Jornal Nacional, da Rede Globo, deu matéria de sete minutos dizendo que o candidato havia sido atingido por um objeto contundente. No ar, Serra fazia papel de vítima. Outro telejornal, o do SBT, contudo, desmonta a farsa, ao mostrar que o tucano havia sido “atacado” por uma inofensiva bolinha de papel, exibindo um vídeo gravado em um celular e que se espalhou na internet. Indignada, a Globo recorreu ao perito Ricardo Molina para avaliar o vídeo exibido pelo concorrente. Desmoralizado, o candidato chegou a ganhar a alcunha de Rojas, o goleiro chileno que simulou ferimento durante um jogo no Maracanã.
Houvesse internet na eleição presidencial de 1989, e a Rede Globo talvez não tivesse a audácia de exibir no mesmo Jornal Nacional uma edição do debate entre os então candidatos Fernando Collor de Mello e Lula, totalmente favorável ao primeiro. Ainda assim, os jornais e TVs comerciais não perdem a oportunidade de difundir versões pouco realistas de pronunciamentos da presidenta Dilma e de Lula.
A mais recente foi sobre uma fala de Lula em um encontro de blogueiros e ativistas digitais, em São Paulo. O ex-presidente analisava a cobertura que os meios de comunicação comerciais fazem sobre a Copa. Em dado momento, Lula diz que os brasileiros nunca tiveram problema para ir a pé aos estádios. “Vai a pé, descalço, de bicicleta, de jumento, de qualquer coisa. Mas o que a gente está preocupada é que tem que ter metrô, tem que ir até dentro do estádio? Que babaquice é essa?”.
Lula fazia uma crítica à excessiva concentração da mídia no Brasil e ao fato de esse tema ser tabu no Brasil. Mas a imprensa pinçou a expressão chula e a explorou em manchetes, como se o ex-presidente fosse contra a expansão do Metrô até os estádios.
Mobilização
As recomendações de Alberto Cantalice no começo do texto – para que os cidadãos denunciem práticas irresponsáveis nas redes – indicam o clima que o partido espera nos próximos meses. O PT de São Paulo promoveu em abril o Camping Digital, um evento que teve como objetivo capacitar a juventude no uso das redes sociais. Segundo o secretário de Comunicação do PT-SP, Aparecido Luiz da Silva, “queremos também fazer um bom debate político e este debate não vai acontecer na grande imprensa, que só deturpa as coisas”. Não é, ao que parece, a intenção de outros atores políticos no atual cenário.
A contrapartida às tentativas de desqualificar o debate é a mobilização, cuja força se fez sentir em diversas ocasiões. A aprovação do Marco Civil da Internet, por exemplo, se deu com ampla pressão por meio das redes sociais. Mobilização que também impediu que um projeto de lei bem mais restritivo, o proposto pelo então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), fosse levado adiante. Apelidado de AI-5 Digital, o projeto colocava em risco a liberdade na internet, ao tipificar como crime práticas comuns, como o compartilhamento de música, além de atentar contra a privacidade. A força das redes é algo que realmente não pode ser desprezado.
“A campanha eleitoral ainda não começou, mas o jogo sujo sim, organizado deliberadamente para desgastar as pré-candidaturas do PT e desqualificar as nossas lideranças, ao arrepio dos mais comezinhos princípios da convivência democrática.” A frase é do vice-presidente nacional do PT e coordenador das redes sociais do partido, Alberto Cantalice, em texto publicado na terça-feira (20) no site da legenda. O artigo faz um alerta sobre o que ele classificou como “gangsterismo digital” e convoca os cidadãos a denunciarem essa “prática canalha”.
O dirigente estava se referindo àquilo que, em anos eleitorais anteriores, começava a se insinuar, e que, agora, tende a se expandir exponencialmente: a batalha digital, uma verdadeira guerra virtual que visa interferir no processo eleitoral e no debate político, mas de maneira desqualificada e até aética.
Em 2012, por exemplo, a campanha à Prefeitura de Belo Horizonte contou com uma disputa nas redes. Paródias ironizando os dois principais postulantes – Marcio Lacerda (PSB) e Patrus Ananias (PT) – eram divulgadas no YouTube. Assista abaixo a um dos vídeos:
Na mesma semana da publicação do texto de Cantalice, o noticiário político abordava um fato que representa uma prévia do que pode ser a campanha este ano: a tentativa de cooptação do criador do perfil Dilma Bolada, Jeferson Monteiro. Segundo relato de Monteiro, um estudante de publicidade de 24 anos, em sua página no Facebook, pessoas ligadas ao PSDB teriam oferecido a ele R$ 500 mil para atuar em nome do partido.
O interlocutor de Monteiro, Pedro Guadalupe, em troca de mensagens que o criador do Dilma Bolada divulgou em seguida, deixa claro qual a intenção: “Aí o único ponto que temos de acertar, para darmos continuidade, é como iremos aproveitar o personagem para mudar opiniões… Esse é o pulo do gato. Se a gente descobrir isso, estamos bem.” (As mensagens de Monteiro foram reproduzidas no ‘Blog do Rovai’, leia aqui).
Ou seja, a ideia era aproveitar a popularidade que a personagem Dilma Bolada ganhou nas redes sociais para usá-la contra o partido e sua candidata à reeleição. O PSDB tem candidato à presidência. Recentemente, foi noticiado que o partido tucano contratou um “exército” de nove mil militantes virtuais com o objetivo de atuar em favor do candidato tucano, Aécio Neves, nas redes sociais.
Uma TV que revolta
Outra investida que aponta o nível que o clima no período eleitoral pode tomar é o crescimento espantoso da TV Revolta. Criada em 2010 pelo radialista João Vitor Almeida Lima, que se autointitula “João Revolta”, a TV Revolta conta com um canal no YouTube, um site e perfis no Facebook e no Twitter. De pouco tempo para cá, tornou-se um fenômeno na internet.
Em meio a posts inocentes de defesa dos animais e frases de autoajuda, os canais desfiam um discurso flagrantemente conservador e com ataques diretos à presidenta Dilma Rousseff, ao PT, a Lula e aos programas do partido. Em entrevista ao site YouPix em 20 de maio, João Revolta deixou clara sua intenção: “A página nunca apoiou nenhum partido, mas é evidente que estamos fazendo uma campanha contra o PT nesse momento, já que 99,9% do nosso público apoia e quer a derrota do PT nas próximas eleições. A insatisfação do povo faz com que tomemos essas ações.”
O site “Cômicas Políticas” publicou em 16 de maio texto em que aponta o crescimento do canal: entre 18 de março e 18 de abril, houve um crescimento moderado, de cerca de 100 mil entradas; no intervalo de 15 de abril a 13 de maio, no entanto, a página teve elevação de 1,5 milhão de fãs. Os dados foram obtidos na ferramenta Social.Bakers.com.
Estudo da Livre Cultura e da InterAgentes dissecou a repercussão dos posts da TV Revolta e detectou que as postagens com conteúdo anti-PT foram as que mais receberam curtidas, comentários e compartilhamentos. No período de novembro de 2013 a maio de 2014, entre as mensagens que tiveram mais de 10 mil compartilhamentos no período, os ataques da TV Revolta ao PT e ao governo federal foram os que obtiveram maior repercussão nas redes, mostra o levantamento.
O “Cômicas Políticas” aponta duas hipóteses para esse crescimento vertiginoso da TV Revolta: o uso de robôs – perfis falsos para inflar a audiência – ou publicidade paga. Em abril deste ano, o PT anunciou que estava estudando medidas judiciais contra o uso de robôs nas redes sociais para aumentar a popularidade. Sobre o incremento do canal via pagamento, a questão que se coloca é: a quem interessa impulsionar um site com conteúdo antigovernista? Quem está pagando?
O estudo da Livre Cultura e da InterAgentes revelou ainda fortes relações da TV Revolta com outros sites de conteúdos semelhantes, como Movimento Contra Corrupção, Juventude Contra Corrupção, GECCOR (Grupo de Estudos para Combate à Corrupção), Folha Política e Política na Rede. A constatação foi de que eles atuam de forma articulada, seja distribuindo os mesmos conteúdos, seja interagindo entre si, por meio de curtidas e compartilhamentos.
A força das redes
Em palestra sobre o papel da internet nas eleições deste ano, o ministro Henrique Neves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que “desconhecer o poder da internet é desconhecer o que ela representa”. Segundo ele, ninguém mais pode dizer que as redes sociais não têm força. A primeira eleição do presidente dos EUA, Barack Obama, em 2008, demonstrou a força das redes em um pleito político.
A capacidade de mobilização, devido à velocidade com que uma informação se espalha no mundo virtual, foi notável nas manifestações de junho do ano passado. Mas antes, nas eleições presidenciais de 2010, o então candidato José Serra (PSDB), em comício no bairro de Campo Grande, no Rio, é atingido por algum objeto na cabeça. Tentando faturar com o episódio, uma vez que enfrentara hostilidade de militantes petistas no evento, o tucano, minutos após o incidente, leva a mão à cabeça, simula dor e é levado a um hospital.
À noite, o Jornal Nacional, da Rede Globo, deu matéria de sete minutos dizendo que o candidato havia sido atingido por um objeto contundente. No ar, Serra fazia papel de vítima. Outro telejornal, o do SBT, contudo, desmonta a farsa, ao mostrar que o tucano havia sido “atacado” por uma inofensiva bolinha de papel, exibindo um vídeo gravado em um celular e que se espalhou na internet. Indignada, a Globo recorreu ao perito Ricardo Molina para avaliar o vídeo exibido pelo concorrente. Desmoralizado, o candidato chegou a ganhar a alcunha de Rojas, o goleiro chileno que simulou ferimento durante um jogo no Maracanã.
Houvesse internet na eleição presidencial de 1989, e a Rede Globo talvez não tivesse a audácia de exibir no mesmo Jornal Nacional uma edição do debate entre os então candidatos Fernando Collor de Mello e Lula, totalmente favorável ao primeiro. Ainda assim, os jornais e TVs comerciais não perdem a oportunidade de difundir versões pouco realistas de pronunciamentos da presidenta Dilma e de Lula.
A mais recente foi sobre uma fala de Lula em um encontro de blogueiros e ativistas digitais, em São Paulo. O ex-presidente analisava a cobertura que os meios de comunicação comerciais fazem sobre a Copa. Em dado momento, Lula diz que os brasileiros nunca tiveram problema para ir a pé aos estádios. “Vai a pé, descalço, de bicicleta, de jumento, de qualquer coisa. Mas o que a gente está preocupada é que tem que ter metrô, tem que ir até dentro do estádio? Que babaquice é essa?”.
Lula fazia uma crítica à excessiva concentração da mídia no Brasil e ao fato de esse tema ser tabu no Brasil. Mas a imprensa pinçou a expressão chula e a explorou em manchetes, como se o ex-presidente fosse contra a expansão do Metrô até os estádios.
Mobilização
As recomendações de Alberto Cantalice no começo do texto – para que os cidadãos denunciem práticas irresponsáveis nas redes – indicam o clima que o partido espera nos próximos meses. O PT de São Paulo promoveu em abril o Camping Digital, um evento que teve como objetivo capacitar a juventude no uso das redes sociais. Segundo o secretário de Comunicação do PT-SP, Aparecido Luiz da Silva, “queremos também fazer um bom debate político e este debate não vai acontecer na grande imprensa, que só deturpa as coisas”. Não é, ao que parece, a intenção de outros atores políticos no atual cenário.
A contrapartida às tentativas de desqualificar o debate é a mobilização, cuja força se fez sentir em diversas ocasiões. A aprovação do Marco Civil da Internet, por exemplo, se deu com ampla pressão por meio das redes sociais. Mobilização que também impediu que um projeto de lei bem mais restritivo, o proposto pelo então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), fosse levado adiante. Apelidado de AI-5 Digital, o projeto colocava em risco a liberdade na internet, ao tipificar como crime práticas comuns, como o compartilhamento de música, além de atentar contra a privacidade. A força das redes é algo que realmente não pode ser desprezado.
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