terça-feira, 20 de maio de 2014

POLÍTICA - O governo Dilma está sitiado.

O Governo Dilma está sitiado

Wanderley Guilherme dos Santos, CartaCapital
'O governo Dilma Rousseff está sob peculiar sítio econômico e político. Peculiar porque não resulta de ações coordenadas e impostas por documento público, mas da convergência de decisões privadas. Peculiar, igualmente, tem sido a reação governamental, ou antes, a passividade com que assiste à reiteração dos movimentos sitiantes. Cochicha-se que a presidenta confia no poder persuasório de sua administração, a ser comprovado pelos resultados de pesquisas pós- propaganda televisiva. Com certeza seria, caso o sítio nascesse em berço de ignorância e não em interesses ilustrados. O platonismo político em que a verdade comanda a virtude não se aplica ao momento nacional, exasperado pelas novidadeiras convocatórias às manifestações sem lideranças responsáveis.

A expansão do mercado de trabalho depende da taxa de investimento da economia e, esta, cabe ao empresariado privado proporcionar. Como se sabe, os industriais se mostram presas de paralisia decisória, insensíveis aos incentivos de toda ordem que o governo lhes acena. Segundo a interpretação corrente, trata-se de intensa aversão ao risco, causada por suposta insegurança jurídica, embora se leia diariamente que o governo reconsidera contratos sempre conciliando em favor dos investidores privados. O fluxo de recursos externos é um nervo exposto nessa matéria e nada indica que tenha estancado ou sofrido redução extraordinária. A charada pode ser outra.

Ainda que a taxa de retorno sobre o capital investido seja superior à taxa de crescimento econômico em alguns setores, nem por isso o empresariado brasileiro está satisfeito com o crescimento da participação da renda média do trabalho, especialmente neste período de modesta expansão da economia. De acordo com o dernier cri europeu, o volumoso O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty, é em períodos de morno desempenho que o capital consegue obter retornos superiores à taxa média de expansão da economia (sendo outro bônus a redução do crescimento populacional), que é o que dá dinamismo à subseqüente concentração de renda. No Brasil, depois do período de elevadas taxas de crescimento (governos Lula) em que cresceu a participação do trabalho na renda nacional, é plausível que os proprietários esperassem se apropriar, como no passado, de fatias maiores da renda. Redução das taxas de crescimento econômico e populacional tem sido o azeite do mecanismo de concentração da renda. Quer dizer, na ausência de políticas sociais re-distributivas.

E eis que o governo Dilma Rousseff, enfrentando as dificuldades da crise global, mais do que preservar as políticas de seu antecessor, criou novos programas de redistribuição. Com isso, a participação do trabalho na renda nacional continuou aumentando, enquanto a diferença entre a população mais pobre e o 1% mais rico da população prossegue na extraordinária queda inaugurada durante os governos Lula da Silva.  Em estudo para o IPEA (publicado em agosto de 2011), Marcio Pochman encontrou que, entre 1960 e 1970, a renda média per capita do país cresceu à taxa de 4,6% ao ano, mas a participação do rendimento do trabalho na renda nacional caiu 11,7% entre um ano e outro. Durante o período da retração dos 80 e dos governos de Fernando Henrique Cardoso, entre 1981 e 2003, o crescimento da renda média per capita brasileira não ultrapassou pífios 0,2% ao ano e, pior ainda, a participação do trabalho na renda nacional desmoronou 23%. De 2004 a 2010, ao contrário, a média da renda per capita aumentou em 3,3% ao ano e a participação do trabalho na renda nacional cresceu 14,8%. Os empresários esperavam outra coisa.

Não houve martírio empresarial em todo o período. Mas apenas razoável e não-inflacionária taxa de lucro marginal, além de apetitosa taxa de juro no mercado financeiro, ilumina as razões da chamada aversão ao risco dos empreendedores. Explicam também porque os editais de concorrência de investimentos estatais se vêm repetidamente pressionados por demandas de maiores recompensas ao investimento. É o sítio em funcionamento.

A estratégia de vencer as eleições privilegiando de forma extremada a propaganda televisiva impôs pesado ônus político à administração atual: o de aceitar indicações e alterações em políticas de governo, embora não as sociais, em troca de tempo de televisão. Cada meia dúzia de votos na Câmara não vale muito em meio aos 513 deputados e nem sempre votam, como combinado, com o governo. Tudo é relevado diante dos dois segundos a mais de televisão apropriados pelo governo para uso futuro na campanha presidencial. O lado malicioso dessa acumulação (que Piketty chamaria de “a acumulação infinita” de Marx) consiste na redução do tempo disponível aos demais candidatos. Tempo de televisão é recurso escasso e obriga a um jogo de soma zero: o que um candidato ganha os outros perdem. Ao contrário da economia em que todos podem ganhar, embora uns mais do que outros – ganhava mais o lado do capital até a Era Lula, quando se iniciaram os ganhos maiores do trabalho – o tempo de televisão é dolorosamente finito e inferior às demandas dos candidatos. No tempo de televisão está a chave do sítio político que os partidos sustentam face ao governo.

O custo do acordo tem ocasionado embaraços de comportamento à administração Dilma Rousseff. Programas de investimento e execução ficam aquém do esperado, e nisso cabe responsabilidade também aos órgãos de fiscalização do governo constituídos por apontamento partidário. Não é por serem partidárias que as nomeações são indevidas, mas porque o retorno crucial se conta em segundos de televisão, não em trabalho profícuo. Por isso os partidos sitiam o governo e por isso se esclarece a submissão dos sitiados.

Durante o período efervescente que se aproxima, com Copa e outros eventos midiaticamente controversos, parte importante da qualidade da segurança, do transporte e dos serviços dependerá de governos estaduais e municipais. Espera-se que a oposição não aproveite as oportunidades para a acumulação de notoriedade, via violência, à falta tempo de televisão."

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