A extrema direita e a eurofobia ameaçam o projeto europeu
Desde 2013, a hostilidade contra a ortodoxia de Bruxelas e as políticas aplicadas em seu nome deu lugar a um transtorno profundo das geometrias eleitorais.
Eduardo Febbro
Paris - Fronteiras, imigração, eurofobia, partidos socialdemocratas em plena mudança liberal, crescimento da extrema-direita, ressurreição da extrema-esquerda, medos e rejeição às orientações da Comissão Europeia: as eleições europeias que serão realizadas de 22 a 25 de maio estão cercadas por uma aura de muitas incertezas. Na França, uma pesquisa publicada na primeira semana de maio oferece um testemunho cifrado da desconfiança que se instaurou entre os cidadãos e o projeto da comunidade europeia. Apenas 51% dos franceses são favoráveis a que a França pertença a União Europeia. Há dez anos, esse percentual era de 67%. Em termos de correntes políticas, os defensores do euro estão no Partido Socialista, no centrista Modem e na UMP, de direita. Em troca, os adversários do euro estão, em sua maioria, localizados na extrema-esquerda e na extrema-direita da Frente Nacional.
Cerca de 80% dos eleitores da extrema-direita consideram algo ruim a presença da França na União Europeia. Desde meados de 2013, a hostilidade contra a ortodoxia liberal de Bruxelas e as políticas aplicadas em seu nome deu lugar a um transtorno profundo das geometrias eleitorais. A Europa vai às urnas com dois adversários do projeto comunitário: um, identificado há décadas, as extremas direitas; outro, mais recente: os contra as políticas de austeridade. Entre eles, apareceu um novo ator, a extrema esquerda. As pesquisas apontam que as extremas esquerdas, impulsionadas pelo dirigente grego Alexis Tsipras, poderiam superar os ecologistas no Parlamento Europeu.
Mas é a marcha inexorável dos “anti-Europa” agrupados sob os símbolos e o discurso da extrema-direita o que, hoje, constitui um dos dados mais preocupantes. Na Alemanha, o partido anti-euro AFD, Alternativa para a Alemanha, vem apresentando um avanço notável há vários meses, do mesmo modo que a extrema-direita austríaca do FPO, Partido pela Liberade, os eurofóbicos do britânico Nigel Farage, os ultra húngaros do Jobbik ou as extremas direitas escandinavas.
Assim como ocorre na França com a extrema direita da Frente Nacional, o partido de Farage, o UKIP, lidera as pesquisas de intenções de voto para as eleições europeias. Em 2014 foram se somando novos ingredientes ao coquetel de eleitores que até então caracterizavam a eleição europeia: ao tradicional voto anti-imigração ou anti-Bruxelas, se somou uma nova categoria de eleitores que fez crescer a onda dos euro-céticos: os anti-Alemanha e anti-Troika (Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão de Bruxelas).
A cadência repetida de planos de austeridade ditados pelos imperativos orçamentários da Comissão Europeia aumentou a oposição ao projeto de construção europeia tal como está colocado hoje, ou seja, em termos liberais e anti-sociais. A pesquisa realizada na França é decisiva para entender os sentimentos temerosos que desperta agora o que, há apenas uma década, era um sonho: 70% dos entrevistados dizem ter medo das consequências econômicas e sociais resultantes do projeto europeu; 63% temem que se sacrifique a proteção social em nome da Europa; 60% têm medo que Europa signifique mais imigração e 52% que a identidade nacional se dilua.
Um dado eleitoral funciona também como ponte entre o alto percentual de eurocéticos e a desconfiança que inspira a Comissão Europeia: durante as eleições municipais realizadas em Portugal em setembro de 2013, o PSD, o partido do governo de centro-direita que executou um dos planos de austeridade mais fortes que o Velho Continente já conheceu, foi castigado duramente nas urnas em benefício da oposição socialista. Na França, após dois anos no poder e de uma série de ajustes de corte liberal, o PS sofreu também uma das piores derrotas de sua história nas eleições municipais de abril. Em resumo, cada partido cujo programa é associado às políticas neoliberais ou aos programas de austeridade teleguiados desde Berlim ou Bruxelas acaba pagando o tributo nas urnas.
Há uma espécie de dupla rebelião: uma, a de dois já conhecidos movimentos de extrema-direita e suas plataformas neo-nacionalistas que promovem a saída do euro e a restauração das fronteiras; a outra a os indignados contra a austeridade.
A Europa é, em seu conjunto, uma espécie de caixa onde se expiam todos os males e as responsabilidades locais. Todo muno bate na velha Europa: os ultras da direita, a esquerda da esquerda, a direita e, em menor medida, a socialdemocracia. A Europa é culpada de quase tudo. Alain Lamassoure, eurodeputado francês do Partido Popular Europeu (direita), esmiúça com acerto essa contradição: “desde a crise da dívida, os países do Sul estão persuadidos de que Berlim é culpada pelo que ocorre, enquanto que os países do Norte avaliam que Bruxelas é culpada deles terem que dar dinheiro aos países do Sul”.
O projeto europeu parece assim estagnado, sem outra cabeça além da das políticas liberais. Christophe Barbier, diretor de redação do semanário de direita liberal L’Express registra: “A União está com a cabeça podre. E se não tem nem estratégia monetária, nem ambição industrial, nem programa social, nem harmonização orçamentária, nem eficácia diplomática, nem existência militar, nem sonho cultural, nem projeto educativo, isso se deve a que sua governabilidade é ruim, a que os tratados (europeus) inventaram uma aberração: o poder impotente”.
Quase todo o discurso que circula é escatológico. É preciso reconhecer que não falta razão para isso. O grande projeto cultural, o grande sonho, ficou sepultado sob a mecânica da união monetária (o euro), os ditames do Banco Central Europeu e a medicina maior que consiste no controle dos déficits públicos (máximo 3% do PIB) em detrimento de um projeto social. Ninguém propõe outra alternativa, a não ser a de um medo duplo: o medo daqueles que promovem a Europa como uma ameaça, e o medo daqueles que argumentam que, sem Europa, não há outra coisa além do abismo. Em uma coluna publicada pelo Le Monde, o presidente francês, François Hollande, escreveu: “sair da Europa é sair da História”. Para o chefe de Estado, abandonar o euro equivale a “cair na armadilha da decadência nacional”. Outra vez o medo. Anni Podimata, vice-presidente do Parlamento Europeu (partido grego Pasok) reconhece que “o projeto europeu se encontra ante um grande perigo. O sentimento anti-europeu se agrava cada vez mais”.
Na realidade, a verdade é mais complexa e ambígua. Mais que sentimento, há queixas reais. Em grande medida, os cidadãos reprovam o fato de a autoridade europeia se preocupar mais com os bancos do que com eles, assim como de se deixar envolver por uma interminável tecnocracia ou estar submetida aos grupos de pressão. Como demonstram as sucessivas pesquisas feitas regularmente em escala continental, o ideal europeu não morreu, mas não há confiança naqueles que detêm hoje as rédeas do destino da Europa. Existe, de fato, a suspeita de que uma espécie de tecno-oligarquia europeia opera contra as democracias que compõem a União e, por conseguinte, contra os povos. No entanto, o exercício eleitoral é altamente democrático e paradoxal. Cerca de 380 milhões de pessoas elegem um Parlamento cujos poderes foram reforçados com o passar os anos. Eleger, quer dizer, também elegem uma enorme contradição: uma pesquisa de opinião encomendada pelo Parlamento Europeu à organização independente Vote Watch Europe mostra que são os partidos eurocéticos ou eurofóbicos que se manifestam radicalmente contra fazer parte da UE que serão os grandes vencedores da eleição europeia.
Os eleitores identificam o oficialismo comunitário como o responsável pela estagnação, ou seja, a direita do Partido Popular europeu, os socialdemocratas e os liberais. Se estas previsões se cumprirem, o perigo que se corre é importante. Em caso de as extremas direitas e dos eurofóbicos confirmarem nas urnas os percentuais das pesquisas haverá enormes dificuldades para se avançar nas políticas comuns. A extrema-direita europeia pode duplicar seu número de deputados. Com 150 eurodeputados, estaria em condições de derrubar qualquer projeto de integração.
Imigração, nacionalismo, críticas massivas ao modelo a União e de sua gestão presidem uma eleição que poderia incrementar o poder daqueles que sonham em restaurar muitas das heranças sombrias do passado.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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