22% dos partidos do Brasil dizem ser socialistas ou comunistas
POR SÉRGIO RODAS OLIVEIRA
Dos 32 partidos políticos existentes no Brasil, sete se denominam
socialistas ou comunistas, o equivalente a 22% do total de agremiações
registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A classificação é
feita ou pelo nome ou pelo programa do partido. São eles: Partido
Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido
da Causa Operária (PCO), Partido Popular Socialista (PPS), Partido
Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).
Na opinião do cientista político e pesquisador do Centro de
Política e Economia do Setor Público (Cepesp) Sergio Praça, os partidos
socialistas e comunistas podem ser divididos em dois grupos. O primeiro
deles é o dos que, na verdade, não defendem essa forma de organização da
sociedade, composto por PSB e PPS.
“O PSB e o PPS querem coisas muito diferentes do que o nome deles
indica. Nenhum desses dois partidos quer implementar o socialismo no
Brasil. O Eduardo Campos [pré-candidato do PSB à Presidência da
República] não tem nada de socialista. Ele não defende o sistema
socialista ou a organização socialista do mundo. O PPS não tem nada de
popular e nada de socialista”, analisa Praça.
De acordo com o professor de filosofia da USP Vladimir Safatle,
filiado ao PSOL, para PSB e PPS, o rótulo de “socialista” é
“simplesmente um significante vazio”. Na visão de Safatle, a distância
entre os ideais pregados por tais partidos e as ações realizadas por
seus membros é natural à inserção dessas siglas nas estruturas de poder.
“São partidos que têm uma trajetória inicial de um pertencimento
mais à esquerda, mas, devido à maneira como eles vão absorvendo
experiência de governo, eles vão se deslocando, de maneira muitas vezes
brutal. (…) E o nome começa a causar incômodo”, afirma o filósofo.
Como exemplos dessa transição ideológica, Safatle cita dois casos. O
primeiro é o do Partido Socialista da França, que recebeu um pedido de
mudança de denominação do atual primeiro-ministro do país, Manuel Valls,
para poder defender abertamente o capitalismo e a livre concorrência. O
segundo é o do Partido Trabalhista britânico, do qual Tony Blair,
ex-primeiro ministro do Reino Unido que mudou toda a orientação, mas
disse que não iria alterar seu nome.
Já o segundo grupo engloba as agremiações que acreditam nas causas
socialista e comunista. São partidos históricos, como PCB e PCdoB, ou
dissidências de extrema esquerda do PT, como PCO, PSOL e PSTU.
Programas de partido
No começo de maio, o programa de partido do PSB virou assunto na
imprensa e nas redes sociais. O documento defende a socialização dos
meios de produção, a nacionalização do crédito e o monopólio do comércio
do exterior pelo Estado, dentre outras medidas.
Esses trechos viraram alvos de ataque ao partido nas redes sociais,
gerando discussão interna sobre a conveniência de alterá-los.
Para os críticos, os ideais do PSB não condizem com as propostas
que Eduardo Campos vem apresentando para um eventual governo dele, como
incentivos ao mercado e rígido controle da inflação. Segundo Vladimir
Safatle, as ideias de Campos para a economia se enquadram no campo da
direita.
“De socialista, o programa do Eduardo Campos não tem absolutamente
nada. Muito pelo contrário: ele consegue ser um programa mais liberal,
mais conservador do ponto de vista econômico, que o programa da Dilma.
Ele está à direita da Dilma, se colocando muito mais próximo do
candidato do PSDB [o senador Aécio Neves]”, ataca o filósofo.
Roberto Amaral, um dos refundadores do PSB (a ditadura militar, por
meio do Ato Institucional nº II, de 1965, baniu todos os partidos
políticos, com exceção do governista ARENA e do oposicionista MDB) e
atual vice-presidente da sigla, discorda das críticas. De acordo com
ele, é preciso diferenciar programa de partido de programa de governo.
“O que o PSB fará no governo Eduardo Campos está na sua
administração em Pernambuco (e nas distintas administrações do PSB) e no
seu Programa de Governo, em elaboração. O programa do Partido visa a
uma sociedade socialista, o que, evidentemente, não é o caso. Mas é
óbvio que avançaremos na reforma agrária (descuidada pelo atual
governo); rediscutiremos o imposto de renda para que ele incida mais
sobre o capital do que, como presentemente, sobre os salários. E
pretendemos discutir o projeto do [então] senador Fernando Henrique
Cardoso que tributa as grandes fortunas [NR: o projeto foi apresentado em 1989, aprovado pelo Senado e ainda aguarda votação da Câmara dos Deputados]”, explica Amaral.
Devido à polêmica com relação ao manifesto do PSB, surgiu a
questão: que papel um programa exerce para um partido político? A
agremiação deve vincular as ações dela aos seus princípios? Para Sergio
Praça, é desejável que sim.
“O programa é uma maneira de a população entender o que o partido
quer. Então, o programa do PSDB nos anos 90, na época do governo FHC,
indicava coisas concretas sobre o que eles queriam. O programa de
governo do Lula em 2002 também indicava coisas concretas que foram
feitas. É importante ter essa sinalização do partido antes da eleição:
‘olha, a gente vai fazer isso aqui, já estamos avisando’”, avalia o
cientista político.
Mesmo fazendo a ressalva de que nada na política é estático,
Vladimir Safatle tem opinião semelhante à de Praça. Ele afirma que, se
um partido mudar o entendimento sobre algum ponto, ele deve alterar o
seu manifesto, de modo a permanecer coerente. “Não dá é pra você
transformar o seu programa numa piada, ‘está aqui, não está, é a mesma
coisa, não faz diferença’”, diz o filósofo.
Embora as medidas do programa político do PSB possam representar
uma grande ruptura com relação ao sistema atual, elas são, na realidade,
moderadas quando comparadas às dos outros partidos socialistas e
comunistas. O manifesto da agremiação reconhece as conquistas
democrático-liberais e determina que a socialização dos meios de
produção e distribuição somente se efetivará se for aprovada por
parlamento democraticamente constituído, e executada pelos órgãos
administrativos eleitos em cada empresa.
Já as propostas de PCB, PCdoB, PCO, PSOL e PSTU são radicais. Todos
esses partidos argumentam que a igualdade entre as pessoas é impossível
de existir no capitalismo. Alguns deles (como PCB e PSOL) defendem que o
único meio de derrubar o sistema capitalista é via revolução, de acordo
com o modelo clássico da teoria marxista-leninista. Outros (como PCdoB,
PCO e PSTU) defendem um governo dos trabalhadores, independentemente da
forma como cheguem ao poder.
Em comum aos ideais das cinco agremiações está a socialização dos
meios de produção, a defesa de direitos trabalhistas, a reforma agrária e
a prestação de serviços públicos – como educação, saúde e transporte –
de qualidade.
Dentre as propostas específicas, constam planos como reduzir a
jornada de trabalho (PCB), reformar o setor de comunicações (PCdoB),
acabar com todos os impostos sobre o consumo, instituindo tributação
apenas sobre o capital (PCO), estabelecer um parlamento unicameral, com
mandatos revogáveis de seus representantes (PSOL) e instituir o salário
mínimo do calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (Dieese) – o qual, em 2014, é de R$ R$ 3.019,07,
contra R$ 724,00 do oficial (PSTU).
O manifesto do PPS, ao contrário do dos demais partidos citados
nesta reportagem, não lista medidas específicas a serem tomadas pela
agremiação. O documento somente afirma que a sigla é socialista, e visa a
acabar com a injusta distribuição de renda e erradicar a miséria.
Direita e esquerda no Brasil
De acordo com pesquisa divulgada pelo Datafolha em dezembro de
2013, a população brasileira se divide de forma igualitária entre os que
possuem afinidade por ideias de esquerda (41%) e de direita (39%).
Sendo assim, por que há sete partidos políticos que se dizem socialistas
ou comunistas no país (sem contar as siglas social-democratas,
trabalhistas e ambientalistas que, em tese, também pertencem ao campo da
esquerda), mas nenhum que se declare abertamente adepto do liberalismo
ou do conservadorismo? Segundo Sérgio Praça, por causa da enorme
diferença entre ricos e pobres existente no Brasil.
“Ser de direita em um país em que a desigualdade social é tão
gritante é muito ruim. Se o Brasil fosse menos desigual, não haveria
problema nenhum se declarar de direita, ou de esquerda. Mas ser de
direita é declarar que a desigualdade não deve ser resolvida pelo
governo. E [se] declarar isso num país desigual, você vai perder a
eleição”, analisa Praça.
Vladimir Safatle e Roberto Amaral têm opiniões semelhantes. Ambos
concordam que as agremiações inclinadas à direita omitem este rótulo,
embora tomem medidas alinhadas a tal espectro quando no poder. Safatle
ainda vai além: para ele, os partidos políticos brasileiros são,
majoritariamente, conservadores. E o sistema os atrai para o campo da
direita. Já Amaral afirma que a “vergonha” de ser de direita empobrece, e
muito, o debate ideológico no país.
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