segunda-feira, 10 de maio de 2010

ECONOMIA - CRISE GREGA (III).

DEBATE ABERTO

A crise grega

Os maiores credores das dívidas gregas são os mesmos que agora querem financiar a solução para crise. Portanto, o dinheiro dado por uma mão será recolhido pela outra. Bancos europeus, sobretudo alemães e franceses, figuram entre os que seriam mais afetados pelo calote.

O que está ocorrendo com a Grécia e ameaça, por enquanto, repetir-se na península ibérica pode ter várias interpretações. As mídias de massa têm sugerido a pecha de gastadores e caloteiros aos primos pobres da União Européia. Dizem que o perigo de contágio é imenso, tratando da bola da vez, preconceituosamente, como um corpo estranho em um universo sem maiores problemas. Vociferam que a crise foi criada por eles, ‘esquecendo’ que o mundo dos negócios está em crise planetária, desde o ano passado.

Os bilhões de euros emprestados aos gregos podem parecer uma nova espécie de filantropia internacional, onde os países mais ricos ‘socorrem’ os pobres, livrando-os da catástrofe. Bombas de fumaça e de efeito moral, de natureza midiática, logo, simbólicas, foram lançadas para impedir o acesso público a algumas verdades essenciais. As grandes mídias, por razões conhecidas, não tem o menor interesse em deixar claro o que está ocorrendo.

Os maiores credores das dívidas gregas são os mesmos que agora querem financiar a solução para crise. Portanto, o dinheiro dado por uma mão será recolhido pela outra. Bancos europeus, sobretudo alemães e franceses, figuram entre os que seriam mais afetados pelo calote. Para pagar os novos empréstimos terá que ser feito o arrocho, diminuindo salários, pensões e outros direitos sociais. Obviamente, que isto aumentará o desemprego e a penúria social em um país tragicamente marcado por grandes desigualdades.

A história da Grécia moderna é a da subordinação econômica e política aos países mais ricos da Europa e aos EUA. A longa tradição de resistência dos gregos, que incluiu anos de guerrilha, desde a época da Segunda Guerra, onde eles lutaram contra os ocupantes alemães e a classe dominante interna, acabou chegando a uma ditadura sanguinária – a dos Coronéis – que equiparou o país aos casos longos e dramáticos de Portugal e da Espanha. O retorno à democracia formal dos três países (1974-1975) foi muito importante para a América Latina, inspirando e reforçando a luta pelo fim de suas ditaduras militares.

A democracia grega voltou há muitos anos. Entretanto, a economia não conseguiu decolar, vivendo na miragem da indústria do turismo, uma das mais frágeis do universo capitalista. O capitalismo de hoje está com muitos problemas, em suas crises cíclicas. Os efeitos mais graves desta vêm ocorrendo nas economias mais fracas e sem maior acumulação. A exuberância da natureza local e a importância da história e da cultura grega para todo mundo não foram suficientes para garantir aos gregos uma vida digna sem maiores sobressaltos. Logo, o que se vive agora tem um percurso bem anterior a atual crise.

O foco das mídias tem sido a agitação de rua dos gregos furiosos com a desorganização de suas vidas privadas e do caos em seu país. Parece que os deuses desceram do monte Olimpo, personificados nos jovens morenos de lá, lançando seus raios e clamando por respeito. A reação popular vem sendo demonizada e a grande mídia quase diz: Por que eles não ficam quietos, aceitando o destino que lhe foi imposto? Faltaria, segundo estas mesmas fontes conservadoras, ordem e respeito aos poderes constituídos. Deve-se esperar que os de cima resolvam e digam o que eles devem fazer de suas vidas.

Percebe-se que o governo local está desmoralizado, fraco e incapaz de buscar alternativas que contentem seus governados. Curvou-se frente ao poder que vem de fora e pouco se importa com os problemas do povo. Para receber os empréstimos, os governantes do país devem fazer o que os mestres estrangeiros e locais mandarem, e uma de suas tarefas é a de impedir que exista maior resistência. Estão curvados e sem maior legitimidade. Ninguém sabe ainda o que poderá ocorrer em tal situação. Contudo, as relações da Grécia, Portugal e Espanha com o resto da Europa jamais serão as mesmas.


Luís Carlos Lopes é professor e escritor.

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