segunda-feira, 3 de maio de 2010

TRABALHADORES E ANISTIA.

Do site TRIBUNA DA IMPRENSA.ONLINE.

Jorge Folena

Prezado Jornalista Hélio Fernandes, no 1º de maio comemora-se, em quase todo o mundo, o dia do trabalhador, que é simbolizado pelas manifestações ocorridas na cidade americana de Chicago em 1886, na luta pela redução da jornada de trabalho para 8 horas. Mesmo tendo sido esta luta iniciada por trabalhadores americanos, os Estados Unidos da América do Norte, por razões naturais do pensamento liberal que impera naquele país, se negam a reconhecer o dia do trabalho.

O trabalho é a base de tudo na evolução da sociedade, como cientificamente comprovou Marx em seus estudos de filosofia, política e economia, tendo as mãos como sua essência fundamental, como revelou Engels. As mãos dos trabalhadores, em todos os períodos históricos, construíram e constroem as grandes obras da humanidade, como lembrado em poesia por Brecht.

Trabalhadores brasileiros, socialistas, comunistas ou não, inconformados com a tomada ilegítima de poder em 1964 e a deposição de um governo legal, desapareceram, foram perseguidos, humilhados, torturados ou morreram por lutarem para tentar restabelecer a ordem política e jurídica no País, diante da Constituição promulgada em 1946.

Muitos desses trabalhadores tiveram que se esconder para não morrer, outros precisaram ir para o exterior, abandonando suas famílias, amigos, trabalhos e estudos.

Os ocupantes do poder propuseram em 1979 a “anistia, ampla, geral e irrestrita”, para que os trabalhadores perseguidos aqui ou no exterior pudessem retornar ao Brasil.

O termo anistia significa “perdão em sentido amplo” ou esquecimento (do grego amnestia). Porém, a lei de anistia, como documento jurídico, apresentou um vício original grave, qual seja, a coação (pegar ou largar), na medida em que foi a condição imposta pelos detentores do poder para permitir o retorno dos que tinham deixado tudo para trás. Vale lembrar que a ditadura permaneceu firme até 1985, ou seja, 6 anos depois de sancionada a Lei de Anistia.

Ora, qualquer documento nestas bases é nulo de pleno direito. Isto é regra jurídica elementar, seja na ordem constitucional outorgada durante o regime militar, seja também na atual, promulgada em 1988, assim como em qualquer outro país. A coação contaminou a referida lei. Contudo, não a tornou legitima para o “perdão” ou “esquecimento” geral das atrocidades do passado.

A ordem jurídica fundada com a Constituição de 1988, em seu preâmbulo, afasta qualquer acordo nulo do passado, ao afirmar que a Assembléia Nacional Constituinte foi reunida para instituir um Estado Democrático de Direito, o que se constitui num dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil em seu artigo 1º.

Desta forma, é impossível numa análise razoável acreditar que Constituição em vigor tenha permitido a manutenção de uma lei, fruto da coação, para perdoar quem tenha praticado atos de violência contra trabalhadores e quaisquer brasileiros, sob a proteção do Poder Público então vigente.

O atual presidente do STF, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, manifestou que “a lei de anistia é fruto de um acordo de quem tinha legitimidade social e política para, naquele momento histórico, celebrá-lo.” (Notícias STF, de 29/04/10).

Porém, o ministro Peluso esqueceu que os supostos legitimados para celebrar o dito acordo conquistaram o poder do Estado pela força e não pela vontade popular, que é princípio fundamental da Constituição do Brasil (art. 1º, § único, da Constituição do Brasil)

O presidente do STF externou ainda que “o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia” adotando a Lei de Anistia. Mas que concórdia é esta que não permite que se investigue e assegure o devido processo legal e ampla defesa para supostos agentes do Estado que torturaram, mataram ou criaram embaraços para trabalhadores brasileiros? A paz viria para todas as famílias com a investigação séria, respeitando-se os princípios da Constituição em vigor, para que se pudesse saber realmente quem conduziu ou praticou violência contra os brasileiros no regime de 1964/1985.

Por fim, registro que a Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros, em 30 de novembro de 2009, aprovou à unanimidade, o parecer do jurista Sergio Ribeiro Muylaert sobre a não recepção da Lei de Anistia (Lei 6.683/1979) pela Constituição de 1988 e que o Brasil deveria adotar a mesma postura dos países vizinhos da região, como a Argentina, que no julgamento da Causa nº. 17.768, proferido por sua Corte Suprema, declarou inconstitucional lei de anistia semelhante à lei brasileira.

Portanto, não se está diante de uma questão de revanchismo ou perseguição a qualquer pessoa, mas da busca da verdade histórica para se manter íntegra a memória nacional e assegurar o direito natural dos violentados e suas famílias de saber quem foram os mandantes e executores, assim como exigiu Antígona para garantir o enterro digno de seu irmão.

Jorge Rubem Folena de Oliveira é presidente
da Comissão Permanente de Direito Constitucional
do Instituto dos Advogados Brasileiros

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