Entrevista: Itamar Franco e o poder da simplicidade
Mauro Santayana, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - Quando assumiu a Presidência da República, durante o afastamento compulsório do titular, Fernando Collor – que seria definitivo meses depois, com o impeachment – Itamar Franco surpreendeu as elites, representadas pelos principais veículos de comunicação do país. Seu ministério foi tachado de “governo de compadres”, e “República do Pão de Queijo”. A resposta de Itamar foi uma pergunta, quase inocente: “As pessoas simples não podem governar?”.
Modéstia
Antonio Carlos engoliu em seco. Seu “dossiê” era constituído de recortes de jornais, que nada provavam contra Jutahy. Ao minimizar a importância do episódio, que alguns atribuíram à sua astúcia de mineiro, Itamar confessou, modesto:
– Eu, astuto? Eu sou até meio bobo.
A República do Pão de Queijo pode ter sido, para o desdém de seus críticos, a república do pão, pão; queijo, queijo; orientada pelo pensamento óbvio, pelo senso comum. Mas é provável que Itamar tenha sido realmente ingênuo, ao deslumbrar-se pela retórica professoral do sociólogo Fernando Henrique Cardoso e fazer dele seu sucessor. Itamar relembra o episódio:
Elogios
a Amorim
e à política externa
Já que falamos em diplomacia – e Itamar foi embaixador em Portugal, na OEA e na Itália – conversamos algum tempo sobre a política externa de Lula. Itamar sorri: ele se sente parceiro de seus êxitos, uma vez que lhe coube levar Amorim para a chancelaria.
– Senti-me homenageado quando, na presença do embaixador Amorim, em uma recepção na Embaixada do Brasil no Vaticano, o presidente Lula me disse que o havia convocado para a chefia do Itamaraty por ele ter sido meu chanceler. É claro que Lula me fazia um afago político, e que a razão da escolha não fora só a nomeação de Amorim pelo meu governo, mas, de qualquer forma, eu dera ao diplomata de Santos a chance de revelar-se como um dos mais importantes negociadores internacionais de nosso tempo. Só tenho a lamentar que Amorim tenha ido a Juiz de Fora participar de um comício em favor da candidatura de Nilmário Miranda, do PT, com Lula, e ao lado de Newton Cardoso, contra a reeleição de Aécio. Um ministro de Relações Exteriores não deveria intervir em disputa regional, e muito menos na cidade natal de quem nele confiara a execução da política externa brasileira. Magalhães Pinto, que era político, nunca fez isso. Esse episódio, que me entristeceu profundamente, não diminui a admiração pelo grande diplomata que ele é.
Comento com Itamar curiosa circunstância histórica. Celso Amorim é de Santos, e em Santos nasceram dois dos mais importantes diplomatas brasileiros, decisivos em momentos cruciais da nacionalidade. O primeiro foi Alexandre de Gusmão, que deu ao Brasil os seus limites continentais, com o Tratado de Madri, de 1750, em que se reconheceu o princípio do utis possidetis que legitima a posse de fato. O segundo foi José Bonifácio de Andrada, o primeiro-ministro de Relações Exteriores do Brasil.
Continuando na política externa, Itamar faz pequeno reparo a Celso Amorim:
– O ministro disse que, para não ter direito a um voto independente, é melhor não fazer parte do Conselho de Segurança da ONU. No meu entendimento, trata-se de falsa questão. A nação que faz parte do Conselho tem a liberdade de votar como quiser, de acordo com seus princípios e interesses e em favor da paz mundial. O que deve ser contestado é o ainda poder de veto exclusivo aos cinco países que são membros permanentes do órgão. O Brasil sempre teve direito, pelas suas dimensões geográficas e pela sua formação histórica, a participar do Conselho de Segurança. Em 1926, com forte presença na Liga das Nações, teve a sua candidatura, como membro efetivo do Conselho das Nações, preterida em favor da Alemanha – da mesma Alemanha que fora derrotada em 1918. Como era nosso presidente o grande estadista mineiro Artur Bernardes, e seu representante na Liga outro invulgar homem de Estado, também mineiro, o embaixador Afrânio de Mello Franco, o Brasil preferiu a honra e abandonou a Liga, que se revelara instrumento dócil do eurocentrismo. Um país que defendera, com Rui, em Haia, a plena igualdade entre as nações, não poderia compactuar com a ditadura dos grandes.
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