O pesadelo que Israel não conseguiu deter
Por Jerrold Kessel e Pierre Klochendler, da IPS [Terça-Feira, 1 de Junho de 2010 às 09:20hs]
Ainda não está totalmente claro o que aconteceu com a flotilha humanitária internacional que se dirigia a Gaza e foi interceptada por forças de Israel, causando a morte de, pelo menos, 16 pessoas. Mas o incidente já ameaça ter sérias consequências no conflito do Oriente Médio. Estes fatos podem dar um impulso fundamental aos esforços do povo palestino para acabar não só com o cerco a Gaza, mas com toda ocupação israelense de seus territórios, e para alcançar a aspiração de se constituir em Estado independente. O incidente e a polêmica que causou é o pesadelo que Israel temia mesmo antes de as embarcações partirem da Turquia.
O caso solapa, talvez até o colapso, a já fraca imagem internacional de Israel e agrava suas relações com o governo turco. Sem dúvida, haverá maior atenção mundial sobre a difícil situação humanitária vivida pelos 1,5 milhão de palestinos sitiados em Gaza. Isto é motivo para duas perguntas cruciais. A primeira é: Marmara, o barco principal da frota internacional, se transformará no “Êxodo” palestino?
Em 1947, em meio aos esforços da comunidade internacional judia pela independência do então Mandato Britânico da Palestina, o “Êxodo”, um velho navio de carga, transportava milhares de sobreviventes do nazismo para a região. Quando a embarcação foi detida pelas forças britânicas, foi gerada uma polêmica mundial que favoreceu a criação do Estado judeu.
A outra pergunta é: O incidente com a flotilha passará a ser o “Shaperville” de Israel? Em 1961, a polícia do apartheid (sistema de segregação racial oficial contra a maioria negra) na África do Sul disparou contra centenas de manifestantes desarmados que protestavam contra o regime branco. O massacre foi o detonador de uma grande oposição internacional ao governo sul-africano.
O incidente diante da costa de Gaza era previsível. Esperava-se que a frota chegasse ao território ontem. Entretanto, ao anoitecer do dia 30 de maio, três barcos da Marinha de Israel estacionados em Haifa zarparam para interceptar os ativistas. Pouco antes do amanhecer, uma unidade de comando naval israelense abordou as seis embarcações nas quais viajavam cerca de 600 ativistas. As duas partes apresentaram relatos diferentes sobre o ocorrido.
Um correspondente em um dos navios informou para a Turquia que as forças israelenses haviam disparado contra o Marmara antes de abordá-lo. Por outro lado, funcionários militares de Israel afirmaram que os soldados foram atacados com facas, paus e barras de ferro quando houve a abordagem. Foram ameaçados de “linchamento”, afirmou um oficial. Portanto, não tiveram outra opção a não ser “agir energicamente para se proteger”, acrescentou.
Entre os ativistas estava a irlandesa Mairead Corrigan-Maguire, prêmio Nobel da Paz, e legisladores europeus, bem como vários cidadãos dos Estados Unidos, incluindo um ex-embaixador e um ex-alto funcionário do Departamento de Estado. A Turquia, que criticara duramente Israel depois da ofensiva desse país contra Gaza há 18 meses, na qual morreram 1.400 palestinos, qualificou de inaceitável a operação naval. “Israel terá de assumir as consequências de seu comportamento”, afirmou a chancelaria turca em um comunicado.
Por sua vez, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, qualificou o incidente de “massacre”, segundo a agência de notícias Wafa. Abbas, cujo partido Fatah perdeu o controle de Gaza para o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) em 2007, decretou luto oficial por três dias nos territórios palestinos. A Liga Árabe convocou uma sessão especial para hoje, em meio aos temores de que Abbas possa cancelar as próximas conversações de paz com Israel, patrocinadas pelos Estados Unidos. O vice-chanceler de Israel, Danny Ayalon, disse em entrevista coletiva que foram encontradas armas nos navios. A frota era uma “armada de ódio e violência”, afirmou.
Por sua vez, o ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, lamentou as mortes, mas disse que “toda a responsabilidade” recaía sobre os organizadores da frota e aqueles que atacaram os soldados quando o Marmara foi abordado. Barak insistiu que os ativistas não tinham nenhum objetivo humanitário, apenas “pura provocação”. Gaza está “sob controle de uma organização terrorista: o Hamas”, afirmou Barak, insistindo em dizer que isso dá a Israel o direito de controlar tudo o que entra no território. Por sua vez, o líder do Hamas em Gaza, Ismail Haniyeh, afirmou que “o verdadeiro rosto de Israel foi exposto perante a comunidade internacional”.
Além das acusações mútuas, além da dor e da indignação, a principal questão é o impacto que a ação militar israelense terá na região. Uma das consequências pode ser um aumento da pressão internacional para que Israel acabe com o sítio a Gaza. Por outro lado, se ativistas e opositores a Israel tentarem utilizar o incidente para atacar a legitimidade do Estado judeu, em lugar de se dedicarem a questionar a ocupação dos territórios palestinos, podem receber um tiro pela culatra. O resultado mais provável neste último caso seria uma nova onda de enfrentamentos entre palestinos e israelenses.
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