terça-feira, 1 de novembro de 2011

POLÍTICA - O câncer do preconceito.

Clóvis Rossi


A notícia de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está com câncer provocou um brutal surto de preconceito no Brasil.

Tão brutal que levou um de seus melhores jornalistas - e um dos mais sensíveis -, Gilberto Dimenstein, a escrever que sentia "um misto de vergonha e enjoo" ao ler os comentários a respeito de coluna em que falava da doença do ex-presidente.

A mim, o preconceito em si não chega a me surpreender. Irrita-me sempre, é verdade, mas surpreender, não o faz. Convivo (profissionalmente) com Lula faz uns 30 anos, desde o tempo em que era apenas presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Tempo suficiente para perceber o preconceito e para me ver obrigado a rebatê-lo mais de uma vez.
Na campanha eleitoral de 1989, por exemplo, o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Mário Amato, disse que, se Lula vencesse, 600 mil empresários (ou 800 mil, já nem me lembro direito) deixariam o país.

Nesse momento, era um preconceito digamos ideológico. Lula e seu Partido dos Traballhadores defendiam políticas de esquerda que, obviamente, o empresariado abomina. Escrevi, então, uma coluna com o título "Terrorismo, não", para dizer que esse tipo de declaração era terrorismo puro.


Ou seja, permitia-se a Lula e ao PT disputar a eleição, mas proibia-se que vencesse.

Não é exatamente democrático.


Quando Lula finalmente venceu, em 2002, o preconceito ideológico foi se desvanecendo, na mesma medida em que ele caminhava para o centro ou até para a direita (ao, por exemplo, nomear um banqueiro, Henrique Meirelles, para a presidência do Banco Central e ao dar a este o comando de políticas essenciais, como a de juros e de câmbio).

Mas sobreviveu - e até se acentuou - o preconceito social. Parte da população brasileira, especialmente de São Paulo, parece não aceitar que um operário, nordestino e sem educação formal além do curso de torneiro-mecânico, chegue à Presidência da República e ainda por cima dê certo, aos olhos de uns 80% do eleitorado, conforme todas as pesquisas.

Muito antes de Lula chegar à Presidência, eu já havia tentado desmontar esse pressuposto, ao lembrar que, durante 500 anos, o Brasil havia sido governado por "doutores" e nem por isso era um país capaz de dar orgulho.

É inútil: o debate político no Brasil - e suspeito que em boa parte do mundo está sendo assim - tornou-se indigente. Quase não há argumentos, há xingamentos.

A internet potencializou essa indigência, como assinala Gilberto Dimenstein: "A interatividade democrática da internet é, de um lado, um avanço do jornalismo e, de outro, uma porta direta com o esgoto de ressentimento e da ignorância".

Como demonstração de que essa "porta direta" não é um fenômeno só brasileiro,basta ler Daniel Innerarity em "El País" da semana passada, quando esse excelente analista fala das redes sociais, nas quais "o confronto com o diferente tende a ser substituído pela indignação em companhia do similar, uma emoção se alimenta comunicando com quem comparte a mesma irritação".

Estabelece-se, nesse ambiente virtual rarefeito, uma troca de preconceitos: os pró-Lula gritam que qualquer crítica a ele é crime de lesa-majestade. Os anti-Lula torcem para que o câncer prospere, uma coisa dura de se colocar por escrito mas a vida nesse universo de rancores é dura mesmo.

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