Líderes não chegaram a acordo sobre a crise européia
Cláudio Lembo
De São Paulo
Ao longo da História se desenvolveram muitos exercícios de paciência. Todas as pessoas, sem exceção, um dia foram obrigadas a dialogar com interlocutores desejosos de impor a sua vontade.
Desde tenra idade, as crianças são submetidas a este exercício. Precisam ouvir e admitir, ainda mesmo que contra a vontade, as palavras que lhe são dirigidas por unilateralmente.
As escolas - mais ontem do que hoje - adotam exposições unilaterais. O mestre diz é verdade. Os exemplos de situações, onde um fala, o outro ouve e aceita passivamente, são inúmeros.
Nas culturas com raiz européia, seguramente este desvio de conduta advém das tradições religiosas. Estas elevavam o expositor ao púlpito e este expunha o que bem entendia.
Nada de contestações. A resposta, caso acontecessem, seria o inferno com suas brasas e demônios. Um horror. O hábito desenvolveu-se e deu origem ao dogma. O superior falou. Está acabado.
Estas elucubrações, aparentemente sem pé nem cabeça, originam-se de situações recentes de muitas das vítimas da autossuficiência de alguns. Estes alguns foram os políticos europeus.
Nada mais desgastante de que ouvir um europeu após a implantação do euro, como moeda. A União Européia havia criado o novo super-homem, diziam enfaticamente, sem constrangimento.
Miravam os infelizes habitantes das áreas periféricas com desdém e declarado espírito de soberba. Os povos de toda a parte não passavam de relés sociedades.
Os dirigentes europeus - de qualquer país integrante da União - se achavam em estágio infinitamente superior. Orgulhavam-se por estruturar uma comunidade entre desiguais, com regras imprimidas por Alemanha e França.
Foram anos de bem estar e superioridade. Todos se tornaram colaboracionistas do governo germânico. E nem percebiam ou não queriam perceber.
Gastaram além da conta, sem respeitar limites de responsabilidade. A fartura era geral. O paraíso terrestre, em fim, fora atingido. Ergueram edifícios monumentais. Construíram autoestradas sem tráfego. Ferrovias expressas sem passageiros.
Uma beleza. Um dia, como sempre acontece em situações de desequilíbrio econômico, a casa cai. Ai é um Deus nos acuda. Os olhos se voltam para as antigas colônias.
Com os mais frágeis argumentos, querem ajuda econômica. Exigem participação na defesa da velha civilização que faz água por todos os lados.
É momento de firmeza por parte dos governos da América do Sul. Sofreram todas as humilhações por parte dos órgãos financeiros internacionais.
As imposições do sistema financeiro global mostraram-se, em determinados momentos, descomunais. As agruras de todos os povos na linha e abaixo do Equador foram sufocantes.
Este é momento em que a solidariedade internacional deve estar presente. No entanto, somente mediante diretrizes firmes e precisas. Os povos latino-americanos não são devedores de nada.
Ao contrário, são credores de uma dívida que jamais poderá ser resgatada. O genocídio praticado em populações autóctones da América se mostrou cruel e desumano.
O rigor do tratamento colonial ainda contínua presente em nossas sociedades. A diferença entre o adventício e o nativo ainda apresenta tênues traços em determinadas situações. É herança dos velhos tempos de dominação.
A América ibérica é consciente de suas responsabilidades, mas certamente, neste instante, em que a soberba transmuda-se em mão estendida, deve agir com racionalidade e de olhos na História.
Por aqui nada foi fácil.
Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.
Fonte: Terra Magazine.
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