quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

GEOPOLÍTICA - China e EUA disputarão Ásia.


Ramonet desenha cenários geopolíticos de 2013

Marinheiros chineses perfilam-se em cerimônia de recepção ao secretário de Defesa dos EUA. Para Ramonet, "Beijing suporta cada vez menos a presença militar dos EUA na Ásia"
Marinheiros chineses perfilam-se em cerimônia de recepção ao secretário de Defesa dos EUA. Para Ramonet, “Beijing suporta cada vez menos a presença militar dos EUA na Ásia”
China e EUA disputarão Ásia. Europa seguirá em crise. Obama pode encerrar bloqueio de Cuba. Israel tentará bombardear Irã
Por Ignacio Ramonet | Tradução: Antonio Martins
Depois de termos sobrevivido ao anunciado fim do mundo, resta-nos agora tratar de prever nosso futuro imediato. Com raciocínios prudentes, porém mais cartesianos; baseando-nos nos princípios da geopolítica, uma disciplina que permite compreender o jogo geral das potências e avaliar os principais riscos e perigos. Para antecipar, como nos tabuleiros de xadrez, os movimentos de cada adversário potencial.
Se contemplarmos, nestes início de ano, um mapa do planeta, imediatamente observaremos vários pontos com luzes vermelhas acesas. Quatro deles apresentam altos níveis de perigo: Europa, América Latina, Oriente Médio e Ásia.
Na União Europeia (UE), 2013 será o pior ano desde que começou a crise. A “austeridade” como crença única e os ataques ao Estado de bem-estar social continuarão, porque assim exige a Alemanha que, pela primeira vez na História, domina a Europa e a dirige com mão de ferro. Berlim não aceitará nenhuma mudança até as eleições do próximo 22 de setembro, em que a chanceler Angela Merkel poderia obter um terceiro mandato.
Na Espanha, as tensões políticas aumentarão na medida em que a Generalitat de Catalunya comece a tornar precisos os termos da consulta aos cidadãos sobre o futuro desta comunidade autônoma. Processo que os nacionalistas bascos seguirão com o maior interesse. A situação da economia, já péssima, dependerá do que ocorrer… na Itália, nas próximas eleições (em 24 de fevereiro). E das reações dos mercados, diante ou de uma eventual vitória dos amigos do conservador Mario Monti (que conta com o apoio de Berlim e do Vaticano), ou do candidato de centro-esquerda, Pier Luigi Bersani, melhor colocado nas pesquisas.
Também dependerá das condições (sem dúvida brutais) que Bruxelas exigirá, para o resgate que o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, acabará pedindo. Sem falar dos protestos, que continuam espalhando-se como rastro de gasolina – e acabarão por se encontrar com algum fósforo aceso… Podem ocorrer explosões em qualquer uma das sociedades do sul europeu (Grécia, Portugal, Itália, Espanha), exasperadas pelos cortes sociais permanentes. A UE não sairá do túnel em 2013, e tudo pode piorar se, além disso, os mercados decidirem voltar-se (como os neoliberais os incitam a fazer) (1) contra a França, do moderadíssimo socialista François Hollande.
Na América Latina, 2013 também estará cheio de desafios. Em primeiro lugar, na Venezuela, que desde 1999 desempenha um papel importante nas mudanças progressistas em toda a região. A recaída imprevista do presidente Hugo Chávez – reeleito em 7 de outubro último – cria incertezas. Embora o dirigente esteja se restabelecendo de sua nova operação contra o câncer, não se podem descartar novas eleições presidenciais em fevereiro. Designado por Chávez, o candidato da revolução bolivariana seria o atual vice-presidente Nicolás Maduro, um líder muito sólido, com qualidades humanas e políticas para se impor.
Também haverá eleições, dia 17 de fevereiro, no Equador. Quase ninguém duvida da reeleição do presidente Rafael Correa, outro dirigente latino-americano fundamental. Honduras (onde, em junho de 2009, um golpe derrubou Manuel Zelaya) viverá importante pleito. O atual presidente, Porfirio Lobo, não pode disputar um segundo mandato consecutivo. E o Tribunal Eleitoral Supremo autorizou a inscrição do partido Liberdade e Refundação (Libre), que, liderado por Zelaya, apresenta como candidata sua esposa, Xiomara Castro. Já no Chile, que terá eleições presidenciais em 17 de novembro, a impopularidade atual do presidente conservador Sebastián Piñera oferece possibilidades de vitória à socialista Michelle Bachelet.
A atenção internacional também se voltará para Cuba. Por duas razões. Continuam em Havana as conversações entre o governo colombiano e as FARC, para tentar acabar com o último conflito armada na América Latina. E esperam-se decisões de Washington. Nas eleições do último 6 de novembro, Barack Obama venceu na Flórida: obteve 75% do voto hispânico e – muito importante – 53% do voto cubano. São resultados que dão ao presidente, em seu último mandato, ampla margem de manobra para avançar rumo ao fim do bloqueio econômico e comercial da ilha.
Onde nada parece avançar é, mais uma vez, o Oriente Médio. Ali encontra-se o atual foco de perturbações no mundo. As revoltas da “primavera árabe” conseguiram derrotar vários ditadores locais: Bem Alí, da Tunísia; Mubarak, do Egito; Gadafi, na Líbia; Saleh, no Yêmen. Mas as eleições livres permitiram que partidos islâmicos com tendências reacionárias (os Irmãos Muçulmanos) conquistassem o poder. Agora querem, como se vê no Egito, conservá-lo a todo custo. Para consternação da população laica, que, por ter sido a primeira a se sublevar, nega-se a aceitar esta nova forma de autoritarismo. Um cenário idêntico está armado na Tunísia.
Depois de terem acompanhado com interesse as explosões de liberdade na primavera de 2011 nesta região, as sociedades europeias estão de novo desinteressando-se do que nela ocorre. Talvez por ser muito complicado. Um exemplo: a inextricável guerra civil na Síria. Ali, o que está claro é que as grandes potências ocidentais (Estados Unidos, Reino Unido e França), aliadas à Arábia Saudita, Qatar e Turquia, decidiram apoiar (com dinheiro, armas e instrutores) a insurgência islâmica sunita. Esta continua ganhando terreno, em distintas frentes. Quanto tempo resistirá o governo de Bashar El Assad? Sua sorte parece lançada. A Rússia e a China, seus aliados diplomáticos, não darão sinal verde na ONU para um ataque da OTAN, como na Líbia, em 2011. Mas tanto Moscou quanto Beijing consideram que a situação do regime de Damasco é militarmente irreversível, e começaram a negociar com Washington uma saída que preserve seus interesses.
Diante do “eixo xiita” (Hezbolá libanês, Síria e Irã), os Estados Unidos constituíram, na região, um amplo “eixo sunita” (desde a Turquia e Arábia Saudita até o Marrocos, passando pelo Cairo, Trípoli e Túnis). Objetivo: derrubar Bashar El Assad e despojar Teerã de seu grande aliado regional – antes da próxima primavera. Por que? Porque em 14 de junho haverá, no Irã, eleições presidenciais (2). Nelas, Mahmud Ahmadinejad, atual mandatário, não pode concorrer, já que a Constituição não permite exercer mais de dois mandatos. Ou seja, durante o próximo semestre, o Irã estará imerso em ácidas disputas eleitorais, entre os partidários de uma linha dura diante de Washington e os que defendem a via da negociação.
Diante desta situação iraniana de certo desgoverno, Israel estará em ordem de marcha para um eventual ataque contra as instalações nucleares de Teerã (3). No Estado judeu, as eleições gerais de 22 de janeiro produzirão provavelmente a vitória da coalizão ultraconservadora que reforçará o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, partidário de bombardear o Irã o quanto antes.
Este ataque não pode ser executado sem a participação militar dos Estados Unidos. Washington irá aceitá-lo? É pouco provável. Barack Obama, que toma passoe em 21 de janeiro, sente-se mais seguro depois da reeleição. Sabe que a imensa maioria da opinião pública estadunidense (4) não deseja mais guerras. O front do Afeganistão segue aberto. O da Síria, também. Outro pode abrir-se no norte do Mali. O novo secretário de Estado, John Kerry, terá a delicada missão de acalmar o aliado israelense.
Enquanto isso, Obama olha para a Ásia, zona prioritária desde que Washington decidiu a reorientação estratégica de sua política externa. Os Estados Unidos tratam de frear, ali, a expansão da China. Cercam-na de bases militares e apoiam-se em seus parceiros tradicionais: Japão, Coreia do Sul e Taiwan. É significativo que a primeira viagem de Barack Obama, depois de sua reeleição, tenha sido para a Birmânia, Camboja e Tailândia. São três membros da Associação de Nações do Sudeste Aiático (Asean), uma organização que reúne aliados de Washington na região e cuja maioria dos membros tem problemas de limites marítimos com Beijing.
A China designará Xi Jinping presidente, em março próximo. Seus mares converteram-se nas zonas de maior potencial de conflito armado da área Ásia-Pacífico. As tensões de Beijing com Tóquio, a respeito da soberania das ilhas Senkaku (Diaoyú, para os chineses), podem agravar-se depois da vitória eleitoral, em 15 de dezembro último, do Partido Liberal-Democrata (PLD), cujo líder e novo primeiro-ministro, Shinzo Abe, é um “falcão” nacionalista, conhecido por suas críticas à China. Também a disputa com o Vietnã, sobre a propriedade das ilhas Spratley, está subindo perigosamente de tom. Sobretudo, depois que as autoridades vietnamitas colocaram oficialmente o arquipélago sob sua soberania, em junho passado.
A China está modernizando a todo vapor sua marinha de guerra. Em 25 de setembro último, lançou seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, com intenção de intimidar seus vizinhos. Beijing suporta cada vez menos a presença militar dos Estados Unidos na Ásia. Entre os dois gigantes, está se instalando uma perigosa “desconfiança estratégica” (5) que, sem dúvidas, marcará a política internacional do século XXI.
(1) Ler o dossiê “France and the euro. The time-bomb at the heart of  Europe”, The Economist, Londres, 17 de noviembre de 2012.
(2) No Irã, o presidente não é o chefe de Estado. Este papel é exercido pelo Guia Supremo, com mandato perpétuo, função exercida atualmente por Ali Khamenei.
(3) Ler, em Outras Palavras, “Ignacio Ramonet vê o xadrez das ameaças ao Irã”.
(4) The New York Times, Nova York, 12 de noviembre de 2012.
(5) Ler, de Wang Jisi y Kenneth G. Lieberthal, “Adressing U.S.-China Strategic Distrust”, Broo­kings Institution, 30 de marzo de 2012.

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