quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

POLÍTICA - Assim será 2013.

Se contemplarmos, neste princípio de ano, um mapa do planeta, imediatamente observamos vários pontos com luzes vermelhas acesas. Quatro deles apresentam altos níveis de perigo: Europa, América Latina, Médio Oriente e Ásia.
 
Em 2013, poderão produzir-se explosões em qualquer das sociedades da Europa do sul (Grécia, Portugal, Itália, Espanha) exasperadas pelos constantes ataques sociais – Foto de Paulete Matos
Após ter sobrevivido – no passado dia 21 de dezembro– ao anunciado fim do mundo, cabe-nos agora tratar de prever –com raciocínios prudentes mas mais cartesianos– o nosso futuro imediato, com base nos princípios da geopolítica, uma disciplina que permite compreender o jogo geral das potências e avaliar os principais riscos e perigos. Para antecipar, como nos tabuleiros de xadrez, os movimentos de cada potencial adversário.
Se contemplarmos, neste princípio de ano, um mapa do planeta, imediatamente observamos vários pontos com luzes vermelhas acesas. Quatro deles apresentam altos níveis de perigo: Europa, América Latina, Médio Oriente e Ásia.
Na União Europeia (UE), o ano 2013 será o pior desde que começou a crise. A austeridade como credo único e os ataques ao Estado de bem-estar continuarão porque assim o exige a Alemanha que, pela primeira vez na história, domina a Europa e dirige-a com mão de ferro. Berlim não aceitará nenhuma mudança até às eleições de 22 de setembro próximo nas quais a chanceler Angela Merkel poderá ser eleita para um terceiro mandato.
Em Espanha, as tensões políticas aumentarão à medida que a Generalitat de Catalunha vá precisando os termos da consulta aos catalães sobre o futuro dessa comunidade autónoma. Processo que, de Euskadi, os nacionalistas bascos seguirão com o maior interesse. Quanto à situação da economia, já péssima, vai depender do que ocorra... em Itália nas próximas eleições (a 24 de fevereiro). E das reações dos mercados perante uma eventual vitória dos amigos do conservador Mario Monti (que conta com o apoio de Berlim e do Vaticano) ou do candidato de centro-esquerda Pier Luigi Bersani, melhor colocado nas sondagens. Também dependerá das condições (sem dúvida brutais) que Bruxelas exigir pelo resgate que Mariano Rajoy acabará por pedir. Sem falar dos protestos que continuam a estender-se como um regueiro de gasolina e que acabarão por dar com algum fósforo aceso... Poderão produzir-se explosões em qualquer das sociedades da Europa do sul (Grécia, Portugal, Itália, Espanha) exasperadas pelos constantes ataques sociais. A UE não sairá do túnel em 2013, e tudo poderá piorar se, além disso, os mercados decidirem atacar a França do muito moderado socialista François Hollande (como os neoliberais lhes estão a incitar a fazer)1.
Na América Latina, o ano 2013 também está cheio de desafios. Em primeiro lugar na Venezuela, país que desde 1999 desempenha um papel motor nas mudanças progressistas de todo o subcontinente. A imprevista recaída do presidente Hugo Chávez – reeleito no passado dia 7 de outubro – cria incerteza. Ainda que o dirigente esteja a restabelecer-se da sua nova operação contra o cancro, não podem descartar-se novas eleições presidenciais em fevereiro próximo. Designado por Chávez, o candidato da revolução bolivariana seria o atual vice-presidente (equivalente a primeiro ministro) Nicolás Maduro, um líder muito sólido com todas as qualidades, humanas e políticas, para se impor.
Também haverá eleições, a 17 de fevereiro, no Equador: a reeleição do presidente Rafael Correia, outro dirigente latino-americano fundamental, oferece poucas dúvidas. Importantes eleições ainda, a 10 de novembro, nas Honduras onde, em 28 de junho de 2009, foi derrubado Manuel Zelaya. O seu sucessor, Porfirio Lobo, não pode candidatar-se a um segundo mandato consecutivo. Por outro lado, o Supremo Tribunal Eleitoral autorizou a inscrição do partido Liberdade e Refundação (LIBRE), liderado pelo ex-presidente Zelaya, que apresenta, como candidata, a sua esposa e ex-primeira dama, Xiomara Castro. Importantes eleições igualmente no Chile, a 17 de novembro. Aqui, a impopularidade atual do presidente conservador Sebastián Piñera oferece possibilidades de vitória à socialista Michelle Bachelet.
A atenção internacional também se fixará em Cuba. Por duas razões. Porque continuam em Havana as conversações entre o Governo colombiano e os insurgentes das FARC para tratar de pôr fim ao último conflito armado da América Latina. E porque se esperam decisões de Washington. Nas eleições norte-americanas do passado 6 de novembro, Barack Obama ganhou na Flórida; obteve 75% do voto hispânico e –muito importante– 53% do voto cubano. Resultados que dão ao Presidente, no seu último mandato, uma ampla margem de manobra para avançar para o fim do bloqueio económico e comercial da ilha.
Onde nada parece avançar é, uma vez mais, no Médio Oriente. Aí encontra-se o atual foco perturbador do mundo. As revoltas da “primavera árabe” conseguiram derrubar vários ditadores locais: Ben Alí na Tunísia, Mubarak no Egito, Khadafi na Líbia e Saleh no Iémen. Mas as eleições livres permitiram que partidos islamistas de cariz reacionário (Irmandade Muçulmana) açambarcassem o poder. Agora querem, como estamos a ver no Egito, conservá-lo a todo o custo. Para consternação da população laica que, por ter sido a primeira a se sublevar, se nega a aceitar essa nova forma de autoritarismo. Na Tunísia o problema é idêntico.
Depois de terem seguido com interesse as explosões de liberdade da primavera de 2011 nesta região, as sociedades europeias estão de novo a desinteressar-se do que lá ocorre. Por demasiado complicado. Um exemplo: a inextrincável guerra civil na Síria. Aí, o que está claro é que as grandes potências ocidentais (Estados Unidos, Reino Unido, França), aliadas a Arábia Saudita, Qatar e Turquia, decidiram apoiar (com dinheiro, armas e instrutores) a insurgência islamista sunita. Esta, nas diferentes frentes, não cessa de ganhar terreno. Quanto tempo resistirá o Governo de Bachar El Assad? A sua sorte parece traçada. Rússia e China, seus aliados diplomáticos, não darão luz verde na ONU a um ataque da NATO como na Líbia em 2011. Mas tanto Moscovo como Pequim consideram que a situação do regime de Damasco é militarmente irreversível, e começaram a negociar com Washington uma saída para o conflito que preserve os seus interesses.
Frente ao “eixo xiíta” (Hezbolah libanês, Síria, Irão), os Estados Unidos constituíram nessa região um amplo “eixo sunita” (desde a Turquia e Arábia Saudita até Marrocos passando por Cairo, Tripoli e Tunísia). Objetivo: derrubar Bachar O Asad –e despojar assim Teerão do seu grande aliado regional – antes da próxima primavera. Porquê? Porque a 14 de junho têm lugar, no Irão, as eleições presidenciais2. Às quais Mahmud Ahmadinejad, o atual presidente, não se pode apresentar pois a Constituição não permite que se exerça mais de dois mandatos. Ou seja, durante o próximo semestre, Irão encontrar-se-á imerso em violentas pugnas eleitorais entre os partidários de uma linha dura face a Washington e os que defendem a via da negociação.
Face a esta situação iraniana de certo desgoverno, Israel pelo contrário estará preparado para um eventual ataque contra as instalações nucleares persas3. No Estado judeu, efetivamente, as eleições gerais de 22 de janeiro darão provavelmente a vitória à coligação ultra-conservadora que reforçará o primeiro-ministro Benjamín Netanyahu, partidário de bombardear o Irão, quanto antes.
Este ataque não pode ser levado a cabo sem a participação militar dos Estados Unidos. Aceitá-lo-á Washington? É pouco provável. Barack Obama, que toma posse a 21 de janeiro, sente-se mais seguro após a sua reeleição. Sabe que a imensa maioria da opinião pública norte-americana4 não deseja mais guerras. A frente do Afeganistão continua aberta. A da Síria também. E outra poderá abrir-se no norte do Mali. O novo secretário de Estado, John Kerry, terá a delicada missão de acalmar o aliado israelita.
Entretanto Obama olha para a Ásia, zona prioritária desde que Washington decidiu a reorientação estratégica da sua política externa. Os Estados Unidos tratam de travar ali a expansão da China cercando-a de bases militares e apoiando-se nos seus sócios tradicionais: Japão,Coreia do Sul, Taiwan. É significativo que a primeira viagem de Barack Obama, depois da sua reeleição em 6 de novembro passado, tenha sido a Birmânia, Camboja e Tailândia, três Estados da Associação de Nações do Sudeste de Ásia (ASEAN). Uma organização que reúne os aliados de Washington na região e cuja maioria de membros tem problemas de limites marítimos com Pequim.
Os mares da China, que designará Xi Jinping presidente em março próximo, converteram-se nas zonas de maior potencial de conflito armado da área Ásia-Pacífico. As tensões de Pequim com Tóquio, a propósito da soberania das ilhas Senkaku (Diaoyú para os chineses), poderão agravar-se após a vitória eleitoral, no passado dia 16 de dezembro, do Partido Liberal-Democrata (PLD) cujo líder e novo primeiro-ministro, Shinzo Abe, é um “falcão” nacionalista, conhecido pelas suas críticas à China. Também a disputa com o Vietname sobre a propriedade das ilhas Spratley está a subir perigosamente de tom. Sobretudo após as autoridades vietnamitas terem colocado oficialmente, em junho passado, o arquipélago sob a sua soberania.
A China está a modernizar rapidamente a sua armada. No passado dia 25 de setembro lançou o seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, com a intenção de intimidar os seus vizinhos. Pequim suporta cada vez menos a presença militar dos Estados Unidos na Ásia. Entre os dois gigantes, está a instalar-se uma perigosa “desconfiança estratégica”5 que, sem lugar a dúvidas, vai marcar a política internacional do século XXI.
Artigo de Ignacio Ramonet disponível em monde-diplomatique.es. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

1 Leia-se o dossier “France and the euro. The time-bomb at the heart of Europe”, The Economist, Londres, 17 de novembro de 2012.
2 NoIrão, o presidente não é o chefe de Estado. O chefe de Estado é o Guia Supremo, escolhido para a vida, e cuja função é exercida atualmente por Alí Khamenei.
3 Leia-se, Ignacio Ramonet, “El año de todos los peligros”, Le Monde diplomatique en español,fevereiro de 2012.
4 The New York Times, Nueva York, 12 de novembro de 2012.
5 Leia-se Wang Jisi e Kenneth G. Lieberthal, “Adressing U.S.-China Strategic Distrust”, Brookings Institution, 30 de março de 2012. www.brookings.edu/research/papers/2012/03/30-us-china-lieberthal

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