Se
contemplarmos, neste princípio de ano, um mapa do planeta,
imediatamente observamos vários pontos com luzes vermelhas acesas.
Quatro deles apresentam altos níveis de perigo: Europa, América Latina,
Médio Oriente e Ásia.
Em
2013, poderão produzir-se explosões em qualquer das sociedades da
Europa do sul (Grécia, Portugal, Itália, Espanha) exasperadas pelos
constantes ataques sociais – Foto de Paulete Matos
Após ter sobrevivido – no passado dia 21 de dezembro– ao anunciado fim
do mundo, cabe-nos agora tratar de prever –com raciocínios prudentes
mas mais cartesianos– o nosso futuro imediato, com base nos princípios
da geopolítica, uma disciplina que permite compreender o jogo geral das
potências e avaliar os principais riscos e perigos. Para antecipar,
como nos tabuleiros de xadrez, os movimentos de cada potencial
adversário.
Se contemplarmos, neste princípio de ano, um mapa do
planeta, imediatamente observamos vários pontos com luzes vermelhas
acesas. Quatro deles apresentam altos níveis de perigo: Europa, América
Latina, Médio Oriente e Ásia.
Na União Europeia (UE), o ano 2013 será o pior desde
que começou a crise. A austeridade como credo único e os ataques ao
Estado de bem-estar continuarão porque assim o exige a Alemanha que,
pela primeira vez na história, domina a Europa e dirige-a com mão de
ferro. Berlim não aceitará nenhuma mudança até às eleições de 22 de
setembro próximo nas quais a chanceler Angela Merkel poderá ser eleita
para um terceiro mandato.
Em Espanha, as tensões políticas aumentarão à medida
que a Generalitat de Catalunha vá precisando os termos da consulta aos
catalães sobre o futuro dessa comunidade autónoma. Processo que, de
Euskadi, os nacionalistas bascos seguirão com o maior interesse. Quanto
à situação da economia, já péssima, vai depender do que ocorra... em
Itália nas próximas eleições (a 24 de fevereiro). E das reações dos
mercados perante uma eventual vitória dos amigos do conservador Mario
Monti (que conta com o apoio de Berlim e do Vaticano) ou do candidato
de centro-esquerda Pier Luigi Bersani, melhor colocado nas sondagens.
Também dependerá das condições (sem dúvida brutais) que Bruxelas exigir
pelo resgate que Mariano Rajoy acabará por pedir. Sem falar dos
protestos que continuam a estender-se como um regueiro de gasolina e
que acabarão por dar com algum fósforo aceso... Poderão produzir-se
explosões em qualquer das sociedades da Europa do sul (Grécia,
Portugal, Itália, Espanha) exasperadas pelos constantes ataques
sociais. A UE não sairá do túnel em 2013, e tudo poderá piorar se, além
disso, os mercados decidirem atacar a França do muito moderado
socialista François Hollande (como os neoliberais lhes estão a incitar
a fazer)1.
Na América Latina, o ano 2013 também está cheio de
desafios. Em primeiro lugar na Venezuela, país que desde 1999
desempenha um papel motor nas mudanças progressistas de todo o
subcontinente. A imprevista recaída do presidente Hugo Chávez –
reeleito no passado dia 7 de outubro – cria incerteza. Ainda que o
dirigente esteja a restabelecer-se da sua nova operação contra o
cancro, não podem descartar-se novas eleições presidenciais em
fevereiro próximo. Designado por Chávez, o candidato da revolução
bolivariana seria o atual vice-presidente (equivalente a primeiro
ministro) Nicolás Maduro, um líder muito sólido com todas as
qualidades, humanas e políticas, para se impor.
Também haverá eleições, a 17 de fevereiro, no Equador:
a reeleição do presidente Rafael Correia, outro dirigente
latino-americano fundamental, oferece poucas dúvidas. Importantes
eleições ainda, a 10 de novembro, nas Honduras onde, em 28 de junho de
2009, foi derrubado Manuel Zelaya. O seu sucessor, Porfirio Lobo, não
pode candidatar-se a um segundo mandato consecutivo. Por outro lado, o
Supremo Tribunal Eleitoral autorizou a inscrição do partido Liberdade e
Refundação (LIBRE), liderado pelo ex-presidente Zelaya, que apresenta,
como candidata, a sua esposa e ex-primeira dama, Xiomara Castro.
Importantes eleições igualmente no Chile, a 17 de novembro. Aqui, a
impopularidade atual do presidente conservador Sebastián Piñera oferece
possibilidades de vitória à socialista Michelle Bachelet.
A atenção internacional também se fixará em Cuba. Por
duas razões. Porque continuam em Havana as conversações entre o Governo
colombiano e os insurgentes das FARC para tratar de pôr fim ao último
conflito armado da América Latina. E porque se esperam decisões de
Washington. Nas eleições norte-americanas do passado 6 de novembro,
Barack Obama ganhou na Flórida; obteve 75% do voto hispânico e –muito
importante– 53% do voto cubano. Resultados que dão ao Presidente, no
seu último mandato, uma ampla margem de manobra para avançar para o fim
do bloqueio económico e comercial da ilha.
Onde nada parece avançar é, uma vez mais, no Médio
Oriente. Aí encontra-se o atual foco perturbador do mundo. As revoltas
da “primavera árabe” conseguiram derrubar vários ditadores locais: Ben
Alí na Tunísia, Mubarak no Egito, Khadafi na Líbia e Saleh no Iémen.
Mas as eleições livres permitiram que partidos islamistas de cariz
reacionário (Irmandade Muçulmana) açambarcassem o poder. Agora querem,
como estamos a ver no Egito, conservá-lo a todo o custo. Para
consternação da população laica que, por ter sido a primeira a se
sublevar, se nega a aceitar essa nova forma de autoritarismo. Na
Tunísia o problema é idêntico.
Depois de terem seguido com interesse as explosões de
liberdade da primavera de 2011 nesta região, as sociedades europeias
estão de novo a desinteressar-se do que lá ocorre. Por demasiado
complicado. Um exemplo: a inextrincável guerra civil na Síria. Aí, o
que está claro é que as grandes potências ocidentais (Estados Unidos,
Reino Unido, França), aliadas a Arábia Saudita, Qatar e Turquia,
decidiram apoiar (com dinheiro, armas e instrutores) a insurgência
islamista sunita. Esta, nas diferentes frentes, não cessa de ganhar
terreno. Quanto tempo resistirá o Governo de Bachar El Assad? A sua
sorte parece traçada. Rússia e China, seus aliados diplomáticos, não
darão luz verde na ONU a um ataque da NATO como na Líbia em 2011. Mas
tanto Moscovo como Pequim consideram que a situação do regime de
Damasco é militarmente irreversível, e começaram a negociar com
Washington uma saída para o conflito que preserve os seus interesses.
Frente ao “eixo xiíta” (Hezbolah libanês, Síria,
Irão), os Estados Unidos constituíram nessa região um amplo “eixo
sunita” (desde a Turquia e Arábia Saudita até Marrocos passando por
Cairo, Tripoli e Tunísia). Objetivo: derrubar Bachar O Asad –e despojar
assim Teerão do seu grande aliado regional – antes da próxima
primavera. Porquê? Porque a 14 de junho têm lugar, no Irão, as eleições
presidenciais2.
Às quais Mahmud Ahmadinejad, o atual presidente, não se pode apresentar
pois a Constituição não permite que se exerça mais de dois mandatos. Ou
seja, durante o próximo semestre, Irão encontrar-se-á imerso em
violentas pugnas eleitorais entre os partidários de uma linha dura face
a Washington e os que defendem a via da negociação.
Face a esta situação iraniana de certo desgoverno,
Israel pelo contrário estará preparado para um eventual ataque contra
as instalações nucleares persas3.
No Estado judeu, efetivamente, as eleições gerais de 22 de janeiro
darão provavelmente a vitória à coligação ultra-conservadora que
reforçará o primeiro-ministro Benjamín Netanyahu, partidário de
bombardear o Irão, quanto antes.
Este ataque não pode ser levado a cabo sem a
participação militar dos Estados Unidos. Aceitá-lo-á Washington? É
pouco provável. Barack Obama, que toma posse a 21 de janeiro, sente-se
mais seguro após a sua reeleição. Sabe que a imensa maioria da opinião
pública norte-americana4
não deseja mais guerras. A frente do Afeganistão continua aberta. A da
Síria também. E outra poderá abrir-se no norte do Mali. O novo
secretário de Estado, John Kerry, terá a delicada missão de acalmar o
aliado israelita.
Entretanto Obama olha para a Ásia, zona prioritária
desde que Washington decidiu a reorientação estratégica da sua política
externa. Os Estados Unidos tratam de travar ali a expansão da China
cercando-a de bases militares e apoiando-se nos seus sócios
tradicionais: Japão,Coreia do Sul, Taiwan. É significativo que a
primeira viagem de Barack Obama, depois da sua reeleição em 6 de
novembro passado, tenha sido a Birmânia, Camboja e Tailândia, três
Estados da Associação de Nações do Sudeste de Ásia (ASEAN). Uma
organização que reúne os aliados de Washington na região e cuja maioria
de membros tem problemas de limites marítimos com Pequim.
Os mares da China, que designará Xi Jinping presidente
em março próximo, converteram-se nas zonas de maior potencial de
conflito armado da área Ásia-Pacífico. As tensões de Pequim com Tóquio,
a propósito da soberania das ilhas Senkaku (Diaoyú para os chineses),
poderão agravar-se após a vitória eleitoral, no passado dia 16 de
dezembro, do Partido Liberal-Democrata (PLD) cujo líder e novo
primeiro-ministro, Shinzo Abe, é um “falcão” nacionalista, conhecido
pelas suas críticas à China. Também a disputa com o Vietname sobre a
propriedade das ilhas Spratley está a subir perigosamente de tom.
Sobretudo após as autoridades vietnamitas terem colocado oficialmente,
em junho passado, o arquipélago sob a sua soberania.
A China está a modernizar rapidamente a sua armada. No
passado dia 25 de setembro lançou o seu primeiro porta-aviões, o
Liaoning, com a intenção de intimidar os seus vizinhos. Pequim suporta
cada vez menos a presença militar dos Estados Unidos na Ásia. Entre os
dois gigantes, está a instalar-se uma perigosa “desconfiança
estratégica”5 que, sem lugar a dúvidas, vai marcar a política internacional do século XXI.
Artigo de Ignacio Ramonet disponível em monde-diplomatique.es. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
1 Leia-se o dossier “France and the euro. The time-bomb at the heart of Europe”, The Economist, Londres, 17 de novembro de 2012.
2
NoIrão, o presidente não é o chefe de Estado. O chefe de Estado é o
Guia Supremo, escolhido para a vida, e cuja função é exercida
atualmente por Alí Khamenei.
3 Leia-se, Ignacio Ramonet, “El año de todos los peligros”, Le Monde diplomatique en español,fevereiro de 2012.
4 The New York Times, Nueva York, 12 de novembro de 2012.
5
Leia-se Wang Jisi e Kenneth G. Lieberthal, “Adressing U.S.-China
Strategic Distrust”, Brookings Institution, 30 de março de 2012. www.brookings.edu/research/papers/2012/03/30-us-china-lieberthal
Nenhum comentário:
Postar um comentário