Documento levanta suspeita de relação da Fiesp e consulado dos EUA com repressão
Audiência pública na Assembleia Legislativa vai discutir suposta presença de integrantes da entidade empresarial e do corpo consular americano em centro de interrogatórios e torturas
Ivan Seixas: “Quando torturavam no terceiro andar, o prédio inteiro ouvia e a redondeza também” (Foto: Fora do Eixo/Lino Bocchini) |
Os registros de movimento de pessoal no Dops, parciais, vão de 1971 a 1973. Entre os nomes, alguns bastante conhecidos, como os dos delegados Sérgio Paranhos Fleury e Romeu Tuma, além de militares, investigadores, autoridades, jornalistas e várias pessoas que tinham seus nomes anotados nos livros. Alguns têm só o horário de entrada. No caso do nome de Geraldo Resende (ou Rezende) de Matos, identificado como "Fiesp", há dias com horários pouco usuais para uma visita. Em 24 de fevereiro de 1972, uma quinta-feira, por exemplo, ele entra às 18h35 e sai às 6h45 da manhã seguinte. Na sexta 25, entra às 18h20 e sai às 12h35 do sábado.
Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, Ivan Seixas destaca a data de 5 de abril de 1971, uma segunda-feira. Nesse dia, Claris Rowley Halliwell, identificado como representante diplomático norte-americano, entra às 12h40, cinco minutos depois da chegada de Ênio Pimentel Silveira, o “capitão Ênio”, apontado como torturador pelos órgãos de direitos humanos e conhecido pela alcunha de “Doutor Ney”. À 1h30 do mesmo dia, Devanir José de Carvalho, o “Comandante Henrique”, do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), havia sido capturado, e por volta das 11h “começava a ser barbaramente torturado” no local, conforme lembra Ivan Seixas, um ex-militante do MRT. Devanir morreu após dois dias de torturas.
Naquele 5 de abril, tanto o “capitão Ênio” como a pessoa que se registra como “Consulado Americano” têm horários de entrada (imagem abaixo), mas não de saída.
Nos documentos obtidos pela Comissão da Verdade, o capitão (que foi encontrado morto em 1986) aparece 51 vezes nos registros, sendo 23 sem horário de saída. A pessoa que assina “Fiesp” aparece 45 vezes, sete só com horário de entrada. E o possível representante do consulado faz 34 “visitas” ao local, também em sete com horário de saída desconhecido.
As torturas no prédio do Dops não eram algo que se podia ocultar, conta Ivan. “Quando torturavam no terceiro andar, o prédio inteiro ouvia e a redondeza também”, lembra. Ele mesmo esteve lá duas vezes, em 1971 e 1972. Para o diretor do Núcleo de Memória, os documentos obtidos no Arquivo Público talvez possam comprovar uma antiga suspeita sobre a participação de empresários e norte-americanos em ações da ditadura. “Queremos saber quem eram eles e o que faziam lá (na sede do Dops)”, afirma.
Pode-se também abrir uma nova linha de investigação. O presidente da Comissão da Verdade paulista, deputado Adriano Diogo (PT-SP), observa que existem hoje duas abordagens: o financiamento de empresas à repressão e a perseguição a trabalhadores, por meio das chamadas "listas negras", para que as pessoas identificadas não conseguissem mais emprego.
A Fiesp divulgou nota na qual "esclarece que o nome de Geraldo Resende de Matos não consta dos registros como membro da diretoria ou funcionário da entidade".
"É importante lembrar que a atuação da Fiesp tem se pautado pela defesa da democracia e do Estado de Direito, e pelo desenvolvimento do Brasil. Eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados", acrescenta a entidade.
A audiência pública do dia 18 está marcada para as 14h, no auditório Paulo Kobayashi da Assembleia.
Vitor NuzziNo Rede Brasil Atual
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