O desafio de escrever sem ir aonde o povo está
Todo artista tem de ir aonde o povo está (verso da música "Nos Bailes da Vida", de Milton Nascimento).
"Você tem de viajar mais pelo Brasil", aconselhou-me o velho amigo fotógrafo e editor Hélio Campos Mello, antes de começar a reunião de pauta da revista "Brasileiros", onde também trabalho, na última terça-feira.
Parceiros de incontáveis reportagens pelos fundões do país publicadas em diversos veículos, desde o final dos anos 70 do século passado, Hélio e eu sempre procuramos mostrar a vida real e os personagens que não estão na mídia. Por isso, ele estava preocupado com meu pessimismo de uns tempos para cá. Sempre brigamos muito, mas num ponto nunca discordamos: nossa imprensa, em seu partidarismo, acaba não mostrando a realidade em que vivem os brasileiros.
Neste caso, Hélio tem toda razão. Mesmo sendo o criador e editor responsável pela revista de reportagens que este mês completa seis anos nas bancas, nunca deixou de viajar para ver de perto o que está acontecendo e contar em imagens e textos sua própria visão dos fatos. Por isso, continua sendo um otimista inveterado, sempre descobrindo coisas boas mesmo em momentos e situações de dificuldades como os que estamos vivendo nesta antevéspera de Copa do Mundo no Brasil.
Comigo acontece exatamente o contrário: imobilizado ao sofrer uma queda na rua no final de janeiro, que moeu meu cotovelo direito, ainda em tratamento, sem poder viajar para lugar nenhum, de repórter de rua, que sempre fui, virei comentarista sedentário, comendo pelas mãos dos outros, ou seja, no que leio e vejo na grande mídia, como quase todo mundo, aliás, e ouço nas conversas pelos quarteirões próximos ao meu prédio.
Na solidão do meu escritório em casa, fazendo exatamente o que sempre critiquei nos meus colegas jornalistas, sem poder ir aonde o povo está, acabo ficando desesperançado diante do avanço do noticiário negativo, me perguntando todo dia se vale mesmo a pena escrever sobre tantas desgraças sem ver uma luz no horizonte. Não é só artista, como diz o Milton em sua bela canção, que foi uma espécie de hino na Campanha das Diretas, mas nós jornalistas também deveríamos seguir seu conselho e tirar a bunda da cadeira.
Por morar atualmente no Jardim Paulista, o reduto mais conservador e tucano da cidade, encontro muita gente de mau humor, reclamando de tudo, só metendo o pau no governo, nos vizinhos, no trânsito, dos motoristas de táxi a grandes empresários, e é claro que o que escrevo acaba sendo influenciado por tudo isso porque, como sabemos, nenhum homem é uma ilha.
Leitores mais antigos do Balaio, que costumavam elogiar meu trabalho no blog, agora cada vez mais me criticam por entrar na pilha do catastrofismo da imprensa grande _ e os leitores geralmente costumam ter razão, como escrevi logo na apresentação deste espaço, seis anos atrás. Não mudei uma vírgula no que penso, continuo achando que não podemos brigar com os fatos, por mais que eles nos desagradem, mas reconheço que não é possível nada estar acontecendo de bom neste nosso país de 200 milhões de habitantes, 8,5 milhões de quilômetros quadrados, sétima economia do mundo.
De outro lado, por mais que eu seja são-paulino, não posso negar que o time está jogando muito mal, o elenco não convence, a diretoria pisa na bola e o técnico já viveu dias melhores, até porque isso não vai influenciar no resultado do jogo. Não adianta nada, como estamos cansados de saber, culpar os adversários e reclamar da imprensa corintiana.
Contribui para isso também, como acontece com outros jornalistas do cotidiano, que não fazem parte do exército do Instituto Millenium, a falta de informações e argumentos do governo para fazer o contraponto a este verdadeiro massacre de más notícias, já que secaram as minhas fontes no Palácio do Planalto, e ninguém quer mais falar, nem mesmo em off, para defender o governo e mostrar o chamado outro lado da realidade.
Limitam-se a me mandar a agenda e os discursos da presidente Dilma Rousseff. Assim fica difícil mudar o disco das CPIs, pesquisas, bate-bocas eleitorais, protestos, obras inacabadas e superfaturadas, greves, denúncias, inflação, violência incontrolada e nuvens negras em geral que nos tiram o sol.
Em sua carta do editor na edição de abril, o valente e indestrutível Hélio Campos Mello, apenas um dia mais novo do que eu, mas muito mais disposto para enfrentar esta guerra de extermínio movida contra quem pensa diferente, foi buscar até uma palavra em alemão para qualificar a turma do quanto pior, melhor:
"Na Alemanha, há uma palavra que sintetiza esse tipo de maldade doentia. É schadenfreude, que significa alegria com a tragédia alheia. O prazer no insucesso dos outros". Na mesma linha, lembra o editor, os argentinos têm um ditado que diz: "No basta ser feliz, es necessário también que los demás sean desgraciados".
Como já brincava Tom Jobim, o sucesso dos outros no Brasil parece uma ofensa pessoal. É preciso tudo dar errado, que o fracasso seja total, para não faltarem manchetes nos jornais de amanhã.
"A cabeça pensa e o coração sente de acordo com o chão onde a gente pisa", repetia sempre, em seus discursos pelo país afora, outro amigo dos tempos antigos, o ex-presidente Lula, para explicar porque viajava tanto.
Assim que puder voltar a viajar, prometo trazer para vocês notícias sobre um outro país, também chamado Brasil, onde não faltam boas histórias. Também preciso delas.
"Você tem de viajar mais pelo Brasil", aconselhou-me o velho amigo fotógrafo e editor Hélio Campos Mello, antes de começar a reunião de pauta da revista "Brasileiros", onde também trabalho, na última terça-feira.
Parceiros de incontáveis reportagens pelos fundões do país publicadas em diversos veículos, desde o final dos anos 70 do século passado, Hélio e eu sempre procuramos mostrar a vida real e os personagens que não estão na mídia. Por isso, ele estava preocupado com meu pessimismo de uns tempos para cá. Sempre brigamos muito, mas num ponto nunca discordamos: nossa imprensa, em seu partidarismo, acaba não mostrando a realidade em que vivem os brasileiros.
Neste caso, Hélio tem toda razão. Mesmo sendo o criador e editor responsável pela revista de reportagens que este mês completa seis anos nas bancas, nunca deixou de viajar para ver de perto o que está acontecendo e contar em imagens e textos sua própria visão dos fatos. Por isso, continua sendo um otimista inveterado, sempre descobrindo coisas boas mesmo em momentos e situações de dificuldades como os que estamos vivendo nesta antevéspera de Copa do Mundo no Brasil.
Comigo acontece exatamente o contrário: imobilizado ao sofrer uma queda na rua no final de janeiro, que moeu meu cotovelo direito, ainda em tratamento, sem poder viajar para lugar nenhum, de repórter de rua, que sempre fui, virei comentarista sedentário, comendo pelas mãos dos outros, ou seja, no que leio e vejo na grande mídia, como quase todo mundo, aliás, e ouço nas conversas pelos quarteirões próximos ao meu prédio.
Na solidão do meu escritório em casa, fazendo exatamente o que sempre critiquei nos meus colegas jornalistas, sem poder ir aonde o povo está, acabo ficando desesperançado diante do avanço do noticiário negativo, me perguntando todo dia se vale mesmo a pena escrever sobre tantas desgraças sem ver uma luz no horizonte. Não é só artista, como diz o Milton em sua bela canção, que foi uma espécie de hino na Campanha das Diretas, mas nós jornalistas também deveríamos seguir seu conselho e tirar a bunda da cadeira.
Por morar atualmente no Jardim Paulista, o reduto mais conservador e tucano da cidade, encontro muita gente de mau humor, reclamando de tudo, só metendo o pau no governo, nos vizinhos, no trânsito, dos motoristas de táxi a grandes empresários, e é claro que o que escrevo acaba sendo influenciado por tudo isso porque, como sabemos, nenhum homem é uma ilha.
Leitores mais antigos do Balaio, que costumavam elogiar meu trabalho no blog, agora cada vez mais me criticam por entrar na pilha do catastrofismo da imprensa grande _ e os leitores geralmente costumam ter razão, como escrevi logo na apresentação deste espaço, seis anos atrás. Não mudei uma vírgula no que penso, continuo achando que não podemos brigar com os fatos, por mais que eles nos desagradem, mas reconheço que não é possível nada estar acontecendo de bom neste nosso país de 200 milhões de habitantes, 8,5 milhões de quilômetros quadrados, sétima economia do mundo.
De outro lado, por mais que eu seja são-paulino, não posso negar que o time está jogando muito mal, o elenco não convence, a diretoria pisa na bola e o técnico já viveu dias melhores, até porque isso não vai influenciar no resultado do jogo. Não adianta nada, como estamos cansados de saber, culpar os adversários e reclamar da imprensa corintiana.
Contribui para isso também, como acontece com outros jornalistas do cotidiano, que não fazem parte do exército do Instituto Millenium, a falta de informações e argumentos do governo para fazer o contraponto a este verdadeiro massacre de más notícias, já que secaram as minhas fontes no Palácio do Planalto, e ninguém quer mais falar, nem mesmo em off, para defender o governo e mostrar o chamado outro lado da realidade.
Limitam-se a me mandar a agenda e os discursos da presidente Dilma Rousseff. Assim fica difícil mudar o disco das CPIs, pesquisas, bate-bocas eleitorais, protestos, obras inacabadas e superfaturadas, greves, denúncias, inflação, violência incontrolada e nuvens negras em geral que nos tiram o sol.
Em sua carta do editor na edição de abril, o valente e indestrutível Hélio Campos Mello, apenas um dia mais novo do que eu, mas muito mais disposto para enfrentar esta guerra de extermínio movida contra quem pensa diferente, foi buscar até uma palavra em alemão para qualificar a turma do quanto pior, melhor:
"Na Alemanha, há uma palavra que sintetiza esse tipo de maldade doentia. É schadenfreude, que significa alegria com a tragédia alheia. O prazer no insucesso dos outros". Na mesma linha, lembra o editor, os argentinos têm um ditado que diz: "No basta ser feliz, es necessário también que los demás sean desgraciados".
Como já brincava Tom Jobim, o sucesso dos outros no Brasil parece uma ofensa pessoal. É preciso tudo dar errado, que o fracasso seja total, para não faltarem manchetes nos jornais de amanhã.
"A cabeça pensa e o coração sente de acordo com o chão onde a gente pisa", repetia sempre, em seus discursos pelo país afora, outro amigo dos tempos antigos, o ex-presidente Lula, para explicar porque viajava tanto.
Assim que puder voltar a viajar, prometo trazer para vocês notícias sobre um outro país, também chamado Brasil, onde não faltam boas histórias. Também preciso delas.
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