Petróleo: a cilada conservadora e o problema real
Líder da luta em defesa da Petrobras
sustenta: CPI visa enfraquecer empresa, para favorecer estrangeiras.
Erro do governo são leilões do Pré-Sal
Entrevista de Fernando Siqueira para Causa Operária
Há pelo menos vinte anos, Fernando
Siqueira é personagem de relevo na defesa do petróleo brasileiro.
Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, durante o governo
FHC, ajudou a coordenar a resistência contra o esvaziamento da empresa e
os leilões dos campos nacionais de óleo. Descoberto o Pré-Sal, no final
do governo Lula, bateu-se para que sua imensa riqueza não fosse
explorada por transnacionais (como sugeria a legislação em vigor), e sim
pela empresa brasileira. Esta luta foi, em parte, vitoriosa — embora o
avanço pudesse ser maior.
À grande capacidade de mobilização,
Siqueira soma profundo conhecimento sobre o setor de petróleo. Não é um
agitador vazio. Estuda e conhece as tendências da exploração no mundo;
sua geopolítica e interesses; seus limites ambientais; a necessidade de
substituir, tão rapidamente quanto possível, os combustíveis fósseis por
outros, mais limpos.
A longa entrevista abaixo merece ser lida
com atenção por quem deseje conhecer o assunto em profundidade. Seu
mote é a CPI proposta pelos partidos conservadores para investigar a
Petrobras. Fernando argumenta, com riqueza de dados: não se trata de
iniciativa para defender a empresa, mas para desmoralizá-la e, em
seguida, tolher sua presença no Pré-Sal.
Em contrapartida, Fernando é ácido num
ponto que revela os limites do governo Dilma — e que a oposição,
sintomaticamente, não se dispõe a explorar. Por que manter, ainda que em
novas condições, os leilões do petróleo brasileiro? Caso fossem
apropriados pela sociedade, os recursos do Pré-Sal — diz o engenheiro —
poderiam impulsionar, por exemplo, uma revolução nos serviços públicos.
Que lógica há em tratá-los como mera mercadoria? Nos parágrafos a
seguir, além de debater CPI e Petrobras, Fernando expõe, com
profundidade e didatismo, um cenário sobre a situação dos combustíveis
fósseis, no país e no mundo (A.M.)
Qual é a sua opinião sobre a CPI da Petrobras, que congressistas, ligados principalmente à direita, estão tentando aprovar?
Fernando Siqueira: São dois
interesses em jogo, o primeiro é o da oposição que quer sangrar o
governo e também atacar a Petrobras que é uma forma de aparecer. O outro
interesse ainda maior é o do cartel internacional que quer também
enfraquecer a Petrobras porque eles querem o pré-sal.
Esse cartel que já teve 90% do controle das
reservas mundiais agora tem menos de 5%, portanto, está na iminência de
desaparecer. E são as maiores empresas do mundo. Então, o cartel quer
realmente tirar a Petrobras do caminho para poder ficar com o pré-sal. E
veja que já estão falando no leilão do Campo de Franco que é um Campo
que a Petrobras comprou do governo para a produção.
A oposição quer que o governo fique na
defensiva e eles, politicamente, vão se fortalecer com isso. E o cartel,
os EUA, a Inglaterra, que tem avanços muito pequenos e estão numa
insegurança energética brutal, querem o petróleo brasileiro porque o
petróleo é hoje a principal fonte de fornecimento do progresso
norte-americano, inglês, europeu, e asiático. Todos eles estão sem
reservas.
Eu tenho um slide que eu tirei da Agência
Internacional de Informações Energéticas Americana, que diz que em 2040
os EUA produzirão 1/3 do seu consumo, e dentro dessa produção tem óleo e
gás convencional, óleo e gás da recuperação dos campos antigos, e tem o
shale gas, ou o gás de xisto que foi decantado como uma
maravilha e que os EUA se transformaria na Arábia Saudita etc. etc. Eu
desde o começo estou dizendo que isso não existe, que é uma propaganda
para sair do sufoco. O gráfico que eu consegui diz claramente que 2040 a
produção norte-americana vai ter 1/3 do seu consumo e o gás de xisto
vai ser um 1/3 desta produção.
Portanto, em 2040 o gás de xisto vai será o
responsável por apenas 1/6 do que os EUA consomem. Então, se os EUA em
2040 irão produzir 1/3, terão de importar 2/3 do que consomem.
Provavelmente, considerando os aumentos de consumo etc., os EUA que
consomem dois milhões de barris por dia podem passar a consumir 27
milhões em 2040. Se consomem 27, produzem nove, terão de importar 18
milhões de barris por dia. 18 milhões por dia, a 100 dólares o barril
vai dar um trilhão e 800 por ano. Isso daria um impacto financeiro
imenso e mais necessidade de garantir essas reservas.
Então como o lutam pelo controle do Oriente
Médio, já controlam a Arábia Saudita, tentaram controlar o Irã,
invadiram o Iraque… na América Latina reativaram a 4° Frota Naval e
colocaram aqui no Atlântico Sul. Para quê?
Segundo o Bush, para dar garantia, proteger o
Atlântico sul. Mas aqui já tem o Brasil e a Argentina. No entanto, a
Argentina já tinha nacionalizado o seu petróleo… então essa 4° Frota
Naval colocada no Atlântico Sul ferindo a soberania brasileira e
argentina, é para pressionar o governo brasileiro para entregar nosso
petróleo. É uma estratégia de guerra de intimidação como sempre os EUA
fazem com os países que têm petróleo.
Toda essa campanha, por exemplo, essa
refinaria que foi denunciada, nós da AEPET como conselheiros [na
diretoria da empresa] em 2012 já havíamos denunciado e não houve tanta
consequência. Porque o [Sérgio] Gabrielli que foi o presidente da
Petrobras na época foi ao senado e mostrou que era um bom negócio,
porque é uma refinaria estrategicamente bem colocada nos EUA. A ideia
era a Petrobras vender o óleo de Marlim [na Bacia de Campos-RJ], para lá
e refinar. O que seria muito melhor do que exportar petróleo bruto.
Mas o Jorge Gerdau e o Fábio Colete Barbosa —
um é presidente do grupo Gerdal, o outro foi presidente da Febraban
[Federação Brasileira de Bancos] hoje está na editora Abril, se não me
engano — disseram ter lido [o contrato de compra de Passadena] e que era
um bom negócio, que era parte do plano estratégico da Petrobras; era um
negocio bom porque a refinaria é em Houston, centro petroleiro dos EUA.
Então como o negócio era bom e tinha o
parecer do Citybank etc. acabou aprovado. O que o presidente da AEPET
denunciou foi que o preço inicial era muito alto [exatamente o que está
falando agora a imprensa].
A Astra Oil [empresa belga] comprou por 42
milhões e vendeu metade para a Petrobras por 360 milhões. Só que agora a
gente está descobrindo que na realidade não foi 360, foi 190 milhões
sendo que 170 era produto, era matéria prima, era petróleo que tinha
dentro da refinaria que depois foi vendido. Mas mesmo assim se suspeita
que tenha tido um preço maior do que o correto. Silvio [Sinedino], nosso
presidente, denunciou para que a Petrobras tivesse uma sindicância.
Mas em 2012 o presidente do Conselho de
Administração era o Guido Mantega, e ele não quis nada. Achou melhor
mudar de assunto e não levou adiante. Lamentavelmente. Porque nós temos
todo o interesse que qualquer coisa, qualquer denúncia contra a
Petrobras seja apurada.
Nós temos lutado pela transparência da
empresa porque infelizmente ela é aparelhada por partidos da base
governamental. Então nós temos todo interesse na transparência para que
seja tudo feito com a maior lisura possível. Mas infelizmente o Guido
Mantega não tomou providência nenhuma. O assunto, depois que o Gabrielli
foi ao Congresso e mostrou, não a Petrobras, mas o ex-presidente da
Petrobras que foi lá defender o acordo, parece que ele convenceu e o
assunto morreu.
Então seja como for os senadores deram o aval…
O assunto ficou esquecido e agora o Estadão
resolveu levantar novamente com esses dois objetivos. Primeiro, a
oposição faturar em cima da Dilma e o cartel internacional fazer sangrar
a Petrobras.
A gente acha que o investigador mais
confiável Ministério Público. E o MP está realmente investigando o
processo. Então essa CPI é questão de palanque eleitoral. A CPI
infelizmente é uma instituição que foi criada com um ótimo objetivo, mas
que está sendo deturpada na prática com interesses eleitoreiros etc.
O que está por trás das transações e das perdas relacionadas com a refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos?
Eu acho que as perdas não foram essas que estão falando. Inclusive o jornal Estadão deturpou
a declaração do presidente da Astra, que disse mais ou menos o
seguinte: “considerando que os furacões e as intempéries estão
atrapalhando a produção das refinarias, e considerando que o consumo
está aumentando (isso foi dito em 2007), a compra dessa refinaria era o
negócio do século”.
E aí o Estadão pegou essa parte
final e disse que a venda para a Petrobras foi o negócio do século.
Vejam como a mídia manipula. O presidente da Astra disse que “a compra
foi o negocio do século” porque foi no momento certo. E o Estadão colocou
a fala dele como se fosse “a venda para a Petrobras”. Então há muita
manipulação de números nessa compra e eu acho que em relação à entrega
pelo governo do Campo de Libra isso aí não é nada.
Porque, o que o governo vem fazendo? O
governo vem obrigando a Petrobras a comprar combustível, por exemplo,
gasolina a R$ 1,72 o litro e vender para sua concorrente por R$ 1,42
para que elas não aumentem o preço ao consumidor, para não aumentar a
inflação. Então a Petrobras vem perdendo 8 bilhões de reais por ano com
essa obrigação absurda que prejudica seus acionistas, principalmente o
próprio governo.
Porque na medida em que a Petrobras perde
dinheiro e dá subsidio a seus concorrentes, e o preço da gasolina não
aumenta; o consumo aumenta, em detrimento do álcool, então a indústria
sucro-alcooleira está perdendo produção, perdendo 100 mil empregos desde
que esse processo começou. O governo está perdendo uma media de 30
milhões por ano, a Petrobras está perdendo 22 bilhões desde que esse
processo começou, o que é mais do que ela poderia pagar pelo Campo de
Libra; o governo reduziu a zero a CIT, Contribuição por Transportes; e
entregou para o cartel internacional 60% do maior campo do pré-sal do
mundo que é o Campo de Libra.
A Petrobras havia comprado do governo pela
cessão onerosa. Foram sete campos. Furou o primeiro, o Franco, e achou
10 milhões de barris, era para achar três. E furou o campo de Libra e
achou 15 milhões de barris. Então, nesses sete blocos que comprou do
governo achando que seria uma reserva de 5 milhões, achou nos dois
primeiros 25 milhões de barris.
Pela lei o que se deve fazer é negociar com a
Petrobras a diferença. Porque o artigo segundo da lei de petróleo diz o
seguinte: “áreas estratégicas são aquelas que têm baixo risco e alta
produtividade”. Esses dois campos têm risco zero porque já foram
descobertos. Aí o artigo 12 da lei diz: “áreas estratégicas tem que ser
negociadas com a Petrobras”. Então, por lei, o governo tinha que
negociar com um contrato partilha com a Petrobras.
O governo tirou o campo de Libra da Petrobras
— que é uma estrutura contigua– e fez um leilão. Um leilão fajuto
porque não teve concorrência. O único grupo ganhou o leilão, e 60% do
campo foi para o exterior. 40% para a Shell Total que é uma empresa
única e 20% para uma empresa chinesa CNOOC e CNPC, que é uma empresa que
se relaciona com a Shell. Tirou-se do povo brasileiro 60% do maior
campo de petróleo do pré-sal.
Isso que é um escândalo. Isso que tinha que
repercutir na mídia. Mas ao invés disso, a Rede Globo fez uma reportagem
no Jornal Nacional, com umas contas para dizer, enganar o povo
brasileiro, dizendo que o Brasil ia ficar com 85% do campo de Libra. Uma
mentira deslavada. Eu faço a mesma conta e chego a 40%, por quê? Porque
eles manipularam. É fácil fazer as contas, mas um pouco complicado de
explicar. Eu vou tentar.
Por exemplo, o imposto não incide sobre o óleo total. E eles colocam lá 18% de imposto.
Nas contas, o imposto de renda e outros
incidem sobre o lucro da empresa, que é 20 e pouco por cento do petróleo
produzido. Então, de 18% de 20 dá 5%. Não sei se ficou claro, mas
aplicam o percentual na base de cálculo errada.
Da mesma maneira que falam que os 41,65% que
foi o percentual mínimo que por lei tem de ser estabelecido, não se
aplica sobre o petróleo produzido, e sim sobre a parte que cabe à
concessionária, a empresa produtora.
E esse valor não é 41,65%, e sim 18%. É
complicado para explicar, mas resumindo, ao invés de você ter 18% de
impostos, você tem 4,5% ou 5,4%; ao invés de ter 41,65%, do total
produzido, tem na verdade tem 18,4%. Fazendo essas contas não se chega a
85% como disse a Dilma Rousseff e como tentou mostrar a Globo. Chega-se
a 40%. Então, o Brasil vai ficar com 40%.
Aliás, não tem nenhuma razão para acreditar
que os estrangeiros compraram 60% do campo de Libra e vão levar só 15%
deixando 85% para o País. Não tem sentido. Não cabe na cabeça de ninguém
que os gringos que pressionaram o governo para entregar esse campo, que
iam comprar 60% e levar 15%.
Por que o governo encaminhou o leilão do mega-campo Libra, do Pré-Sal, por apenas US$ 20 bilhões?
Foi pressão. No ano de 2013, o ano de leilão,
aconteceu um seminário internacional no Riocentro em que o assunto
preponderante foi a questão dos leilões. No final desse seminário, o
[ministro de Minas e Energia Edison] Lobão foi lá e declarou aberto o
décimo primeiro leilão de Libra e depois o leilão do gás de Xisto, três
leilões no ano.
Antes do congresso, que foi em fevereiro de
2013, teve o encontro da Dilma com Barack Obama, em que a Dilma fez o
acordo sobre o pré-sal. Esse acordo foi assinado e não foi divulgado.
Mas teve um acerto sobre o pré-sal em 2011. Em 2013 veio o
vice-presidente EUA falar com a Dilma e a Graça Foster [presidente da
Petrobras]. Pouco depois a Dilma anunciou o leilão do campo de Libra.
Eu sinto que houve pressão.
Reativaram a quarta-frota naval no Atlântico
sul para pressionar. Mas deve ter aí no meio financiamento de campanha
eleitoral. Além da pressão do governo dos EUA, deve ter um acerto para
financiamento de campanha eleitoral, já que o escândalo todo do mensalão
dificultou as empresas nacionais de financiarem as campanhas.
E o PCdoB, que era um partido
ultra-nacionalista, quando assumiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP),
quando o Haroldo Lima assumiu a ANP ele, que era contra os leilões,
passou a ser um defensor dos leilões, dando uma guinada de 180 graus — e
passou a fazer leilões. Até as bases do partido são contra isso, mas as
cúpulas… não há um deles que seja contra a entrega do nosso petróleo.
Agora o governo está encaminhando o leilão do campo de Franco. Qual é o objetivo de leiloar campos que a Petrobras já mapeou?
É inclusive ilegal. Os dois campos foram
entregues à Petrobras por conta da capitalização dela que o Lula fez. O
Lula trouxe avanços grandes. Fez a lei de partilha. Colocou a Petrobras
como operadora única do pré-sal. E fez esse processo de capitalização
que consistiu em dar a ela sete blocos, pelos quais a Petrobras pagou 84
milhões.
Aí ela furou o primeiro campo que foi o
Franco que era previsto ter 3 bilhões e encontrou reservas 10 bilhões de
barris; e quando furou Libra que era previsto ter 5, achou 15 bilhões. E
tem outro que ela furou e achou 1 bilhão. Ou seja, só nesses três
campos ela encontrou 26 bilhões de barris. Então pela lei, artigo 2 e
artigo 12 da Lei 12351/2010, o governo tinha que negociar com a
Petrobras os acréscimos, o excedente dos 5 bilhões previstos
inicialmente, mas o governo não só tomou o campo de Libra e leiloou, num
leilão fajuto que entregou ao exterior 60% de Libra, como agora está
pensando em tomar o excedente de Franco e leiloar também. É um
entreguismo que chega às raias de crime de lesa pátria.
A Petrobras comprou esses campos, descobriu
os campos, ou seja, não só mapeou como perfurou e achou, e é até bom que
eu lhe diga que, lembrando aqui, que a Shell furou o campo de Libra até
4 mil e 200 metros e devolveu como um campo seco para a ANP. Então, se
não fosse a Petrobras acreditar na sua capacidade, experiência,
especialidade e competência, o campo de Libra não teria sido descoberto.
Porque a Shell furou e desistiu. Aí vem o governo, toma o campo da
Petrobras e entrega 60%.
Porque o governo estrangulou a Petrobras
financeiramente, obrigando a importar gasolina e vender aos concorrentes
mais barato. Com isso a Petrobras está perdendo a cada ano 8 bilhões.
Ou seja, em dois anos poderia comprar o campo de Libra se não estivesse
sendo feita essa contenção. Dava para comprar Libra 5 vezes,
considerando aquele valor que o governo estipulou de 15 bilhões. A parte
de refino está perdendo mais de 10 milhões por ano.
Então existe aí um cartel internacional, que foi até denunciado pelo WikiLeaks. Os telegramas publicados pelo WikiLeaks mostram
que o cartel atuou no Congresso contra a Lei de Partilha, e atua
permanentemente. É o cartel formado pelo Instituto Brasileiro de
Petróleo (IBP), que é presidido pelo ex-presidente da Repsol, que na
época era presidente da Repsol. Esse instituto que não é brasileiro
coisa nenhuma.
Como ficou o marco regulatório do Pré-Sal após as pressões do IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo)?
O governo fez as mudanças, mas quem atuou
contra foi o IBP. Quando o pré-sal foi descoberto os diretores da
Petrobras foram relatar para a presidência a magnitude do campo. Eles
estavam empolgadíssimos e queriam mostrar ao presidente que foi
descoberto uma província que é do tamanho das reservas do Iraque. Uma
reserva de 100 bilhões, podendo chegar a 300 bilhões de barris. O Iraque
tem 120. O Brasil tinha 14 milhões de barris e descobriu 100 de
repente.
Então foi avisado de que a lei da concessão
que estava aí era muito ruim, porque quem produzia fica com todo
petróleo. Foi feito, então, um grupo de trabalho interministerial. Esse
grupo era para trabalhar seis meses e acabou trabalhando um ano e meio
porque a pressão do cartel e do IBP era muito grande. E tudo que o
[ministro Lobão] anunciava de melhoria, no dia seguinte os jornais caiam
de pau e a coisa não andava.
Depois de um ano e meio apresentaram quatro
projetos no Congresso Nacional: o Fundo Social, lei de Partilha,
Capitalização (esse que a Petrobras comprou blocos), e criação da
Pre-Sal Petróleo S.A. Quatro projetos que acabaram se reduzindo para
três porque se fundiu a Partilha com Fundo Social.
Aí vários grupos atuaram no congresso, e
conseguiram poucos avanços, mas conseguiu alguma emenda. O Pedro Simo,
fez uma emenda atendendo um pedido meu, mas enfim, teve uma controversa
imensa e no fim se conseguiu aprovar um projeto que não teve os avanços
que a gente queria, mas teve avanços bons, quais sejam: a Petrobras ser a
única operadora do pré-sal e o contrato de partilha em que a
propriedade do petróleo volta a ser a União e a União remunera os custos
da produção em petróleo. Foram avanços que o cartel não se conforma. É
uma das razões.
A partir daí a Petrobras sofreu mais ataques
de todos os lados. O cartel não gostou e começou a fazer uma campanha
para desqualificar e desmerecer a Petrobras. Diz que não tem recursos,
tecnologia. Então qualquer denúncia vira uma coisa brutal. Agora, o
governo tirar dela oito bilhões por ano com essa obrigação de comprar
combustível e vender mais barato; tirar dela as condições de ficar com o
Campo de Libra que já era dela, e entregar 60% desse Campo para as
multinacionais, isso a mídia não fala. Isso a mídia esquece.
Passadena talvez se tenha perdido 50 ou 100
milhões de dólares, mas o Campo de Libra é um trilhão e meio de dólares…
isso é que é um escândalo. 100 milhões de dólares na frente de um
trilhão e meio não é nada. Mas a mídia não fala, não ataca, fica
quietinha. Inclusive a Globo mostra na televisão umas contas falsas para
dizer que o Brasil vai ficar com 85% do campo o que é uma grande
mentira.
O fundo dessa campanha toda, é
desestabilizar, desmoralizar a Petrobras, e os partidos de oposição
tentar enfraquecer o governo Dilma que criou um retrocesso enorme.
Porque o Lula conseguiu recuperar uma boa parte da soberania… que não
foram os avanços que a gente gostaria, mas foram avanços. E a Dilma está
derrubando isso tudo. Ela fez um edital para o campo de Libra que é
criminoso. E pode ser que faça em Franco. Ela praticamente anulou os
avanços de Lula nos contratos de Libra.
Há alguma mudança prevista para o marco regulatório, qual a situação neste momento?
Existe uma pressão grande. Todo dia na mídia
se ouve dizer que a Petrobras está assoberbada, que tem que tirá-la
desse encargo de ser operadora única. Há uma pressão violenta para mudar
isso.
Porque embora a Petrobras como operadora
única não seja a solução ideal, melhora num aspecto fundamental, que é o
seguinte: na produção mundial de petróleo há duas fontes de corrupção.
Quais são, primeiro superdimensionar os custos de produção. Considerando
que o produtor recebe da União em petróleo, quer dizer, ele gasta 40
dólares por barril para produzir Libra (é o estimado) aí o governo dá a
ele em petróleo esse valor.
Se o petróleo tiver a 100 dólares e ele gasta
40 dólares para produzir o barril, ele vai receber 40 barris em cada
100 produzidos. Vai receber 40% da produção em petróleo. Como o produtor
recebe o que ele gasta em petróleo, ele tenta superdimensionar os
gastos. Compra uma plataforma por 1 bilhão de dólares, e vai tentar
dizer que gastou 1 bilhão e meio. Para receber em petróleo. Aí, se o
governo não tiver uma fiscalização grande… Se for a Petrobras como
operadora única dificulta a manipulação.
Por isso não querem a Petrobras de operadora
única. Porque não vão poder fazer essa corrupção. E essa é uma fonte
comum de corrupção internacionalmente. E a outra é medir o petróleo. Se
não tiver uma fiscalização muito boa, muito competente, vão medir para
menos. Por exemplo, produziram 200 barris, vão dizer que produziram só
150.
Se não tiver a fiscalização o país dança. No
mundo as duas fontes de corrupção são essas. Superdimensionar o custo de
produção para receber mais petróleo; e subdimensionar o petróleo para
passar menos para a União. Com a Petrobras sendo operadora única, isso
dificulta, porque é uma empresa estatal sob controle do governo.
Mas aí que o governo Dilma está decepcionando
mais uma vez. A Pré-sal Petróleo foi criada com o objetivo de
fiscalizar isso. Para evitar essas duas fontes de corrupção, porque
suponhamos que a Petrobras não fosse operadora…. ou mesmo com a
Petrobras sendo operadora ela vai ser pressionada pelos sócios para
fazer a corrupção. Tem que ter uma fiscal do governo. Essa é a
finalidade da Pré-sal Petróleo.
Aí o que o governo Dilma fez? Nomeou quatro
diretores que são indicados pela Shell. Ou seja, o presidente e mais
diretores da Pré-Sal Petróleo são pessoas da Shell.
Tem se falado muito nos déficits. Como explicar os crescentes déficits da Petrobras?
Fernando Siqueira: O que acontece, o que
estão falando muito é no déficit na importação de petróleo. Ocorre que
nós temos duas refinarias em construção, que foram entregues num esquema
muito ruim os chamados EPC. A Petrobras está fazendo diferente do que
ela fazia antigamente, está entregando tudo para um grupo só, Odebrecht,
Camargo Corrêa que são empresas que não tem experiência nenhuma nesta
área. São barrageiros e construtores de obras civis.
Quando você entrega a um único consórcio para
fazer tudo, ele superdimensiona o projeto, ele superdimensiona as obras
civis para ganhar dinheiro. O que está acontecendo nas refinarias,
tanto do Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro] quando do
Rnest [Refinaria Abreu e Lima], lá de Pernambuco, estão custando mais do
que o dobro do que foram orçadas. Por isso está atrasando. Já estão com
mais de dois anos de atraso.
Isso faz com que o parque de refino
brasileiro fique insuficiente perante o consumo. Que aumentou na medida
em que o governo incentiva a indústria automobilística, outra falha do
governo, mandar fabricar automóvel, entupir as ruas do Brasil e aumentar
em 40% o consumo de gasolina.
Com esses erros do governo o parque de refino
brasileiro ficou inferior ao consumo. O que leva à importação de
derivados. Com isso a Petrobras que até três anos atrás exportava mais
do que importava, passou a importar muito mais do que está exportando.
Antes importava 200 mil barris por dia e exportava 500. Agora está
exportando 200 e importando mais de 500 mil por dia. Isso que criou um
déficit na balança comercial da Petrobras.
Esse problema da construção é sério porque o
correto, que a Petrobras sempre fez, é fazer o projeto base com uma
empresa, o detalhamento com outra, e a construção e montagem com outra.
Agora está fazendo tudo num grupo só. Porque infelizmente a Odebrecht e a
Camargo Correa mandam no governo brasileiro e o governo obrigou a
Petrobras a contratar desta forma.
No meu voto na Assembleia Geral Ordinária da
Petrobras eu bati nisso. É um erro entregar a um consorcio único para
fazer tudo. Porque leva a ter preços exorbitantes e prazos sem controle
nenhum. Já são dois anos de atraso que está diretamente relacionado com o
déficit.
Nós temos auto-suficiência em petróleo. Mas não temos em refino, então tem que importar derivado.
Os Estados Unidos têm promovido a
produção depredadora de hidrocarbonetos a partir do xisto. Em outubro,
um leilão da ANP (Agência Nacional de Petróleo) abriu a exploração em
larga escala o uso da fratura hidráulica no Brasil. Qual é a sua
opinião?
Eu estive na audiência que discutiu o tema e
me posicionei absolutamente contra. O que acontece é que os EUA sabem
que vários países do mundo tem reservas de xisto, então ele está
incentivando a produzir para tentar derrubar o preço do petróleo
convencional, porque, como já comentei, eles sabem que estão
estrangulados, que vão importar 2/3 do que consomem, em um trilhão e
tanto [de dólares] por ano.
Embora tenha tido uma onda dizendo que os EUA
com o xisto seriam auto-suficientes, eu nunca acreditei nisso e dizia
que não era assim. Como ficou comprovado pelos números que citei, que
foram usados por mim numa palestra no México. A Agência Internacional de
Energia, mostrou um gráfico que em 2040, os EUA vai estar produzindo
1/3 do que consome. E 1/3 desse consumo vai ser do gás xisto.
Ou seja, o xisto vai dar aos EUA 1/6 do que
consomem. Não é nada. Não tem auto-suficiência coisa nenhuma. Tudo um
marketing feito para esconder a verdadeira situação dos EUA e da Europa,
da Ásia também.
O mais grave é que obrigaram o Brasil também a
fazer esse leilão e se você comparar o décimo primeiro leilão do óleo
convencional esteve em jogo uma área no Norte e Nordeste que é a margem
equatorial, área do Brasil que a Petrobras ainda não tinha explorado. É
um pouco desconhecida, mas muito promissora. Tanto que a Petrobras agora
acaba de descobrir um campo em águas profundas do Rio Grande do Norte.
Então foi feito o décimo primeiro leilão com essa margem equatorial e
como a Petrobras estava estrangulada financeiramente, comprou menos de
20%.
O leilão foi mais para empresas estrangeiras.
Já no leilão do xisto, que foi logo depois, a Petrobras foi obrigada a
comprar e comprou 80%. Veja, o governo leiloou o gás de xisto a pedido
dos EUA e ninguém se interessava, porque não tem comprovação de grande
existência, não tem estrutura para escoamento, a procura foi pequena e a
Petrobras ficou com 80%. No leilão que tinha áreas boas, comprou 20%,
no leilão absolutamente imprevisível, teve de comprar 80%. Veja como o
governo manobra a Petrobras de forma negativa.
E o gás de xisto é uma produção ainda
perigosíssima. Ainda mais para o Brasil. Porque as reservas principais
ficam debaixo dos aqüíferos Guarani. No Amazonas, corre-se o risco de
perfurar embaixo da maior reserva de água doce do mundo, que pertence a
cinco países, não só ao Brasil e com isso contaminar essa reserva. É uma
coisa absurda.
Na audiência pública que eu comentei, o chefe
do Ibama (….) disse “olha eu to falando como pessoa física, não estou
falando como Ibama, mas eu sou chefe da área que faz as liberações e
quero dizer aqui que é uma temeridade a ANP fazer esse leilão, e dar a
responsabilidade pela segurança ao próprio produtor. E a ANP não tem
fiscais para isso. Eu que no Ibama tenho 90 fiscais, não teria condições
de fiscalizar isso. A ANP não tem nenhum”.
Portanto, é uma irresponsabilidade colocar em leilão áreas desse teor de perigo e sem ter condições de fiscalizar.
Eu também bati. Você vai injetar água a mais
de 10 mil libras de pressão. No óleo convencional se injeta água a 4 mil
libras de pressão. Ou seja, ocorre uma explosão na rocha. Porque xisto é
uma rocha com impermeabilidade de escoamento maior, mais difícil que o
granito. Para se tirar de dentro dele o óleo em gás tem de fazer uma
fratura de alta pressão, que é uma explosão que não se tem controle. Se
injeta água com mais 200 produtos químicos nocivos ao meio ambiente e
não tem controle de que essa água contaminada não vai para o meio
ambiente, para o lençol freático, e [para] os aqüíferos.
E o metano, que certamente vai vazar uma boa
quantidade, é um contaminante atmosférico, inclusive para efeito estufa
muito sério. Então, não tem nenhum sentido o Brasil que tem uma reserva
convencional de óleo em gás no pré-sal, fazer essa loucura de explorar
uma atividade que ainda não se tem nenhum controle ambiental, nem de
tecnologia satisfatória para ser colocada em operação. Uma total
irresponsabilidade o leilão do gás de xisto.
Qual é o futuro do setor do petróleo no Brasil?
O pré-sal eu sempre digo que é a maior
oportunidade que o Brasil já teve de deixar de ser o eterno país do
futuro. É uma reserva monumental de óleo de excelente qualidade e que
pode ajudar o País a sair do atraso; ter recurso para educação, para
saúde, para infraestrutura. Agora, tem que ser explorado por
brasileiros. E o governo Dilma está entregando para estrangeiros.
Por isso temos que fazer uma campanha para
recuperar a propriedade do petróleo de fato para o Brasil e não permitir
essa entrega que a Dilma fez através do edital criminoso que entregou
60% para o estrangeiro. Se isso se confirmar, será a perda de uma
oportunidade imensa de o Brasil se desenvolver, exercer sua condição de
país mais viável do planeta.
Nós temos que combater os leilões, defender
que o governo recompre as ações da Petrobras que foram vendidas ao
exterior, e colocar a Petrobras na frente do Pré-sal, como foi proposto
pelo governo Lula, e acabar com os leilões. Não precisamos de leilões.
Temos tecnologia.
A Petrobras é a empresa que desenvolveu,
portanto a que mais conhece a tecnologia, tem recursos técnicos e
financeiros. Porque quem tem o portfólio de produção que a Petrobras tem
hoje, que é o maior do mundo… Ou seja, quem tem esse patrimônio para
produzir tem crédito fácil e barato: o sistema financeiro, empurrando
mais. Porque ela tem um ativo mais garantidor de empréstimo. Então, não
tem o menor sentido entregar isso para empresas estrangeiras em
detrimento do povo brasileiro.
O senhor gostaria de adicionar mais algum comentário para os leitores do Jornal Causa Operária?
Queria agradecer a oportunidade. Dizer a
vocês que estou sempre à disposição, e vamos conscientizar o povo
brasileiro que esse é um patrimônio que pode tirar o Brasil do atraso e
portanto deve ser para beneficio dos brasileiros e não para
estrangeiros, que não querem fazer nada para o nosso bem, mas apenas ter
lucro.


Nenhum comentário:
Postar um comentário