segunda-feira, 10 de maio de 2010

ECONOMIA - CRISE GREGA (IV)

Do blog ESCRIVINHADOR.


CRISE DA GRÉCIA: LEMBREMOS 98, QUANDO SERRA NÃO ERA "DE ESQUERDA"


Protestos na Grécia

""Bresser e a crise grega: a culpa não é do Estado; lembremos 98, quando Serra não era de "esquerda"

A Grécia é o elo mais fraco de um Capitalismo em crise: culpa não é do Estado, mas do sistema econômico.

Os fundamentalistas de mercado querem que o povo desavisado acredite numa fábula: a crise que corrói as instituições européias - a partir da Grécia - foi provocada (apenas) pelo descontrole das contas públicas. O Estado - ah, ele é sempre o culpado - teria crescido demais, com essa maldita mania de dar direitos sociais aos trabalhadores. Sabe como é: gregos, portugueses, italianos, espanhóis. Povos mediterrâneos, descontrolados, voluptuosos.

Trata-se de grossa mentira.

A "turma da bufunfa" (como diz o Paulo Nogueira Batista - "nosso" homem no FMI) usa os "fundamentalistas de mercado" (são "consultores", "especialistas" e economistas que se fingem de "neutros, mas enchem as burras trabalhando para os bancos) para vender essa tese. Desde os anos 90 é assim.

Aqui, no "Escrevinhador", costumo chamar esse pessoal de "a turma da lição de casa". Passaram anos dizendo que o Brasil precisava fazer a "lição de casa": menos Estado, privatizações, mercado livre e desregulado. Essa seria a receita para o paraíso...

Foi a receita para o caos. Foi a receita para a crise de 2008 - que começou nos EUA. E a crise dos EUA (ao expor o descontrole dos mercados, o descalabro de um mundo ancorado em hipotecas fajutas e em papéis que se desmancham no ar) está na base também dessa crise na Grécia e na Europa.

O Capitalismo central está em crise. Esse é o fato.

E quando o capitalismo está em crise coisas incríveis podem acontecer. Até o Serra pode virar de "esquerda". Como ele se auto-definiu em entrevista recente - (http://noticias.terra.com.br/eleicoes/2010/noticias/0,,OI4422747-EI15315,00-Em+entrevista+Serra+afirma+que+e+um+candidato+de+esquerda.html).

O Serra já foi de esquerda um dia: nos anos 60. Quando a onda virou, com Tatcher e o Estado mínimo nos anos 80/90, Serra foi para o lado em que o vento assoprava. Agora, quer voltar pra esquerda. Pegou o trem andando, e quer sentar na janelinha...

Menos hipócrita é a posição de um outro tucano - desses que não abriram mão de pensar com a própria cabeça, sem dar bola para "consultores", e que há muito tempo nada na contramão do "mercado". Falo de Luiz Carlos Bresser-Pereira.

Vale a pena ler o mais recente artigo de Bresser-Pereira. Sóbrio, sem idolatria ao mercado, ele avisa:

"A imprensa tem dado amplo noticiário sobre o assunto, mas afinal se limita a informar sobre o deficit público e a dívida pública do Estado grego, em vez de informar sobre o problema fundamental que não é do setor público, e sim do setor privado...".

E, mais adiante, vaticina:

"A política de crescimento com poupança externa já vitimou muitos países. É preciso repensar radicalmente o problema das finanças internacionais e dos deficit em conta-corrente."

Por uma questão de delicadeza, talvez, Bresser tenha deixado de lembrar que entre as vítimas esteve o Brasil, em 98. Sob comando de FHC, o país apostou em financiamento externo para os déficits em suas contas. Afinal, o mercado internacional é tão bonzinho, não? Está aí pra nos ajudar, desde que façamos a "lição de casa".

E foi assim que fomos ao buraco. Quebramos em 98!

Naquela época, o Serra ainda não era de "esquerda"....

"A NATUREZA DA CRISE NA EUROPA" - por Luiz Carlos Bresser Pereira:

"O quadro financeiro europeu continua muito grave. A Alemanha, afinal, decidiu dar apoio ao pacote financeiro grego, de forma que a dívida do setor público da Grécia está equacionada. A imprensa tem dado amplo noticiário sobre o assunto, mas afinal se limita a informar sobre o deficit público e a dívida pública do Estado grego, em vez de informar sobre o problema fundamental que não é do setor público, e sim do setor privado: é o deficit em conta-corrente e a dívida externa dos países. O problema fiscal é grave porque o deficit de 2009 somou-se a elevados níveis de dívida pública, mas o desequilíbrio não está apenas nos governos; está nos países como um todo e, portanto, em seu deficit em conta-corrente e em sua dívida externa, que englobam o setor público e o setor privado.

Se o problema fosse apenas do setor público, o socorro financeiro e uma política dura de ajuste fiscal resolveriam a questão. Sendo do país, necessita da depreciação cambial que não podem realizar.

A União Europeia controla os deficit públicos, não controla os deficit em conta-corrente. Os jornais não publicam dados sobre esse deficit porque não os recebem dos economistas. Esses não os informam porque a teoria econômica ortodoxa pressupõe que o setor privado é equilibrado pelo mercado: é o chamado "princípio de Lawson", associado ao ministro das Finanças de Margaret Thatcher, Nigel Lawson.

A Crise Global de 2008 mostrou que essa tese é absurda no plano nacional. Agora o fenômeno se repete no plano internacional. Em 2009, enquanto a Alemanha, que reduziu salários nos últimos dez anos, obteve superavit em conta-corrente de 4,8% do PIB, Grécia, Portugal, Espanha e Itália realizaram deficit em conta-corrente de 10,2%, 10,5%, 5,8% e 3,9% do PIB, respectivamente. Esses deficit financiaram investimentos de médio prazo, mas as empresas e o Estado se endividaram no mercado financeiro de curto prazo.

Devedores e credores sabiam que os débitos não poderiam ser pagos de um dia para o outro -que teriam que ser rolados-, mas, dado o pressuposto dos mercados privados sempre equilibrados, foram adiante no processo. Até que, neste ano, repentinamente, os credores começaram a elevar os prêmios de risco e a suspender a rolagem da dívida.

O problema se agrava porque decidiram pelo "sudden stop" em um quadro no qual os países não têm o mecanismo de ajuste clássico para esses momentos: a desvalorização cambial, que reduziria os salários e equilibraria a conta-corrente. Os Estados de cada país podem ajustar suas finanças, mas não há solução para o desajuste privado de países que não têm moeda própria para desvalorizar.

Como na Crise Global, existe a solução financeira via Estado. O governo da União Europeia pode garantir a dívida externa daqueles quatro países por meio da criação, às pressas, de um FMI europeu, por meio do próprio FMI e via BC Europeu.

Neste momento, os ortodoxos dirão que o BCE não pode entrar no jogo porque estaria criando dinheiro ao socorrer os países, mas foi exatamente isso o que fez o Federal Reserve na Crise Global, sem causar inflação. Agora o BCE precisará criar dinheiro para salvar os países, ou melhor, novamente os bancos, porque foram eles que emprestaram.

Mas uma situação como essa não pode continuar para sempre. A política de crescimento com poupança externa já vitimou muitos países. É preciso repensar radicalmente o problema das finanças internacionais e dos deficit em conta-corrente."

FONTE: publicado hoje (10/05) no blog "Escrivinhador", do jornalista Rodrigo Vianna.

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