terça-feira, 4 de maio de 2010

ECONOMIA - Política externa do Serra.

Do blog do VELHO COMUNISTA.

Serra esboça política externa contrária ao interesse nacional

Ronaldo Carmona *

Fatos políticos das últimas semanas reforçaram a percepção de que nas eleições de outubro próximo estarão em jogo duas questões fundamentais para a nação brasileira: a forma de como vemos e como nos relacionamos com nosso entorno sul-americano e a continuidade da projeção progressista do Brasil no cenário internacional.

A esdrúxula e antibrasileira oposição de Serra ao Mercosul

O ex-governador paulista defende que o Mercosul retroceda para uma simples área de livre comércio, fase anterior à atual, de união aduaneira.

Como argumentou em palestra a empresários mineiros, na semana passada, o objetivo declarado é nos livrarmos de “uma barreira para o Brasil fazer acordos comerciais”. Para ele, “a união aduaneira é uma farsa, exceto quando serve para atrapalhar”. Assim, “ficar carregando este Mercosul não faz sentido” (Valor, 20/04/10).

Os ataques de Serra repercutiram tão mal que geraram reações até mesmo do chanceler argentino, além de forçar uma entrevista do candidato, nitidamente na defensiva, para se explicar na Folha de São Paulo, no último domingo.

A reação em si é positiva, demonstrativo de que a idéia da integração ganha espaço e força no imaginário e na forma brasileira de ver o mundo, enfim, no projeto nacional brasileiro.

Os ataques de Serra ao Mercosul partem de uma limitada visão mercantilista primária, lente exclusiva pela qual parece enxergar a inserção internacional do Brasil. Assim, propõe que a variável central de política externa brasileira seja a busca de acordos comerciais com países ricos, aparentemente, independente de seus custos.

No lançamento de sua pré-candidatura, o tucano já havia sinalizado essa visão. Em tom queixoso, estarreceu-se com o fato de que “nos últimos anos, mais de 100 acordos de livre comércio foram assinados em todo o mundo. São um instrumento poderoso de abertura de mercados. Pois o Brasil, junto com o Mercosul, assinou apenas um novo acordo (com Israel), que ainda não entrou em vigência!”.

Não interessa ao Brasil, nem ao Mercosul, celebrar acordos de livre comércio no formato proposto pelos países centrais.

Por exemplo: nesta semana, tendo em vista a realização em maio próximo da Cúpula de chefes de estado do Mercosul e da União Européia, foram retomados contatos entre os dois blocos para explorar possibilidades de anuncio do relançamento das negociações comerciais, nas próximas semanas, em Madri. Entretanto, as negociações vêm sendo travadas devido ao fato de que a “a indústria (européia) aumenta as exigências e agora cobra do Mercosul abertura de 100% de seu mercado, e não apenas de 90%, como até então” (Valor, 26/04/10). Os 10% referem-se a uma lista de bens protegidos por tarifas em setores estratégicos que necessitem de proteção, algo absolutamente legítimo e largamente praticado pelos países ricos no caminho que os levou ao desenvolvimento.

Mesmo se observarmos pela ótica estritamente comercial, é preciso ter em conta, antes de mais nada, que os países ricos, nomeadamente União Européia e Estados Unidos só aceitam acordos comerciais de tipo assimétrico com os países em desenvolvimento, com uma agenda similar ao que eram as propostas da ALCA.

Os países desenvolvidos (EUA e UE à frente) reproduzem essencialmente tratados assimétricos e desiguais – que lembram, em sua essência, os tratados desiguais que o Brasil assinou no século XIX após sua independência, os quais impediram sua industrialização precoce tal como defendida por José Bonifácio.

Atualmente, os modelos de TLC’s com países ricos envolvem quase que um “contrato de associação” à economia norte-americana ou européia, proibindo, por exemplo, exigência de conteúdo nacional em compras públicas ou determinados incentivos em política industrial – sem tocar é claro, nos escandalosos subsídios à agricultura dos países ricos. No caso europeu, em alguns países, a simples manutenção de uma vaca gera benefícios monetários diretos ao agricultor, enquanto altas taxas são impostas aos produtos agrícolas provenientes dos países em desenvolvimento.

O caminho proposto por Serra – “flexibilizar” o Mercosul e privilegiar TLC’s com países centrais –, do ponto de vista econômico, representa atar nosso destino numa relação de dependência em relação ao bloco dos países ricos, uma vez que impõe pesados constrangimentos à autonomia e a soberania brasileira sobre sua política econômica e industrial.

Em síntese, “flexibilizar” o Mercosul atenta fortemente contra o interesse nacional.

É parte do interesse nacional brasileiro e do interesse comum dos povos da América do Sul, que o Mercosul seja a base para a inserção soberana deste bloco de países num mundo crescentemente multipolar. A recente integração da Venezuela reforça essa possibilidade, formando uma vértebra geoeconômica estruturadora de um mercado comum sul-americano.

Na semana passada, um conhecido embaixador aposentado, assessor de Serra, reclamou que “desapareceu a agenda de liberalização comercial” em detrimento de “questões políticas e sociais”.

De fato, a agenda mercantilista, de simples redução de tarifas, está em baixa no bloco. A agenda para o Mercosul proposta pelo governo Lula – inversamente à agenda do período neoliberal agora retomada por Serra – busca pôr no centro o combate às assimetrias econômicas estruturais, numa agenda de integração de corte desenvolvimentista para o Mercosul.

Mas mesmo no plano das trocas mercantis, o Mercosul apresenta grande vitalidade. Como lembrou na semana passada o embaixador brasileiro em Buenos Aires, “o comércio bilateral (entre Brasil e Argentina) cresceu de US$ 7 bilhões em 2002 para quase US$ 31 bilhões em 2008 (4,5 vezes em 6 anos!)”.

Outra face da inserção brasileira e sul-americana no mundo – nas dimensões política, social e cultural, em infra-estrutura, em energia e em defesa – é a Unasul (União Sul-americana de Nações), base para a projeção geopolítica sul-americana.

Temas de política externa tornam-se temas de campanha

O segundo tema de política externa que a oposição busca tornar tema de campanha eleitoral pode ser definida na proposta formulada por Serra, no lançamento de sua candidatura, ao dizer que “vamos usar essa força (do Brasil) para defender os direitos humanos, sem vacilações”.

Um discurso, no mínimo, esquizofrênico. Os mesmos que condenaram veementemente a “não indiferença” brasileira para com o golpe em Honduras, acusando o Brasil supostamente de quebrar uma tradição diplomática de não interferência em assuntos internos são os mesmos que agora propõem interferir nos assuntos internos e soberanos de Cuba e do Irã.

O comportamento vira-lata dos grandes meios de comunicação e da oposição no caso do Irã é estarrecedor. O Brasil, busca coordenar posições com outros grandes países em desenvolvimento (BRIC, IBAS, Turquia) visando evitar um desenlace que isole o Irã e no limite, provoque uma nova guerra no heartland do mundo. Isto, no limite, pode resultar, a depender do desenlace da contenda, em pesadas pressões contra o Brasil – um dos poucos países fora do clube nuclear que domina o ciclo nuclear completo e que em nome dessa autonomia, recusa-se a assinar o chamado Protocolo Adicional do TNP.

Causa igualmente estarrecimento o fato de que alguns grupelhos de ultra-esquerda e analistas mais apressados – visando demarcar supostamente “à esquerda” com a política externa de Lula –, resolvam pôr no centro da mira fatos menores como o recém assinado acordo militar entre Brasil e EUA.

Por certo, acordos no terreno militar com a grande potência imperialista nunca são positivos, mas não justifica, quer por razões táticas ou por razões estratégicas, por no centro do alvo um acordo minimalista, que evidentemente não envolve bases nem tropas – como o lesivo acordo firmado pela Colômbia – e tem as características de um acordo padrão – “acordo-quadro” no jargão diplomático – como os que temos com outros 29 países, como informa o Itamaraty. No momento em que o Brasil está no alvo do imperialismo e de seu aparato ideológico mundial pelo papel altivo na crise do Irã, são posturas inaceitáveis, típicas de quem não enxerga um palmo diante do nariz.

É alta a confiança do povo brasileiro no governo do presidente Lula, comprometido com a segurança e a soberania da nação. Portanto, às forças nacionalistas, de esquerda e democráticas não cabem vacilações ou demarcações sectárias.

O que está em jogo são condições mais ou menos favoráveis à realização do potencial brasileiro, de nosso novo projeto nacional de desenvolvimento.

O retorno das forças políticas e sociais agrupadas em torno da candidatura de Serra ao comando do Estado brasileiro representará retrocesso em toda linha na política externa conduzindo, numa palavra, ao apequenamento do Brasil, em relação às suas possibilidades de tornar-se uma potência progressista e democrática no mundo, jogando seu peso, isto sim, a favor de uma nova ordem mundial – cujos germes podem ser encontrados nas declarações dos BRICs e do IBAS, nas Cúpulas recém realizadas em Brasília.

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* Membro da Comissão de Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

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