''O PSB deveria se afastar do toma-lá-dá-cá''
Deputada federal mais votada do PSB em São Paulo e única da bancada estadual a ter votações crescentes, Luiza Erundina preocupa-se com os rumos de seu partido na composição do ministério da presidente eleita, Dilma Rousseff. Teme que o aumento da disputa interna no partido jogue por terra a anunciada disposição do presidente do partido, o governador reeleito de Pernambuco, Eduardo Campos, de negociar a participação do partido no governo por meio de propostas.
A reportagem e a entrevista é de Fernando Taquari e publicada pelo jornal Valor, 21-12-2010.
Afirma estar otimista com o governo Dilma, mas diz que a presidente eleita só poderá se desvencilhar da barganha parlamentar se estreitar suas relações com movimentos sociais orgânicos - sem cooptação como aconteceu com o movimento sindical nem pela relação avulsa que Lula estabeleceu por meio dos programas de transferência de renda, diz.
Aos 76 anos, às vésperas de iniciar seu quinto mandato como deputada federal, Erundina diz que a chegada de uma mulher à Presidência não traduz um crescimento orgânico da presença feminina nas estruturas do poder no país. Cita a Argentina, que tem 40% de seu Parlamento composto por mulheres enquanto o Brasil tem apenas 9%.
Eis a entrevista.
O PSB está em conflito em torno dos cargos que o partido vai ocupar no governo Dilma após os rumores de que Ciro Gomes pode voltar à Integração Nacional, contrariando Eduardo Campos, que defende o nome de Fernando Bezerra. Quais as razões desse imbróglio?
Não sei, mas se há um conflito por causa de cargos, ele destoa daquilo que foi colocado por Eduardo Campos em uma reunião do partido após o segundo turno da eleição presidencial. Na época, a orientação foi que a relação com o governo não seria no sentido de exigir cargos. A participação seria concluída por meio de propostas, sem barganha, o que acho uma posição correta.
A senhora acredita que pelo resultado nas urnas o PSB deveria ter mais espaço no governo?
Isso se a gente mantivesse a lógica do toma-lá-dá-cá. Espero que meu partido faça política pensando numa mudança de cultura. Se você não muda a cultura, você não muda a essência da política.
As indicações foram submetidas à bancada?
Não. Dizem que o Márcio França (deputado federal pelo PSB paulista) seria uma indicação da bancada. Eu sou da bancada e não fui consultada. Isso não foi discutido. Portanto, não poderia ser uma posição da bancada. Penso que as indicações devem ser fruto de uma decisão democrática, com a participação de todos. Até para que o ministro possa assumir responsabilidades e tenha o respaldo do partido. Pode ser que eu esteja sendo idealista demais.
Nesse episódio, o PSB estaria ficando cada vez mais parecido com o PMDB?
Não dá para esperar que um partido ou outro seja muito diferente dos demais. A cultura política e os métodos são todos iguais. Lamentavelmente, é assim que se dão as relações. Trata-se de um problema de ordem estrutural. Por isso a necessidade de promover mudanças na cultura política.
O PSB ficou pequeno demais para abrigar Ciro e Eduardo?
Não considero que sejam duas forças políticas em disputa. Divergências sempre acontecem. O partido sempre esteve muito unido, inclusive a decisão de retirar a candidatura presidencial foi acordada com o próprio Ciro. Se for, esse é o primeiro conflito.
O presidente do PSB, Eduardo Campos, desponta como uma lideranças políticas do Brasil pós-Lula. Pode ser candidato do partido à Presidência em 2014?
Entendo que o partido tem o seu projeto de poder e acredita que um dia poderá viabilizá-lo Campos faz um excelente governo e se destaca nacionalmente. Esse jovem competente, neto de Miguel Arraes, tem tudo para no futuro, não sei quando, ser candidato a presidente. Mas isso não é um pressuposto que está dado hoje. O PSB é uma alternativa de poder neste país e ele é um dos seus principais líderes.
O PSB conseguiu obter um bom resultado nas eleições deste ano ao aumentar o número de governadores e as bancadas no Senado e na Câmara. Qual a raiz do sucesso?
A direção nacional acertou nas estratégias que adotou no curso destes oito anos do governo do Lula ao reafirmar sua fidelidade e compromisso, inclusive nos momentos mais críticos. Outro aspecto é que somos um partido que vem se preservando eticamente. Quando aparece algum integrante envolvido em escândalos ele é afastado sumariamente.
O partido acertou ao não lançar Ciro Gomes na disputa presidencial?
Poderíamos ter tido um candidato próprio. Ciro é um excelente nome. Mas disputar contra o governo Lula neste momento, seria dar um passo para a descontinuidade daquilo que o PSB ajudou a construir. Foi uma orientação do Eduardo Campos, que defendeu a necessidade de preservarmos as conquistas deste governo.
Há o risco de um crescimento desordenado, com a filiação de pessoas sem identidade e pouco idoneidade?
Esse risco sempre existe. Claro que o partido tem que criar mecanismos para evitar problemas. Essa atitude enérgica de afastar correligionários que contrariaram princípios éticos inibe aventureiros. Agora, com o tamanho do partido vai crescer os olhos de muita gente. Mas serei uma daquelas que, embora fique estrebuchando sozinha, não vou deixar de me manifestar contra quando achar necessário, sobretudo nos momentos em que sentir que as razões pelas quais estou filiada a este partido forem feridas.
O crescimento do PSB nas últimas eleições, contudo, está muito concentrado no Nordeste.
É onde o partido é maior. Sempre teve a liderança do Arraes. Tem havido algum crescimento no Sul, mas pouco em São Paulo. A meu ver por conta de erros na condução partidária aqui no Estado. Há uma gestão muito pragmática para meu gosto.
Como crescer nas demais regiões?
Investindo na formação política. Não podemos ser apenas um partido de quadros, militância ou mandatos. Precisamos ter uma inserção no movimento de massa. Não basta ficar no plano institucional. Isso prejudicou o PT nos últimos anos. Eles concentraram toda a força e energia no espaço institucional e esvaziaram a luta do povo na periferia. O PSB, ao contrário do PT, tem um pouco mais de liberdade, já que não está no poder e por isso não tem que administrar cobranças e contradições. Temos problemas, como qualquer outra legenda. No entanto, já começamos a nos mostrar como uma alternativa real de poder.
Que bandeiras o partido deve focar nessa nova legislatura?
A reforma urbana é questão forte. Como temos várias prefeituras e conquistamos seis governos, esse tem sido um foco importante nas discussões internas. Ou seja, o problema da violência urbana, dos transportes públicos, ambiental e habitacional. São questões mais próximas da população. A reforma agrária também terá destaque. O partido tem uma forte presença na luta pela democratização da terra.
Como o PSB deve se preparar para as eleições municipais de 2012, sobretudo na capital paulista?
Onde for possível disputar com alguma chance, temos que ter candidato. Em São Paulo, não temos nenhum nome ainda. Espero que isso não seja decidido antes do tempo e que a decisão seja fruto de uma ampla e democrática discussão. Acredito que aprenderam com o erro [ao lançar Paulo Skaf]. Defendo a coerência no partido. Caso contrário, seremos uma sigla para disputar o poder pelo poder.
Como a senhora avalia as eleições de 2010? O que caracterizou este pleito?
O processo eleitoral foi muito pobre e desqualificado. Contribuiu muito pouco para se discutir os problemas do país e as eventuais soluções. Mas isso por conta de uma lógica que se impôs na disputa eleitoral entre os dois candidatos [Dilma Rousseff e José Serra]. Não ficou claro que eram duas propostas. Não foi demonstrada a diferença entre os dois projetos. Além disso, se partiu para discutir temas de interesse pessoal, como aborto e casamento homossexual. São discussões importantes, mas isso não pode ser agenda de uma campanha eleitoral, sobretudo para presidente.
O que representa a vitória da Dilma?
Primeiro, a vitória da Dilma pelas mãos de uma liderança política é fato inusitado no país. Nenhum presidente transferiu votos suficientes para eleger o seu candidato, ainda mais uma pessoa que não tinha participado de disputas eleitorais. O presidente Lula teve coragem de bancar essa candidatura no PT. Acredito que o tempo que ela trabalhou na Casa Civil deu-lhe elementos para fazer a escolha.
Dilma leva consigo o avanço da mulher na política ou é um fenômeno dissociado?
Trata-se de um grande simbolismo. Mostra que a luta das mulheres está avançando. Já está evidente que a questão de gênero é importante. A sub-representação das mulheres nos espaços de poder é uma coisa inaceitável e insustentável em qualquer democracia. Essa distorção deve ser corrigida para consolidar e dar sustentabilidade ao processo democrático brasileiro. Na Argentina, o Parlamento tem 40% de mulheres. Temos menos de 9% no Brasil.
Durante os comícios de Dilma em São Paulo o presidente sempre puxou a senhora para a primeira fila. Houve reconciliação?
Temos muita identidade. Éramos do mesmo grupo político no começo do PT. Nossa origem era sindical. Mas temos divergências. Já critiquei o governo dele e ele sabe da minha franqueza. Não sou de ficar tomando cafezinho. Temos amizade, mas não intimidade. Sou meio avessa a esse tipo de proximidade porque às vezes ela distorce a relação política.
Guarda mágoas?
Não. Lula evitou que eu fosse expulsa, quando decidi aceitar o convite do Itamar, em 1993, para ser ministra. Achava que o partido que tinha ajudado a tirar o Collor do poder, teria que ajudar o país a fazer a transição até a outra eleição. Mas o PT não gostou e convocou uma reunião pública para fazer meu julgamento. A proposta de alguns companheiros era minha expulsão sumária. Mas Lula me defendeu. Como não podia ficar sem punição, ele propôs a suspensão dos meus diretos políticos por um ano que, segundo ele, seria o tempo para eu ficar no governo sem compromisso partidário.
Sua vitória abriu caminho para vitória de Dilma mais de 20 anos depois?
Minha vitória foi inusitada. Vínhamos de uma história de exclusão absoluta das mulheres nos espaços de poder. Certamente, fui eleita não por ser mulher, mas numa conjuntura que colocava as candidaturas tradicionais da política paulistana em cheque. Foi uma rejeição aos demais candidatos [Paulo Maluf, João Leiva e José Serra]. Só ganhei também porque foi um único turno. Se tivesse o segundo turno, eles teriam me inviabilizado. Mas o drama maior foi assumir a prefeitura dessa cidade com o apoio apenas de 30% da população, com os governos federal e estadual contra nós.
A senhora também foi inviabilizada pelo seu partido.
Foi a primeira vez que um partido fez uma prévia interna. Eu disputei com o Plínio de Arruda Sampaio a indicação para concorrer. Ele teve o apoio dos principais dirigentes. Eles avaliavam que eu era apenas uma vereadora que trabalhava com favelados. Meu partido avaliava que o Plínio, paulista e de família tradicional, teria mais viabilidade numa disputa com caciques políticos locais. Compreendo a opinião deles.
Mas o que levou o PT a inviabilizar a sua gestão após a vitória?
Do dia 15 novembro até o dia 1º de janeiro foi uma lua-de-mel com todo o partido. Isso pelo inusitado do resultado. Acontece que quem estava na direção do PT eram aqueles que não me queriam como candidata e não ficaram contentes com a minha eleição. Depois da vitória todos quiseram ser sócios do resultado e queriam ter ingerência na administração além do aceitável.
Pensando no futuro, o que podemos esperar do próximo governo?
Espero muito. Acredito que Dilma terá melhores condições de avançar do que Lula teve nos seus dois governos.
Por causa da maioria conquistada na Câmara e no Senado?
Não. Ela não pode ficar refém do Congresso como o Lula ficou. Até porque ele tem uma capacidade de articulação e de administrar a ganância dessa base aliada que dificilmente alguém tem igual. Os parlamentares não têm limites em termos de cargos. Então, ela fará mais não por habilidade de administrar o Congresso ou fazendo concessões. Esse não é o seu perfil.
De que forma então a presidente eleita vai garantir sua governabilidade sem ficar refém do Congresso?
Espero que ela tenha sensibilidade de chamar a sociedade civil organizada para participar do governo. Assim como se depende do Congresso para ter base de sustentação institucional, você precisa ter a base da sociedade para te respaldar e te dar força política, até para impor limites aos parlamentares. Trata-se de estabelecer uma interlocução permanente com os movimentos sociais em torno de questões estratégicas, de políticas públicas, sociais e econômicas. Isso não quer dizer corporativismo com os sindicatos. A sociedade civil deve ser parceira e não alvo de cooptação. Nem tampouco deve construir essa base inorgânica que Lula conquistou pelos programas de transferência de renda.
A senhora acha que Dilma vai domar o Congresso?
Se Dilma tiver uma rela ção horizontalizada com a sociedade civil vai ajudar a inibir o apetite dos parlamentares, que muitas vezes se posicionam de acordo com a opinião pública. A Lei Ficha Limpa, por exemplo, só passou porque foi em um ano eleitoral e havia todo um apelo em torno da questão.
Por que a condenação que a senhora sofreu não se enquadrou na Lei da Ficha Limpa?
Porque não foi um crime de improbidade administrativa. Foi crime de natureza civil. Em abril de 1989, os trabalhadores fizeram uma greve contra o governo de José Sarney. Não era por melhores salários ou condições de trabalho. Eles exigiam mudanças na política econômica. A prefeitura de São Paulo se posicionou e reconheceu a legitimidade do movimento. Os municípios também estavam sendo penalizados com o desemprego, a queda de arrecadação e aumento da demanda por serviços públicos que não são competência do governo federal. Portanto, também havia interesse dos governos estaduais e locais que a política econômica fosse alterada.
A senhora acabou condenada?
Em primeira e segunda instâncias. Entrei com recurso e perdi. Estava sendo acusada de apoiar um movimento grevista e de facilitar a greve. Para responder a essa acusação, publiquei matéria paga pela prefeitura nos jornais. Disse que era uma greve legítima contra uma política econômica que penalizava o município. O processo rolou por 18 anos, enquanto o valor da multa foi se acumulando até chegar aos R$ 352 mil. A juíza ainda comprometeu 10% dos meus honorários como deputada. Não tinha como pagar. Tenho um apartamento de 80 metros quadrados que não vale nem 10% dessa dívida, além de um carro usado que não vale nada. Meu advogado decidiu então penhorar os bens. Eu não quis procurar ninguém, mas meus amigos viram o que estava acontecendo e começaram a se movimentar. Houve jantares no país inteiro. Abrimos uma conta e os depósitos foram pingando até completar o valor
Fonte: IHU
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