Na maioria das vezes em que ocupou a tribuna da Câmara nos últimos quatro anos de seu mandato como deputada pelo PT, a professora gaúcha Maria do Rosário falou de educação e de violência contra crianças e mulheres. O apego a esses assuntos levaram à suposição de que sua futura gestão à frente da Secretaria de Direitos Humanos tomaria rumo diferente daquele imprimido pelo atual ministro Paulo Vannuchi, focado em temas ligados à ditadura militar.
A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 19-12-2010.
Na semana passada, porém, dois novos fatos causaram uma reviravolta nas expectativas e praticamente atropelaram a possibilidade de uma agenda alternativa. O primeiro foi a confirmação de Nelson Jobim no Ministério da Defesa. O segundo, a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Tudo indica que vai se repetir no governo Dilma Rousseff o mesmo clima de Fla-Flu entre as pastas de Direitos Humanos e Defesa que marcou a segunda parte do governo Lula.
Uma das tarefas de Maria do Rosário, como representante do Executivo, será trabalhar para que o Brasil comece a cumprir a sentença da OEA. Isso implica a busca da aprovação do projeto de lei sobre a Comissão de Verdade que tramita no Congresso.
Se aprovada, a comissão pode ajudar a esclarecer fatos do tempo da ditadura, como recomenda a sentença internacional. A ministra também terá a missão de insistir na obtenção e abertura de arquivos que, acredita-se, estariam em poder de militares.
Do outro lado, Jobim insiste que esses arquivos não existem e já contesta a sentença da OEA. Para ele, que foi presidente do Supremo Tribunal Federal, a corte internacional não pode se sobrepor à interpretação da decisão do STF sobre a Lei da Anistia. Por essa interpretação, ela teria duas mãos, beneficiando tanto os perseguidos políticos na ditadura quanto os agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos.
PNDH-3
Outra disputa agendada entre os dois futuros ministros de Dilma envolve a terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Preparado com o apoio e o incentivo do PT sob a coordenação de Vannuchi, irritou tanto Jobim que, um ano atrás, ele ameaçou pedir demissão do cargo, acompanhado pelos chefes militares, caso as diretrizes do plano não fossem revistas. Houve recuo, mas o PT não desistiu e Maria do Rosário, petista orgânica, dessas que seguem as diretrizes do partido, vai tentar levá-lo adiante.
Um ingrediente que pode azedar mais a convivência entre os dois ministros é o fato de Maria do Rosário ter iniciado a militância política no PC do B - o partido responsável pela guerrilha do Araguaia, que está no centro da decisão da Corte da OEA. Quando era vereadora em Porto Alegre, ela propôs e conseguiu a construção de monumento em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos no período da ditadura militar.
Mais tarde, ela integrou, como representante parlamentar, a Comissão de Mortos e Desaparecidos do governo federal. Em 31 de março de 2009, subiu à tribuna para atacar o golpe militar de 1964, até hoje comemorado nos quartéis brasileiros como data cívica. Segundo a futura ministra, foi uma "quartelada", "um mal para o País, sob quaisquer aspectos que possam ser avaliados".
No meio de movimentos de direitos humanos e de grupos de familiares de mortos e desaparecidos, existe o temor de que se repita no governo Dilma o mesmo jogo de avanços e recuos patrocinado por Lula.
"O governo dizia que estava muito empenhado em ajudar os familiares, mas que não podia ir muito adiante, por causa das resistências, às vezes dentro do próprio governo", diz Victoria Lavinia Grabois Olimpio, do grupo Tortura Nunca Mais, do Rio.
Para o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, da USP, não se deve esperar grandes mudanças de rota. "Há 16 anos o Brasil vem seguindo a mesma linha de ação na área de direitos humanos, com avanços notáveis. Maria do Rosário deve dar continuidade a esse trabalho."
Fonte:IHU
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