Dennis de Oliveira.
Depois de muita comemoração com a vitória de Dilma, é hora de por a razão para funcionar. Não para diminuir a importância da vitória mas para pensarmos na real situação do pais e o caminho que precisa ser trilhado para construirmos uma sociedade mais justa.
Concordo com a avaliação do companheiro blogueiro sujo Renato Rovai de que a vitória de Dilma foi da militância. O susto tomado no início de outubro teve o papel positivo de forçar a campanha a ir para as ruas e mobilizar uma coisa que estava até ficando fora de moda que é a militância. Contribuiu muito com isto a opção do candidato Serra de enveredar por um discurso mais direitista, beirando o nazifacismo, que forçou a mobilização de parcela da sociedade que, se não estavam tão entusiasmados com a candidatura de Dilma, perceberam o risco que seria a vitória do candidato Serra. Afinal, ao contrário do que uma parte da chamada extrema-esquerda dizia, os dois não eram a mesma coisa.
A vitória de Dilma foi uma derrota da mídia hegemônica. Ao contrário de algumas análises, considero que foi importante o ato contra o golpismo midiático realizado em final de setembro. Se houve algum prejuízo para a candidatura situacionista, radicalizando o confronto com a indústria midiática, também serviu para evidenciar publicamente o papel que a mídia vem desempenhando, retirando-a de um pedestal onde permanecia intocável. Apesar das manipulações matreiras que a grande mídia continuou fazendo, é evidente que ela ficou mais cuidadosa. Ela sentiu o golpe, principalmente quando percebeu que o PSDB tomou atitudes muito mais agressivas contra a “liberdade de imprensa”, como a proibição da divulgação das pesquisas no Paraná, a postura grosseira do candidato contra repórteres que lhe faziam perguntas incômodas, entre outras.
Foi também uma vitória da mídia alternativa que se espraia pelas redes virtuais, agindo como elemento de contenção das manipulações da mídia hegemônica. Graças a isto, a tentativa de transformar o episódio da agressão da bolinha de papel foi denunciada à exaustão, virou piada e desmoralizou ainda mais o candidato do PSDB. A Globo não conseguiu fazer daquilo o mesmo que conseguiu com o episódio do “dossiê dos aloprados” em 2006. William Bonner foi cuidadoso na condução do último debate da Globo (apesar da forcinha dada com o close em Serra nas considerações finais deste). Esta mesma mídia alternativa em rede alertou as possibilidades de uma “bala de prata” no final da campanha. Certamente, estas ações imobilizaram ou, pelo menos, impediram uma ação mais nefasta da mídia hegemônica nesta disputa eleitoral.
Porém, sendo gramsciano – pessimista na reflexão e otimista na ação – quero aqui fazer alguns senões nesta conjuntura. Chamo a atenção da necessidade dos movimentos sociais saírem de uma esfera extremamente institucional e investirem em um debate mais profundo sobre as suas bandeiras para enfrentar uma evidente direitização de visões ideológicas presentes em parcela significativa da população.
Os 44% dos votos de Serra não são do PSDB como parcela da mídia hegemônica quer fazer acreditar. O PSDB, como partido, saiu fragorosamente derrotado. Praticamente abandonou o seu discurso de origem, social-democrata. Do ponto de vista ideológico, virou o novo DEM. A entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à Folha de S. Paulo de terça passada é esclarecedora: “Não estou mais disposto a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história”, diz o ex-presidente. A derrota de Serra transformou o PSDB em um aglomerado de lideranças regionais mais parecendo uma confederação de novos coronéis: Aécio Neves (MG), Alckmin (SP), Richa (PR), Teotonio Vilela Filho (AL), entre outros. São políticos que constroem esquemas de alianças regionais, pouco tem a dizer sobre questões nacionais e ainda não foram submetidos a um debate nacional mais duro (exceção de Alckmin que foi candidato a presidente em 2006 e foi fragorosamente derrotado em um momento de crise no PT por conta do chamado “mensalão”).
O que a campanha de Serra deixa como rescaldo no debate político? O reforço dos sentimentos mais reacionários que ganharam visibilidade com o debate fundamentalista sobre aborto, o machismo implícito, o preconceito contra nordestino, entre outros. As pessoas que votaram no Serra não o fizeram, em sua grande parte, por uma adesão ao programa do PSDB – aliás Serra nem apresentou programa e ficou desfilando uma onda de promessas vazias, como 13º. para o Bolsa Família, salário mínimo de 600 reais, aumentar as aposentadorias, tudo que o PSDB sempre combateu.
O voto em Serra foi em parte um voto anti-Dilma, mas um anti-Dilma não por divergência com o programa do PT, e sim por um incômodo mal disfarçado por Dilma ser mulher. Já disse em outras ocasiões que Dilma – assim como Marta Suplicy – encarna um tipo de mulher que agride o sentimento machista, inclusive expresso por mulheres, por demonstrar independência, capacidade de decisão e autonomia (que é traduzido como arrogância e prepotência porque a idéia de mulher é a do ser frágil, como Marina Silva encarna).
Um anti-Dilma por preconceito pelos programas sociais do governo Lula beneficiarem uma parcela da população que era vista meramente como “mão de obra” e não “cidadãos” (daí a raiva de que elas votam e tem vontade própria).
Um anti-Dilma por raiva de um operário, nordestino e com tudo para dar errado sair da presidência com o recorde histórico de aprovação.
Um anti-Dilma por ficar evidente que estes sentimentos reacionários, machistas e preconceituosos são minoritários.
Assim, ainda há um longo caminho a trilhar pois não se pode negar a existência e a força de tais sentimentos. A questão do aborto colocada de forma absurdamente conservadora foi posta de tal forma que a tônica da discussão foi pautada apenas pelo aspecto religioso, obrigando, inclusive, a candidata a comprometer-se com exigências colocadas pelas organizações religiosas cristãs. Os preconceitos estão exacerbando-se pela rede virtual.
Se o projeto original do PSDB está em crise, as ideias mais reacionárias não. Em parte Serra perdeu porque, como disse Luis Nassif, ele como direitista fundamentalista é mais falso que CD vendido em camelô da Rua 25 de Março. Mas nada impede que outros candidatos mais afinados com este discurso retornem. E há espaços para isto.
Por isto, trabalhadores, mulheres, negros, estudantes, sem terra etc, vamos arregaçar as mangas e não ficar presos apenas a briga por ocupação de espaços institucionais.
Fonte: Blog do Denis de Oliveira.
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