A Editora Cultrix acaba de prestar um inestimável serviço de utilidade pública aos brasileiros, com a publicação de Confissões de um assassino econômico. Lançado nos EUA, no final de 2004, o livro de John Perkins se transformou rapidamente em um best-seller entre o crescente número de interessados em conhecer a verdadeira face do mundo dos grandes negócios globais, sua estreita interação com as políticas das grandes potências e a sua responsabilidade pela deterioração do cenário político-estratégico, socioeconômico e cultural do planeta nas últimas décadas. Nele, o autor descreve a sua própria trajetória como um "assassino econômico" a serviço desse sistema hegemônico, (em inglês, economic hit-man), denominação que tais profissionais se atribuíam a si próprios. Em suas próprias palavras:
"´Assassinos econômicos´ (AEs) são profissionais altamente remunerados cujo trabalho é lesar países ao redor do mundo em golpes que se contam aos trilhões de dólares. Manipulando recursos financeiros do Banco Mundial, da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), além de outras organizações americanas de ´ajuda´ ao exterior, eles os canalizam para os cofres de enormes corporações e para os bolsos de algumas famílias abastadas que controlam os recursos naturais do planeta. Entre os seus instrumentos de trabalho incluem-se relatórios financeiros adulterados, pleitos eleitorais fraudulentos, extorsão, sexo e assassinato. Eles praticam o velho jogo do imperialismo, mas um tipo de jogo que assumiu novas e aterradoras dimensões durante este tempo de globalização. Eu sei do que estou falando; eu fui um AE."
Nascido em 1945, Perkins graduou-se em Administração de Empresas pela Universidade de Boston em 1968, quando foi recrutado pela Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA para o papel de AE. Após um período de dois anos no Equador, junto aos Corpos da Paz (Peace Corps) estadunidenses, foi "convidado" a ingressar na empresa de consultoria internacional Chas T. MAIN, onde seu trabalho era convencer governos de países do Terceiro Mundo a contrair grandes empréstimos para projetos de infra-estrutura que eram contratados a corporações estadunidenses, como a Bechtel, Halliburton, Brown & Root e outras. Invariavelmente, tais empréstimos estavam além da capacidade de pagamento dos países que os contraíam, que acabavam dependentes de seus credores e se tornavam "alvos fáceis quando precisássemos de favores, incluindo bases militares, votos na ONU ou acesso a petróleo e outros recursos naturais".
Na MAIN, Perkins escalou rapidamente a hierarquia de poder na empresa com a eficiência do seu trabaho em vários países, inclusive na Indonésia, Irã, Arábia Saudita, Panamá e Equador. Nos dois últimos, entretanto, seus contatos diretos com os presidentes Omar Torrijos e Jaime Roldós, que entendiam perfeitamente o esquema de dominação econômico-política e não receavam enfrentar o que Perkins chama a "corporatocracia", aprofundaram nele uma inquietação sobre as conseqüências de seu trabalho. As mortes de Torrijos e Roldós, ocorridas com uma diferença de dois meses em 1982, são atribuídas por ele à ação dos "chacais" da CIA, que entravam em ação se os AEs falhavam em suas missões.
Em 1982, já fora da MAIN, fundou a IPS, empresa dedicada à geração de energia com preocupações ambientais. Começa, então, a pensar em escrever um livro sobre suas experiências e constata que uma série de "empurrões" recebidos pela IPS eram, na verdade, uma espécie de suborno para não levar adiante seu projeto literário. O mesmo tipo de subornos e ameaças veladas o acompanharia em sua atividade de consultor independente, retomada após a venda da IPS, em 1990.
Segundo Perkins, o acontecimento que o levou finalmente a colocar no papel as suas Confissões foram os ataques de 11 de setembro de 2001, em Nova York e Washington, os quais, embora não afirme, deixa implícito que foram resultado de ações semelhantes às que conheceu em sua trajetória como AE.
Em uma passagem particularmente interessante, Perkins descreve a atuação dos AEs a partir da onda de desregulamentação financeira que se seguiu à demolição do sistema de Bretton Woods, na década de 1970: "O conceito dos AEs se expandira para incluir todo o comportamento dos executivos em uma variedade de negócios. Eles podiam não ter sido recrutados ou perfilados pela ASN, mas desempenhavam funções semelhantes... Durante a década de 1980, homens e mulheres jovens subiam na hierarquia da média administração acreditando que quaisquer meios justificavam os fins: um resultado melhor. O império mundial era simplesmente um caminho para lucros cada vez maiores."
Aos que tentam desqualificar relatos como o seu como "teoria conspiratória", Perkins retruca e reitera que a responsabilidade de mudar tal estado de coisas é coletiva: "Seria ótimo se pudéssemos simplesmente pôr toda a culpa em uma conspiração, mas não podemos. O império depende da eficácia de grandes bancos, corporações e governos - a corporatocracia -, mas isso não é uma conspiração. Essa corporatocracia somos nós mesmos - ela existe por nossa causa -, e é por isso, é claro, que a maioria de nós acha difícil tomar uma posição e se opor. Preferimos vislumbrar conspiradores tramando nas sombras, porque a maioria de nós trabalha para um desses bancos, corporações ou governos, ou de alguma maneira dependemos deles para bens e serviços que eles produzem e colocam no mercado. Não podemos morder a mão que nos alimenta."
Nos países ibero-americanos, Brasil inclusive, podemos facilmente imaginar quantos jovens brilhantes foram recrutados para desempenhar funções semelhantes às dos AEs em seus próprios países, especialmente em ministérios e bancos centrais. Por isso, a leitura do livro de Perkins é de grande relevância para quem quiser entender o funcionamento do mundo real que se encontra além e aquém dos discursos edulcorados dos titulares do poder. Sem se esquecer de que, como insiste o próprio Perkins, o conhecimento implica na responsabilidade da ação para a mudança.
Fonte:AEPET.
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