Agência Carta Maior
A primavera dos banqueiros
O governo Obama decepcionou muitas pessoas com sua atitude excessivamente indulgente com Wall Street. Mas os republicanos estão tratando de destruir tudo. Ao se oporem à regulamentação que conteria futuras crises financeiras, os republicanos estão oferecendo ainda mais provas de que, na verdade, não estão preocupados com os déficits orçamentários. Mais e maiores crises; mais e maiores resgates; mais e maiores déficits. Se lhes agrada essa perspectiva, ficarão encantados com o que o Partido Republicano está fazendo com a reforma financeira nos EUA. O artigo é de Paul Krugman.
Paul Krugman - Sin Permiso
No ano passado, o Partido Republicano apresentou dois exemplos espetaculares de campanha enganosa. O caso do Medicare (sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos EUA), no qual as mesmas pessoas que gritavam sobre as listas da morte tratam agora de desmantelar o programa inteiro, foi o mais evidente. Mas o mesmo ocorreu com a reforma financeira. Os republicanos fizeram campanha incansavelmente contra os resgates dos bancos. Entre outras coisas, conseguiram convencer a uma maioria relativa de votantes de que a enormemente impopular legislação sobre os resgates econômicos proposta e aprovada pelo governo de Bush foi promulgada durante a gestão do presidente Barack Obama.
Agora estão fazendo todo o possível para garantir que não haverá resgates econômicos ainda maiores nos próximos anos? O que falta para limitar os resgates futuros? Declarar que nunca voltaremos a fazê-lo não é uma resposta válida: quando a tormenta financeira fica mais forte, omitir-se quanto os bancos caem como fichas de dominó não é uma opção. Isso foi o que as autoridades políticas fizeram em 1931, e a crise bancária que se desencadeou a partir daí converteu uma simples recessão na Grande Depressão.
E não esqueçamos que os mercados entrarem em queda livre quando a Administração Bush permitiu que o Lehman Brothers quebrasse. Só uma ação rápida – que incluía a aprovação do odiadíssimo resgate – impediu que os acontecimentos de 1931 se repetissem. Então, qual é a solução? A resposta é uma regulação que limite a frequência e a magnitude das crises financeiras, combinada com normas que permitam ao governo conseguir um bom acordo quando os resgates econômicos se tornam necessários.
Recordem que, desde os anos 30 até os 80, os EUA conseguiram evitar os grandes resgates de instituições financeiras. A era moderna dos resgates foi iniciar nos anos Reagan, quando os políticos começaram a desmantelar a regulamentação criada na década de 30. Além disso, as formas não foram sendo atualizadas a medida que evoluía o sistema financeiro. As instituições que foram resgatadas em 2008 e 2009 não eram bancos tradicionais, mas sim impérios financeiros complexos, onde muitas de suas atividades não estavam reguladas na prática (e foram estas atividades não reguladas que fizeram com que a economia estadunidense fosse vencida).
E o que é ainda pior, os funcionários não tinham uma autoridade clara para embargar estes impérios fracassados do mesmo modo que a Corporação Federal de Seguro de Depósitos pode embargar um banco convencional quando quebra. Essa é uma das razões pelas quais o resgate econômico parecia tanto com um presente: as autoridades tinham a sensação de que lhes faltavam as ferramentas para salvar o sistema financeiro sem permitir que aqueles que geraram a crise escapassem do castigo.
No ano passado, os congressistas democratas aprovaram um projeto de lei de reforma financeira que tratava de preencher estas lacunas legais. O projeto de lei ampliava a regulamentação em diversos pontos: proteção do consumidor, normas sobre capitais mais estritas para as instituições, maior transparência para os instrumentos financeiros complexos. E criava novas atribuições – “autoridade de resolução” – para ajudar os funcionários a melhorar sua capacidade de negociação em crises futuras.
Pode-se fazer muitas críticas a esta legislação, que poderia ser classificada como excessivamente flexível. E a Administração Obama decepcionou muitas pessoas com sua atitude excessivamente indulgente para com Wall Street (ilustrada por sua decisão da semana passada de eximir da norma as permutas financeiras de divisas, que foram uma importante fonte de transtornos em 2008).
Mas os republicanos estão tratando de destruir tudo. Em fevereiro, os legisladores do Partido Republicano reconheciam com franqueza que estavam tentando paralisar a reforma financeira suprimindo os financiamentos. A recente proposta orçamentária da Câmara, que pede a privatização e o uso de cupons no sistema Medicare, também exige que se elimine a autoridade de resolução, o que na prática deixaria as coisas de tal maneira que os banqueiros conseguiriam na próxima crise um tratamento tão benéfico como o que conseguiram em 2008.
Certamente, os republicanos não afirmam as coisas desse jeito. Dizem que seu objetivo é “terminar com o ciclo de futuros resgates econômicos”, sob a epígrafe geral de “terminar com os subsídios empresariais”. Mas como vemos, os futuros resgates se produziriam independentemente do que digam os políticos atuais e, sem uma regulamentação eficaz, serão maiores, mais frequentes e mais caras.
Para ver o que realmente está ocorrendo hoje é preciso seguir o dinheiro. Wall Street costumava apoiar os democratas, talvez porque os representantes do setor financeiro tendem a ser liberais em assuntos sociais. Mas a avareza triunfa sobre os direitos dos homossexuais e as contribuições do setor financeiro se inclinaram claramente para os republicanos nas eleições de 2010. Pelo visto, Wall Street, diferentemente dos eleitores, não tinha dificuldades para adivinhar as verdadeiras intenções do partido. E uma coisa mais: ao interporem-se no caminho da regulamentação que conteria futuras crises financeiras, os republicanos estão oferecendo ainda mais provas de que, na verdade, não estão preocupados com os déficits orçamentários.
Porque nosso déficit atual é, em sua maioria, uma consequência da crise financeira de 2008, que devastou as receitas e aumentou o custo de programas como o seguro desemprego. E mesmo que tenhamos conseguido evitar grandes custos diretos dos resgates econômicos, pode ser que na próxima vez não tenhamos tanta sorte.
Mais e maiores crises; mais e maiores resgates; mais e maiores déficits. Se lhes agrada essa perspectiva, ficarão encantados com o que o Partido Republicano está fazendo com a reforma financeira.
(*) Paul Krugman é professor de Economia na Universidade de Princeton e Prêmio Nobel de Economia 2008.
(**) Tradução: Katarina Peixoto
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