Apontada como uma das vozes mais críticas dentro do PT, que levaram à queda de seu antecessor, Antonio Palocci, a nova ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, provou do mesmo "fogo amigo" quando era secretária extraordinária de Reforma Administrativa do ex-governador do Mato Grosso do Sul, José Orcírio Miranda, o Zeca do PT. Responsável por uma reformulação radical num Estado afundado em dívidas, colheu a fama de gestora objetiva, dura, implacável, cujo trabalho incomodou tanto aliados e correligionários que resultou em pressões que provocaram a sua queda e a de seu marido, o também ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, então secretário no mesmo governo.
A reportagem é de Cristian Klein e publicada pelo jornal Valor, 10-06-2011.
Entre 1999 e 2000, Gleisi Hoffmann foi responsável por uma profunda reforma administrativa que cortou 1,5 mil funcionários em cargos em comissão (30% dos existentes à época), reduziu de 15 para 11 o número de secretarias, extinguiu e fundiu empresas públicas (desempregando poderosos presidentes e enxugando estruturas com indicados políticos) e controlou com mão de ferro as cotas de despesas que poderiam ser efetuadas pelos outros secretários estaduais.
Gleisi contrariou interesses e, ao lado do marido, passou a sofrer ataques por todos os lados: de adversários da oposição, de legendas da base aliada, como o PDT e o PSB, e até do próprio partido, o PT.
"Meu partido tem dessas coisas, a autofagia. A Gleisi reestruturou toda a máquina do Estado e isso desgasta. Ela teve que adotar medidas muito duras. Cometeu-se uma grande injustiça com ela e o marido", afirma o deputado estadual Paulo Duarte, que lembra até hoje do dia em que Paulo Bernardo saiu e passou a substituí-lo como secretário de Fazenda: 10 de dezembro de 2000.
Interrompia-se ali um trabalho intenso, menos de dois anos após iniciado. Trazido do Paraná, Paulo Bernardo chegou antes. Tomou posse junto com Zeca do PT, em janeiro de 1999. Era um quadro de qualificações técnicas, recomendado pela direção nacional do partido, por não existir no Mato Grosso do Sul. Gleisi veio em seguida, e também logo se impôs pelo trabalho administrativo e pela linha-dura.
O momento exigia. O Estado passava por uma grave crise financeira. A folha de pagamento não era paga em dia havia mais de oito anos; os funcionários não recebiam havia quatro meses e a dívida de curto prazo chegava a R$ 700 milhões, para uma arrecadação de ICMS que não ultrapassava R$ 45 milhões e representava 90% das receitas. Em seis meses, com a ajuda dos dois forasteiros do Paraná, a arrecadação já havia dobrado e, em um ano, o governo acertava 17 folhas de pagamento e punha os salários em dia.
O primeiro cargo de Gleisi foi de secretária-executiva na Casa Civil. Coordenava o chamado Comitê de Gestão Financeira (Cogef). Era uma instância da qual participavam também Paulo Bernardo, secretário da Fazenda, e os chefes das Pastas da Administração e da Casa Civil, os hoje deputados federais Antônio Carlos Biffi e Vander Loubet, ambos do PT. Estipulava cotas para cada secretaria e gastos acima do limite só poderiam ser aprovados pelo comitê - o que provocava queixas generalizadas do secretariado. Gleisi tinha a chave do cofre.
Como só aumentar a receita ou controlar marginalmente as despesas não resolveria a crise, Gleisi foi escalada para comandar a parte mais difícil: cortar a própria carne e fazer uma reforma radical no Estado. No segundo ano de governo, tornou-se secretária extraordinária de Reestruturação Administrativa.
Gleisi mexeu nas funções do próprio marido, ao dividir as atribuições da secretaria de Fazenda em duas Pastas: de Gestão (que pagava as contas) e de Receita e Controle (que arrecadava e fazia auditoria). Mas foi bombardeada mesmo depois de cortar 30% dos cargos em comissão; reduzir o número de secretarias; extinguir e fundir empresas públicas e aplicar outras medidas de austeridade. Gleisi fechou a Lotesul, que promovia jogos de loteria; liquidou a Prodasul, empresa de processamento de dados, que passou a ser uma superintendência ligada à Fazenda; e contingenciou o chamado duodécimo, comprando briga com Assembleia, Tribunal de Contas, Ministério Público e Judiciário, ao restringir a quantia do orçamento destinada a esses poderes.
A reforma administrativa foi a gota d'água. Gleisi ainda reformulou a previdência, ao separar o deficitário Previsul em Caixa de Assistência dos Servidores do Estado (Cassems), que cuida do plano de saúde dos funcionários, e no MSPrev, o instituto de previdência. Mas não resistiu às pressões de políticos e sindicatos.
Apesar da fama de Dama de Ferro, sua qualidade técnica é ressaltada até por adversários. Consultados pelo Valor, três deputados federais e um senador, que lhe faziam oposição, a elogiaram.
"Quando vira ministra, é como a pessoa que morre, não tem mais defeito", brinca Biffi, um dos que reagiram às medidas de Gleisi. Ele diz ter sido "normal" o ciúme que ela e o marido despertaram. "Eles eram do PT, mas do Paraná. Não tinham compromisso conosco. Mas alguém dali, do Estado, não conseguiria fazer o mesmo", reconhece.
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