Por Maria Inês Nassif
Para o Blog Luis Nassif Online
Para quem era acusada de não ter a menor vocação política, a presidenta Dilma Rousseff agiu rápido na primeira crise do governo. E politicamente. As críticas à nova composição ministerial e às negociações entre aliados que dela decorreram refletem o desentendimento das jogadas feitas no tabuleiro político por Dilma, ex-gerente-chefe do governo Lula e atual presidenta da República, eleita pelo voto direto.
Nada levava a crer que a nomeação de Antonio Palocci para a Casa Civil, na primeira versão de um ministério que pode ter de mudar mais para frente também – fazer política é saber alterar a composição de governo quando isso é necessário –, tenha sido uma escolha de Dilma. É improvável também que tenha sido uma imposição de Lula à sua sucessora. Era uma herança de campanha. Simples assim. Durante o período eleitoral, Palocci atuou bem, e desenvoltamente, na área em que ele é mais aceito, junto aos “eleitores” do mundo das finanças. Foi um necessário elemento de neutralização de uma campanha que – prometia – um embate ideológico centralizado no fato, histórico, de que a candidata atuara em grupos que fizeram opção pela luta armada, durante a ditadura militar (1964-1985). Acaba aí. Quando ambos eram ministros do governo Lula, travaram uma guerra interna na qual Dilma foi vitoriosa. Ela ficou; Palocci se foi, levado pela quebra de sigilo do caseiro Francenildo dos Santos, testemunha de que o ministro frequentava uma casa de lobistas no Lago Sul. Tanto isso é real que, depois da queda de Palocci no governo Dilma, os jornais apenas conseguiram estampar lamentos do setor financeiro. E tanto é assim que, nas duas ocasiões, a ofensiva política sobre Palocci apenas foi amplificada, e tornou-se crise, porque não houve boa vontade dos próprios aliados de defendê-lo de dois ossos duros de roer: a quebra de sigilo bancário de um caseiro e um espantoso enriquecimento no período imediatamente posterior à sua saída do Ministério da Fazenda. O ex-ministro duas vezes assumiu voo solo, na hora em que se tornou interlocutor do setor financeiro, já na primeira eleição de Lula. Não tinha mais vínculos orgânicos com o partido. Era uma relação de conveniência, que deixou de ser conveniente para os dois lados. E também para o governo.
Ao levar Palocci para a Casa Civil, Dilma fez um gesto político: manteve Guido Mantega na Fazenda e deixou clara sua opção pela chamada escola “desenvolvimentista” de política econômica. Palocci se alinhava aos grupos que professam o liberalismo na sua forma “neo”. A presidenta tentou aproveitá-lo numa posição que não resultasse em comprometimento da opção de política econômica do último governo de Lula, e imaginou que Palocci também seria útil no contato com a oposição, com a qual o ex-ministro nunca manteve grandes discordâncias. A declaração de imposto de renda de Palocci não o ajudou nessa empreitada. Nem Palocci a Dilma: o barulho foi menor do que o do chamado “mensalão”, embora envolvesse quantias muito maiores a uma única pessoa, mas sem apoio da base, caiu do mesmo jeito.
A leitura primeira, a de que a nova ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e a de que a nova ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, endurecerão as relações entre a ministra e sua base aliada, também é apressada. A presidenta tomou para si a articulação política do governo – e, com o aval dos votos que a levaram ao cargo, essa é a normalidade. Gleisi terá funções gerenciais na Casa Civil, e é reconhecida como uma boa gerente. Ideli foi líder no Senado e conhece bem as injunções regimentais e políticas para levar a termo a aprovação de um projeto. Ambas são mulheres, sim, mas nunca ninguém havia reclamado que o núcleo de poder dos governos anteriores tenha sido composto majoritariamente por homens. Essa não é uma questão de gênero, mas de confiança.
Também é apressada a interpretação de que a presidenta se tornou refém do seu vice, Michel Temer. Sua ligação com Temer já foi definida em outubro passado, quando ela foi eleita presidenta e ele, seu vice. Um governo de coalizão foi sufragado pelas urnas. Além disso, desde Ulysses Guimarães, o vice-presidente é o pemedebista que mais conseguiu controle sobre o seu partido. A boa relação de Lula com o PMDB de Sarney estendeu o apoio ao Senado. Temer já é governo, tanto que mora no Palácio do Jaburu. Não usá-lo na articulação com o PMDB é jogar o partido às feras e abrir crises políticas.
Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, o vice foi o pefelista Marco Maciel (PE). Ele era o mediador das relações do PFL com o governo. No Congresso, o presidente do partido, Jorge Bornhausen, e o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, e por um período o presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães, mediavam as relações com as outras forças da base parlamentar do governo, em especial com o PSDB. Temer, é lógico, não é Maciel, o vice que todo presidente gostaria de ter: discreto e leal. Mas é o vice e tem o comando do PMDB. E uma banda de música: quando falha na articulação com o governo, o deputado Henrique Eduardo Alves (RN) toca o trombone na Câmara e rebeliões acontecem. É melhor que Dilma tenha o vice ao seu lado.
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