"Os "indignados" das ruas da Espanha e os desanimados de Portugal com razão já se mostram indiferentes às trocas de governo, de "seis" por "meia dúzia". A crise, a reação da finança e da Alemanha e as propostas de unificação econômica final vão tornar a política partidária local ainda mais irrelevante, assim como o voto de seus eleitores", escreve Vinícius Torres Freire, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 03-06-2011.
Eis o artigo.
Alguns jovens "indignados" espanhóis fizeram manifestações simpáticas contra "tudo isso que está aí (lá)". Contra o desemprego de 40% das pessoas de até 24 anos. Contra a "corrupção". Contra a "política convencional" e os partidos dominantes: contra a opção entre os "seis" (a direita, o Partido Popular) e os "meia dúzia", os socialistas.
Os "indignados" pregavam o voto em ninguém na eleição havida faz uma dúzia de dias. Os espanhóis convencionais acabaram votando na direita, não porque o sejam, mas porque os socialistas eram o poder de turno na crise da vez.
Tal como jovens despolitizados do mundo todo gostam de alardear, o protesto "indignado" não tinha "lideranças" nem um "programa fechado". Tal como qualquer protesto sem liderança e programa (que não os tem ou não os cria), o camping dos "indignados" se dispersou como um protesto nuvem: virtual.
Domingo, há eleição em Portugal. O país viverá recessão neste ano, no próximo e talvez por muito tempo, pois quebrado e sob tutela europeia.
Não costuma haver protestos em Portugal. Espera-se abstenção grande. Um terço do eleitorado ainda não sabe se vota nos "meia dúzia" (os socialistas, que eram o poder de turno) ou nos social-democratas (a direita, os "seis"). Na falta de maioria clara e disposta a aprovar medidas que arranquem o couro da população, fala-se em "governo de união nacional".
Os governos europeus, da direita à esquerda moderadas, não têm o que dizer sobre política econômica faz quase 20 anos, e menos ainda o que fazer depois da união monetária, faz mais de uma década.
Mandam pouco nos ministros de Finanças e ainda menos no Banco Central Europeu (BCE). Temem também mexer no sistema de bem-estar social. Tal como os americanos, os europeus não sabem (ou não têm como) criar empregos, transferidos para o complexo China, problema piorado pelo engessamento das economias, de resto "competitivas" em setores de ponta, que empregam pouco e concentram renda.
Ao contrário dos "indignados" espanhóis e outros perdidos, a finança e a grande empresa europeia têm lideranças e programa. Ontem, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, sugeriu a criação de um ministério de Finanças europeu. Isto é, um ministério para regular gastos e impostos dos governos nacionais.
Em tese e em parte, tal regulação já existe, com os limites ora estourados do Tratado de Maastricht. Mas a ideia básica agora é acabar de vez com os governos locais.
Claro, trata-se de coisa enrolada e polêmica. Na prática, os países menores já estão sob intervenção europeia, como Grécia e, em menor grau, Irlanda e Portugal. De resto, Trichet deixa o BCE em novembro. Mas seu provável sucessor, o italiano Mario Draghi, já faz salamaleques para os donos do dinheiro na Europa, a elite alemã, que tem horror de relaxamento monetário e fiscal e quer conduzir o seu quintal econômico sob rédea curta.
Os "indignados" das ruas da Espanha e os desanimados de Portugal com razão já se mostram indiferentes às trocas de governo, de "seis" por "meia dúzia". A crise, a reação da finança e da Alemanha e as propostas de unificação econômica final vão tornar a política partidária local ainda mais irrelevante, assim como o voto de seus eleitores.
Fonte: IHU
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