“A Seara patrocina a Seleção, mas deixa o trabalhador adoentado e na mão”
Na sexta-feira, 27 de junho, Valdeci Ferreira de Oliveira, trabalhador da Seara em Sidrolândia-MS, completou três anos e 11 meses de afastamento pelo INSS. Tem bursite e tendinite. Rompeu o tendão. Em 2007 fez a primeira operação, em 2009, a segunda. As cirurgias não deram em nada. Ocorreram após o médico da empresa ter dito que Valdeci estava de “h”, “enrolando para não trabalhar” e o mandado de volta à linha de produção. A ressonância apontou o que o trabalhador já sabia: a urgência da cirurgia, que poderia não ter sido necessária caso tivesse sido afastado da função. “Agora o médico quer que eu faça outra operação. Como? Pra quê?”
A reportagem é de Leonardo Wexell Severo e publicado pelo portal da CUT, 01-06-2011.
Valdeci mostra os pontos no ombro e o papel com a sentença do Tribunal Regional do Trabalho que determina à Seara o pagamento da indenização: R$ 15 mil por danos morais, R$ 15 mil por danos materiais. A condenação também determina que a empresa restabeleça o plano de saúde, cortado quando o trabalhador mais precisava. No total, o valor arbitrado à condenação é de R$ 40 mil. A bilionária empresa recorreu. Enquanto isso, o ex-balanceiro, submetido por anos ao “esforço repetitivo e rápido”, sofre com a dor, a lentidão do processo e a morosidade da Justiça. “É só mudar o tempo e esfriar um pouco que preciso tomar injeção”. “O pior é que a gente vê os patrocínios milionários dados ao Santos e à Seleção brasileira. Já o time da produção, o trabalhador que mais precisa, fica largado, adoentado, na mão. Isso é inaceitável”, protesta.
Num dos poucos casos que presenciei em Sidrolândia, onde 90% dos Comunicados por Acidente de Trabalho (CAT) são mascarados pelos médicos do trabalho, Valdeci conseguiu ser enquadrado pela Previdência no código de doença profissional 91, o que lhe garante estabilidade, obrigando a empresa a recolher o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) por vincular a enfermidade ao tipo de trabalho que executava.
Comemorando o patrocínio fechado com a Marfrig, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é só elogios a “uma das maiores empresas de alimentos do mundo”. Justificando o acordo publicitário, a CBF lembra que “o Grupo controla, entre outras, cinco grandes corporações: Seara Alimentos (2º maior exportador e processador de aves do Brasil), Marfrig Alimentos (2º maior produtor e exportador de carne bovina do Brasil), Moy Park (maior processador de frangos no Reino Unido), Quickfood (maior empresa de carne bovina na Argentina) e Tacuarembó (maior empresa privada no Uruguai). O Grupo tem 72.000 colaboradores e 92 instalações localizadas em 13 países. Seus produtos estão presentes hoje em mais de 100 nações. Em 2009, o Grupo Marfrig atingiu o faturamento bruto de R$ 10.2 bilhões. O portfólio de produtos é amplo e variado e, por isso, a organização é reconhecida como uma das mais diversificadas em alimentos no mercado global”.
Roseli Aparecida Alegre Rodrigues trabalha no setor de eviceração de frango da Seara/Marfrig em Sidrolândia-MS, separando miúdos, classificação de pés, inspeção federal e escaldagem. Em 2009, ávida por mostrar serviço no novo emprego, acompanhou o ritmo intenso e conquistou uma bursite no ombro esquerdo. A empresa não tomou providências. “Procurei o ortopedista, corri atrás”. Resultado: cinco meses de afastamento médico. “É caro. São consultas, fisioterapia, exames e tudo é cobrado. Todo mês passo no médico. Só em fisioterapia dá uns R$ 100. A gente sabe a causa da dor: é o esforço repetitivo. O doutor foi claro, disse que o remédio vai aliviar a inflamação, mas que não tem cura”.
A lesão deixa marcas que vão acompanhar os trabalhadores pelo resto da vida, desabafa Marlene Mamede Gabriel. “Trabalhei na Seara quatro anos e cinco meses. Fiquei afastada uns nove meses. Eu desossava peito na época, com muitas dores nos ombros, nas costas e no braço. Fiquei com sequela, não tem jeito. Tendinite e bursite nos dois ombros, tendinite no punho e no cotovelo”.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac/CUT), Siderlei de Oliveira, acredita que a situação acima retratada “vem comprovar duas coisas: que a empresa abandona os doentes e que é urgente uma mudança na forma de produção, diminuindo o ritmo e a jornada e estabelecendo pausas”. Do contrário, alerta, casos como o de Valdeci, Roseli e Marlene continuarão se repetindo aos milhares
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