"Um novo passo de aprofundamento da união econômica e monetária" e um “salto federalista” à medida dos desígnios e interesses do capital transnacional e do diretório de potências, assim era vista à partida pelo PCP a realização do Conselho Europeu que termina nesta quinta-feira (13) em Bruxelas.
Nada ou pouco mais haveria a esperar deste conclave de chefes de Estado e de governo europeus, de acordo com a posição do secretário-geral do PCP assumida sexta-feira passada (7) no período do debate quinzenal dedicado à participação do Executivo naquela cimeira.
Eventualmente por esclarecer estaria ainda até onde o governo abdica da defesa dos interesses nacionais, “até onde está disposto a apoiar no Conselho Europeu os novos passos que se preparam para fixar em centros de decisão comandados pelo capital transnacional a condução da nossa política econômica e orçamental, a supervisão federalista, as sanções sobre quem queira afirmar a soberania e os interesses nacionais”.
Nesse sentido foi a pergunta de Jerônimo de Sousa ao primeiro-ministro, a quem inquiriu ainda sobre qual o “posicionamento patriótico” que este tencionava adotar. Mais prosaicamente, saber se inflamadas declarações em favor do interesse nacional como as que fez no debate o líder parlamentar do PSD Luís Montenegro têm alguma correspondência com o posicionamento do governo em Bruxelas ou se, pelo contrário, tudo não passa de “conversa fiada”, no dizer de Jerónimo de Sousa.
Mutilar a soberania
Num debate onde todos os partidos da oposição convergiram na acusação ao primeiro-ministro de não defender os interesses de Portugal no seio da União Europeia, foi Jerônimo de Sousa quem de forma mais incisiva e detalhada alertou para as transferência em preparação de parcelas de soberania do Estado em novas áreas.
É o caso da supervisão bancária em relação à qual, no limite, como já é admitido, “será uma entidade supranacional (nos casos em que se verifique a ausência de medidas adequadas das autoridades nacionais) a decidir do destino, existência ou não de instituições bancárias nacionais”.
Ou seja, como explicou o líder comunista, processos de fusão, de concentração de capital financeiro “passam a ser diretamente determinados e organizados a partir de instituições supranacionais controladas por esse mesmo capital financeiro”.
Para Jerônimo de Sousa este é, pois, “mais um passo na submissão e na concentração e centralização do poder económico e político”.
Sobre o novo instrumento financeiro chamado para a convergência e competitividade, interrogando-se sobre o que ele é afinal, o líder comunista advertiu que poderemos vir a assistir a situações como a de fundos comunitários que agora nos são cortados no orçamento da União Europeia (UE) (em especial no caso das verbas de coesão) a serem utilizados, afirmou citando os autores do documento, “para financiar novos setores, para financiar despedimentos, flexibilização laboral, liberalização de serviços – as chamadas reformas estruturais”.
“Esta União Europeia que muitos proclamaram de coesão, de solidariedade, usa os fundos para despedir e não para criar emprego, não para criar crescimento e desenvolvimento econômico”, acusou Jerônimo de Sousa, vendo neste caso apenas um exemplo do que está subjacente na arquitetura desta integração capitalista na Europa.
O poder ao capital
O secretário-geral comunista insistiu em enfatizar aquela que para o PCP é a questão de fundo: que não é possível uma moeda única que “sirva igualmente os interesses e as necessidades muito distintas dos diversos estados-membros”.
E considerou que o balanço desta década do euro aí está para o comprovar. Exemplificando, referiu o fato de ter sido uma década de estagnação para Portugal, apontou a evolução dos défices comerciais intercomunitários, e a “natureza de classe” desse instrumento que é o euro. Os números (dados consolidados e previsões) que citou a este respeito são avassaladores: entre 2001 e 2013, os lucros crescem quase 26 vezes mais do que os salários em Portugal, quase 16 vezes mais em Espanha, mais de cinco vezes na Alemanha e no conjunto da zona euro.
Com as medidas de aprofundamento da união econômica e monetária, do que se trata, por conseguinte, na perspectiva do PCP, é de insistir em levar mais longe “o erro político e econômico” que ela representa, assim como “o poder concentrado nas mãos do capital”.
Engano e submissão
Uma “trapalhada”, assim classificou Jerônimo de Sousa as declarações do primeiro-ministro e dos ministro das Finanças sobre a aplicação a Portugal das novas condições dos empréstimos à Grécia. Mudanças de posição que em sua opinião vieram evidenciar que «o governo continua a enganar os portugueses».
E desta feita, segundo o líder comunista, “enganou duas vezes: primeiro, quando o primeiro-ministro e o ministro das Finanças (tentando esconder o ataque brutal que constitui este orçamento para 2013) vieram apresentar o tal ‘desconto’ como uma conquista que afinal não o era; e enganou outra vez quando depois de desautorizado pelo diretório veio dizer que afinal não tinha dito o que disse».
Para o secretário-geral do PCP esta história confirma ainda “a total submissão do governo, do primeiro-ministro, ao diretório da UE e consequentemente aos grupos econômicos que o comandam”.
É que, anotou, não foi preciso mais do que uma palavra do ministro das finanças de Merkel e do ministro das finanças de Hollande para o governo português “dar prova da sua cega obediência”.
Todavia, para o PCP, esse não é o principal. A grave questão é que até mesmo “um pequeno alívio” – bem longe da renegociação que o PCP considera indispensável – foi negado. E a razão para tal, segundo Jerônimo de Sousa, reside no fato de estar em preparação “um novo pacote, uma segunda dose do pacto de agressão, incluindo o corte de quatro bilhões na despesa de funções sociais do Estado, e incluindo outras medidas tal qual estão a fazer na Grécia”.
“A chantagem é: se querem um pequeno alívio, mantendo o esbulho da dívida, então cortem, carreguem mais nos salários, nas reformas, nos direitos, privatizem ainda mais, entreguem mais recursos à banca e aos grupos econômicos”, afirmou, vendo em tudo isto uma forma de “dar mais corda ao enforcado”.
Passos Coelho, na resposta, procurou negar a ideia de trapalhada, invocando que nenhum membro do governo afirmara antes “coisa diferente” do que ele próprio disse. E o que disse ter dito, afinal? Entre outras coisas, “que a situação de Portugal não é comparável à situação da Grécia” e que “não faz nenhum sentido estar a referenciar os apoios dirigidos à Grécia com aqueles que podem ser dirigidos a Portugal”.
Na réplica, Jerônimo de Sousa instou o primeiro-ministro a não tentar “iludir os fatos”, porquanto, se o fizer, então, “tem que assumir que desautoriza o ministro das Finanças quando este veio todo lampeiro anunciar que isto ia beneficiar Portugal”, “desautoriza os esforços de membros do governo, de figuras do PSD e até do próprio PR que vêm insistir e dizer que essas medidas deviam ser negociadas e já”. E por ser este o problema de fundo, Jerônimo de Sousa concluiu que o chefe do governo não “esclareceu coisa nenhuma”.
Fonte: Jornal Avante!
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