A Folha tenta se explicar, em vão
Os órgãos da imprensa brasileira não podem fazer suas histórias, tantos são os episódios, as posições, as atitudes indefensáveis deles ao longo do tempo. Suas trajetórias estão marcadas pelas posições mais antipopulares, mais antidemocráticas, racistas, golpistas, discriminatórias, de tal forma que eles não ousam tentar contas suas histórias.
Como relatar que estiveram sempre contra o Getúlio, pelas políticas populares e nacionalistas dele? Como recordar que todos pregaram o golpe de 1964 e apoiaram a ditadura militar, em nome da democracia? De que forma negar que apoiaram entusiasticamente o Collor e o FHC e fizeram tudo para que o Lula não se elegesse e se opuseram sempre a ele, por suas políticas sociais e de soberania nacional? Nos três momentos mais importantes da história brasileira, a mídia estava do lado golpista, do lado das elites, contra o povo e a democracia.
Entre eles, o jornal dos Frias, um dos que mais tem a esconder do seu passado e do seu presente. Uma funcionária da empresa há 24 anos, que fez sua carreira profissional totalmente na empresa, sem sequer conhecer outras experiências profissionais, que já ocupou vários cargos na direção da empresa, decidiu – ou foi decidida – a escrever uma espécie de história ou de justificativa da empresa dos Frias.
O livro foi publicado numa coleção da empresa. A funcionária se chama Ana
Estela de Sousa Pinto e o livrinho tem o titulo Folha explica Folha. Mas poderia
também se intitular Folha tenta se explicar, em vão.
Livro mais patronal, não poderia existir, até porque quem o escreve não tem a mínima isenção para analisar a trajetória da empresa da qual é funcionária. Começa com uma singela apresentação histórica das origens da empresa. De resgatável, uma citação do editorial de apresentação do primeiro jornal da empresa, que se diz como um jornal “incoerente” e “oportunista”, numa visão premonitória do que viria depois. Nada do que é relatado considera a historia como elemento constitutivo do presente. São informações juntadas, num péssimo estilo de historiografia que não explica nada.
Logo no primeiro grande acontecimento histórico que a empresa vive, sua natureza política já aflora claramente: apoio a Washington Luís e oposição férrea a Getúlio, tudo na ótica que perduraria ao longo do tempo: “a defesa dos interesses paulistas” ou do interesse das elites, revelando a função da imprensa paulista: passar seus interesses pelos de São Paulo.
Naquele momento se tratava de defender os interesses da lavoura do café. Para favorecer aos fazendeiros em crise, a empresa aceitava o pagamento de assinaturas em sacas de café, revelando o promiscuidade entre jornal e o café.
De forma coerente com esse anti-getulismo em nome dos interesses de São Paulo, a empresa se alinha com a “Revolução Constitucionalista” de 1932, contra a “ditadura inoperante, obscura e inepta em relação ao Estado de São Paulo”. O estado é sempre a referência, sinônimo de progresso, de liberdade, de democracia. O anti-getulismo é visceral: “O diretor Rubens Amaral levava seu anti-getulismo ao extremo de impedir que os filhos saíssem de casa quando o ditador (sic) visitava São Paulo. ‘Dizia que o ar estava poluído”, conta sua filha mais velha.”
Esse elitismo paulistano fez, por exemplo, que o Maracanaço de 1950 só fosse noticiado na terça-feira, na pagina 4 do caderno “Economia e Finanças”.
A autora tenta abrandar as coisas. Afirma que “A posição da Folha foi oscilante ao abordar o governo de João Goulart (1961-64) e a ditadura que o sucedeu.” Mentira, o jornal fez campanha sistemática pelo golpe militar.
Bastaria ela ter se dado ao trabalho de ler os jornais daquela época.
Encontraria, por exemplo, no dia 20/3/1964, a manchete: “São Paulo parou ontem para defender o regime”. E, ainda na primeira pagina: “A disposição de São Paulo e dos brasileiros de todos os recantos da pátria para defender a Constituição e os princípios democráticos , dentro do mesmo espírito que dito a Revolução de 32, originou ontem o maior movimento cívico em nosso Estado: “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”. E vai por aí afora, reproduzindo exatamente as posições que levaram ao golpe. Editorial de primeira página vai na mesma direção.
Bastaria ler alguns dos jornais desses dias e semanas, para se dar conta da atitude claramente golpista, mobilizadora a favor da ditadura militar, pregando e enaltecendo as “Marchas”. Nenhuma oscilação ou ambiguidade como, de maneira subserviente, a autora do livrinho sugere.
A transformação da Folha da Tarde num órgão diretamente vinculado à ditadura militar e a seus órgãos repressivos, o papel de Carlos Caldeira, sócio dos Frias, no financiamento da Oban, assim como o empréstimo de veículos da empresa para dar cobertura à ações terroristas da Oban, são coerentes com essas posições.
De Caldeira, ela não pode deixar de mencionar que “tinha afinidade com integrantes do regime militar e era amigo do coronel Erasmo Dias”. “Caldeira não era o único com conexões militares. Na redação da empresa havia policiais civis e militares, tanto infiltrados como declarados – alguns até trabalhavam armados.”
Sobre o empréstimo dos carros à Oban, a autora tenta aliviar a responsabilidade dos patrões, mas fica em maus lençóis. Há os testemunhos de Ivan Seixas e de Francisco Carlos de Andrade, que viram as caminhonetas com logotipos da empresa estacionadas várias vezes no pátio interno na fatídica sede da Rua Tutoia. Só lhe resta o apelo às palavras do então diretor do Doi-Codi, major Carlos Alberto Brilhante Ustra – condenado pela Justiça Militar como torturador – que “nega as afirmações dos guerrilheiros”. Bela companhia e testemunha a favor da empresa dos Frias, que a condena por si mesma.
Já um então jornalista da empresa, Antonio Aggio Jr. “reconhece o uso de caminhonete da empresa por militares, mas antes do golpe”. Dado o precedente, ainda na preparação do golpe, nada estranho que isso tivesse se sistematizado já durante a ditadura. Fica, portanto, plenamente caracterizado tudo o que diz Beatriz Kushnir no seu indispensável livro “Caes de Guarda”, da Boitempo, significativamente ausente da bibliografia do livro, sobre a conivência direta da empresa dos Frias na ditadura, incluído o empréstimo das viaturas para a Oban.
Editorial citado confirma a posição da empresa: “É sabido que esses criminosos, que o matutino (Estado) qualifica tendenciosamente de presos políticos, mas que não são mais do que assaltantes de bancos, sequestradores, ladrões, incendiários e assassinos, agindo, muitas vezes, com maiores requintes de perversidade que os outros, pobres-diabos, marginais da vida, para os quais o órgão em apreço julga legítimas toda promiscuidade.” (30/6/1972)
Assim os Frias caracterizam os que lutaram contra a ditadura. Fica plenamente caracterizado que a empresa estava totalmente do lado da ditadura, reproduzindo os seus jargões e a desqualificação dos que estavam do lado da resistência.
Passando pelo apoio ao Plano Collor, a empresa saúda a eleição de FHC como a Era FHC, com um caderno especial, assumindo que se virava a pagina do getulismo, para que o Brasil ingressasse plenamente na era neoliberal. Do anti-getulismo a empresa passou diretamente para o anti-lulismo – posição que caracteriza o jornal há tempos -, sempre em nome da elite paulista. A Era FHC acabou sem que o jornal tivesse feito sequer uma errata e nem se deu conta que a nova era é a Era Lula.
A decadência da empresa não consegue ser escondida. Depois de propalar que tinha chegado a tirar 1.117.802 exemplares em agosto de 1994, 18 anos depois, com todo o aumento da população e da alfabetização, afirma que tira pouco mais de 300 mil, para vender muito menos – incluída ainda a cota dos governos tucanos.
Ao longo dos governos FHC e Lula, a empresa foi sendo identificada, cada vez mais, com órgão dos tucanos paulistanos, seus leitores ficaram reduzidos aos partidários do PSDB, sua idade foi aumentando cada vez mais e o nível de renda concentrado nos setores mais ricos.
A direção do jornal, exercida pelos membros da família Frias nos seus cargos mais importantes, tendo a Otavio Frias Filho escolhido por seu pai para sucedê-lo, cargo que ocupa já há 18 anos, por sucessão familiar.
Apesar de quererem explicar a Folha, a impossibilidade de encarar com transparência sua trajetória, o livro se revela uma publicação subserviente aos proprietários da empresa, oficialista, patronal, que reflete o nível a que desceu a empresa ao longo das duas ultimas décadas.
Nos três momentos mais importantes da história brasileira, a mídia estava do lado golpista, do lado das elites, contra o povo e a democracia. Entre eles, a Folha de S. Paulo, um dos que mais tem a esconder do seu passado e do seu presente
Emir Sader, Carta MaiorOs órgãos da imprensa brasileira não podem fazer suas histórias, tantos são os episódios, as posições, as atitudes indefensáveis deles ao longo do tempo. Suas trajetórias estão marcadas pelas posições mais antipopulares, mais antidemocráticas, racistas, golpistas, discriminatórias, de tal forma que eles não ousam tentar contas suas histórias.
Como relatar que estiveram sempre contra o Getúlio, pelas políticas populares e nacionalistas dele? Como recordar que todos pregaram o golpe de 1964 e apoiaram a ditadura militar, em nome da democracia? De que forma negar que apoiaram entusiasticamente o Collor e o FHC e fizeram tudo para que o Lula não se elegesse e se opuseram sempre a ele, por suas políticas sociais e de soberania nacional? Nos três momentos mais importantes da história brasileira, a mídia estava do lado golpista, do lado das elites, contra o povo e a democracia.
Entre eles, o jornal dos Frias, um dos que mais tem a esconder do seu passado e do seu presente. Uma funcionária da empresa há 24 anos, que fez sua carreira profissional totalmente na empresa, sem sequer conhecer outras experiências profissionais, que já ocupou vários cargos na direção da empresa, decidiu – ou foi decidida – a escrever uma espécie de história ou de justificativa da empresa dos Frias.
Livro mais patronal, não poderia existir, até porque quem o escreve não tem a mínima isenção para analisar a trajetória da empresa da qual é funcionária. Começa com uma singela apresentação histórica das origens da empresa. De resgatável, uma citação do editorial de apresentação do primeiro jornal da empresa, que se diz como um jornal “incoerente” e “oportunista”, numa visão premonitória do que viria depois. Nada do que é relatado considera a historia como elemento constitutivo do presente. São informações juntadas, num péssimo estilo de historiografia que não explica nada.
Logo no primeiro grande acontecimento histórico que a empresa vive, sua natureza política já aflora claramente: apoio a Washington Luís e oposição férrea a Getúlio, tudo na ótica que perduraria ao longo do tempo: “a defesa dos interesses paulistas” ou do interesse das elites, revelando a função da imprensa paulista: passar seus interesses pelos de São Paulo.
Naquele momento se tratava de defender os interesses da lavoura do café. Para favorecer aos fazendeiros em crise, a empresa aceitava o pagamento de assinaturas em sacas de café, revelando o promiscuidade entre jornal e o café.
De forma coerente com esse anti-getulismo em nome dos interesses de São Paulo, a empresa se alinha com a “Revolução Constitucionalista” de 1932, contra a “ditadura inoperante, obscura e inepta em relação ao Estado de São Paulo”. O estado é sempre a referência, sinônimo de progresso, de liberdade, de democracia. O anti-getulismo é visceral: “O diretor Rubens Amaral levava seu anti-getulismo ao extremo de impedir que os filhos saíssem de casa quando o ditador (sic) visitava São Paulo. ‘Dizia que o ar estava poluído”, conta sua filha mais velha.”
Esse elitismo paulistano fez, por exemplo, que o Maracanaço de 1950 só fosse noticiado na terça-feira, na pagina 4 do caderno “Economia e Finanças”.
A autora tenta abrandar as coisas. Afirma que “A posição da Folha foi oscilante ao abordar o governo de João Goulart (1961-64) e a ditadura que o sucedeu.” Mentira, o jornal fez campanha sistemática pelo golpe militar.
Bastaria ela ter se dado ao trabalho de ler os jornais daquela época.
Encontraria, por exemplo, no dia 20/3/1964, a manchete: “São Paulo parou ontem para defender o regime”. E, ainda na primeira pagina: “A disposição de São Paulo e dos brasileiros de todos os recantos da pátria para defender a Constituição e os princípios democráticos , dentro do mesmo espírito que dito a Revolução de 32, originou ontem o maior movimento cívico em nosso Estado: “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”. E vai por aí afora, reproduzindo exatamente as posições que levaram ao golpe. Editorial de primeira página vai na mesma direção.
Bastaria ler alguns dos jornais desses dias e semanas, para se dar conta da atitude claramente golpista, mobilizadora a favor da ditadura militar, pregando e enaltecendo as “Marchas”. Nenhuma oscilação ou ambiguidade como, de maneira subserviente, a autora do livrinho sugere.
A transformação da Folha da Tarde num órgão diretamente vinculado à ditadura militar e a seus órgãos repressivos, o papel de Carlos Caldeira, sócio dos Frias, no financiamento da Oban, assim como o empréstimo de veículos da empresa para dar cobertura à ações terroristas da Oban, são coerentes com essas posições.
De Caldeira, ela não pode deixar de mencionar que “tinha afinidade com integrantes do regime militar e era amigo do coronel Erasmo Dias”. “Caldeira não era o único com conexões militares. Na redação da empresa havia policiais civis e militares, tanto infiltrados como declarados – alguns até trabalhavam armados.”
Sobre o empréstimo dos carros à Oban, a autora tenta aliviar a responsabilidade dos patrões, mas fica em maus lençóis. Há os testemunhos de Ivan Seixas e de Francisco Carlos de Andrade, que viram as caminhonetas com logotipos da empresa estacionadas várias vezes no pátio interno na fatídica sede da Rua Tutoia. Só lhe resta o apelo às palavras do então diretor do Doi-Codi, major Carlos Alberto Brilhante Ustra – condenado pela Justiça Militar como torturador – que “nega as afirmações dos guerrilheiros”. Bela companhia e testemunha a favor da empresa dos Frias, que a condena por si mesma.
Já um então jornalista da empresa, Antonio Aggio Jr. “reconhece o uso de caminhonete da empresa por militares, mas antes do golpe”. Dado o precedente, ainda na preparação do golpe, nada estranho que isso tivesse se sistematizado já durante a ditadura. Fica, portanto, plenamente caracterizado tudo o que diz Beatriz Kushnir no seu indispensável livro “Caes de Guarda”, da Boitempo, significativamente ausente da bibliografia do livro, sobre a conivência direta da empresa dos Frias na ditadura, incluído o empréstimo das viaturas para a Oban.
Editorial citado confirma a posição da empresa: “É sabido que esses criminosos, que o matutino (Estado) qualifica tendenciosamente de presos políticos, mas que não são mais do que assaltantes de bancos, sequestradores, ladrões, incendiários e assassinos, agindo, muitas vezes, com maiores requintes de perversidade que os outros, pobres-diabos, marginais da vida, para os quais o órgão em apreço julga legítimas toda promiscuidade.” (30/6/1972)
Assim os Frias caracterizam os que lutaram contra a ditadura. Fica plenamente caracterizado que a empresa estava totalmente do lado da ditadura, reproduzindo os seus jargões e a desqualificação dos que estavam do lado da resistência.
Passando pelo apoio ao Plano Collor, a empresa saúda a eleição de FHC como a Era FHC, com um caderno especial, assumindo que se virava a pagina do getulismo, para que o Brasil ingressasse plenamente na era neoliberal. Do anti-getulismo a empresa passou diretamente para o anti-lulismo – posição que caracteriza o jornal há tempos -, sempre em nome da elite paulista. A Era FHC acabou sem que o jornal tivesse feito sequer uma errata e nem se deu conta que a nova era é a Era Lula.
A decadência da empresa não consegue ser escondida. Depois de propalar que tinha chegado a tirar 1.117.802 exemplares em agosto de 1994, 18 anos depois, com todo o aumento da população e da alfabetização, afirma que tira pouco mais de 300 mil, para vender muito menos – incluída ainda a cota dos governos tucanos.
Ao longo dos governos FHC e Lula, a empresa foi sendo identificada, cada vez mais, com órgão dos tucanos paulistanos, seus leitores ficaram reduzidos aos partidários do PSDB, sua idade foi aumentando cada vez mais e o nível de renda concentrado nos setores mais ricos.
A direção do jornal, exercida pelos membros da família Frias nos seus cargos mais importantes, tendo a Otavio Frias Filho escolhido por seu pai para sucedê-lo, cargo que ocupa já há 18 anos, por sucessão familiar.
Apesar de quererem explicar a Folha, a impossibilidade de encarar com transparência sua trajetória, o livro se revela uma publicação subserviente aos proprietários da empresa, oficialista, patronal, que reflete o nível a que desceu a empresa ao longo das duas ultimas décadas.
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