sábado, 2 de fevereiro de 2013

MÍDIA - Opinião pública, opinião publicada.



O fosso que se abre entre opinião pública e opinião publicada



A velha mídia, fora da realidade

Chávez não era Chávez. A foto exibida no último dia 24 de janeiro pelo “El País”, jornal conservador espanhol, havia sido retirada de um vídeo médico de 2008, que mostrava um homem anônimo em coma.

Uma rápida e simples checagem teria revelado o erro grotesco e primário. No entanto, o “El País”, espécie de sucursal ibérica do antichavismo, resolveu arriscar para ver se “colava”. Não colou.

 Um internauta percebeu logo o erro e o jornal teve de retirar a foto e pedir desculpas.

Tirou a foto e imediatamente colocou em si mesmo uma grande e vergonhosa “barriga”, nome que se dá, no jargão jornalístico, a erros desse tipo.

O episódio não é um fato isolado, um simples erro ocasional. Ao contrário. É emblemático de um tipo de jornalismo que se tornou bastante comum, especialmente na América do Sul.

Na Venezuela, na Argentina, no Equador, no Brasil e em outros países do subcontinente pratica-se, com inquietante desenvoltura, um tipo de jornalismo que tem por hábito diário distorcer ou mesmo falsear a realidade.


Os retratos pintados diuturnamente pela mídia tradicional sobre a situação atual desses países apontam para um quadro de caos, desagregação social e política e falta de rumo que encontram pouca ou nenhuma correspondência com a realidade objetiva. Parecem “fotos” grosseiramente retocadas por um photoshop concebido para enfear, ou mesmo simples falsificações, tal como a imagem do suposto Chávez hospitalizado.

No Brasil, por exemplo, há uma década que boa parte da mídia tradicional e oligopolizada divulga “fotos” e “retratos” das supostas mazelas dos governos do PT, apresentados, quase que invariavelmente, como absolutamente incompetentes, irremediavelmente corruptos, solertemente antidemocráticos e francamente desastrosos.

Por aqui, a velha mídia também não se cansa de lançar mão de barrigas homéricas.


 Basta lembrar a ficha falsa da presidenta Dilma Rousseff, publicada pela “Folha de S.Paulo” em sua capa. Ou então as inúmeras falsas denúncias veiculadas pela revista “Veja” ao longo dos últimos anos, jamais comprovadas, entre elas a suposta conta de Lula no exterior ou o dinheiro que teria sido remetido pelas Farc ao Partido dos Trabalhadores.

Pelo que se divulga em boa parte dessa mesma mídia, o país vive um processo acelerado de decadência desde 2003, quando o governo liderado pelo PT substituiu o “competente”, “limpo” e “democrático” governo de tintas paleoliberais, que havia colocado a nação no rumo “correto” da “modernidade”.


Bem, seria fastidioso enumerar aqui os claros êxitos dos recentes governos brasileiros. Basta fazer análise objetiva dos principais indicadores socioeconômicos para se chegar à inevitável conclusão de que o Brasil, nos últimos dez anos, mudou substancialmente para melhor.

Estudo mundial do Boston Consulting Group, divulgado há poucos meses e solenemente ignorado, coloca o Brasil como o país que mais se destacou na qualidade recente de seu desenvolvimento.

Assim, se alguém quiser entender o que aconteceu no Brasil na última década, não encontrará respostas fidedignas na cobertura da imprensa conservadora. Terá de recorrer a blogs e sites alternativos e a fontes estrangeiras, ou então fazer suas próprias pesquisas.

A imagem do Brasil recente construída por parte expressiva da grande mídia tradicional está tão longe da realidade quanto a foto do homem hospitalizado dista do autêntico Chávez.

 Na tentativa incansável de “furar” os governos progressistas recentes, produz-se uma pletora de “barrigas”, numa espécie de vale-tudo midiático.

Trata-se, portanto, de uma mídia-barriga, que fábrica notícias distorcidas, enviesadas, exageradas e até mesmo falsas, de forma sistemática. Uma mídia que convive melhor com figuras do submundo do que com a verdade.

Esse distanciamento da realidade, que beira a esquizofrenia, é preocupante. Porém, não é o único. Há também o claro descolamento entre a opinião publicada e a opinião pública.

 A primeira dedica ódio profundo ao PT e seus governos. Já a segunda consagra Lula e Dilma com recordes de popularidade.

Não por acaso a mídia tradicional passou, nos últimos anos, a questionar a legitimidade do voto popular. Com a candura que lhe é peculiar, ressuscitou a “tese Pelé”, construída na ditadura, segundo a qual o “povo não sabe votar”.

 Aqueles que votam com a situação o fazem por que são manipulados e desinformados, escravos do Bolsa Família que não têm o hábito de ler Veja e outros modernos bastões do Iluminismo. É um voto que, no fundo, segundo essa concepção, não conta, ou não deveria contar.

Isso nos leva ao terceiro e mais preocupante distanciamento ou descolamento.

 O distanciamento entre parte da mídia conservadora e a democracia. Em tempos recentes, segmentos da nossa mídia tradicional, honrando uma notável tradição, não se acanharam em aplaudir e defender golpes militares ou “brancos” contra governos progressistas da América Latina, como aconteceu na Venezuela, em Honduras e no Paraguai.

Autoridades eleitas e reeleitas, em pleitos livres e lisos, são tratadas caricatamente como “ditadores”, “caudilhos” e “populistas”, gentalha que ameaça a “democracia”.

 Provavelmente uma “democracia” sem povo e sem voto, que assegura a independência das instituições, desde que elas sejam conservadoras, e a alternância de poder, desde que entre forças políticas da direita, como no pacto político de Punto Fijo, que dominava, com o aplauso da mídia, a Venezuela pré-Chávez.

Obviamente, nada disso é novidade. A velha mídia do Brasil e de outros países do subcontinente sempre foi muito conservadora. No passado, apoiou ditaduras e esmerou-se na crítica a partidos de esquerda e a movimentos sindicais e sociais a eles associados.


A novidade está em que parte dos países da América do Sul é governada hoje por forças políticas que romperam, até certo ponto, em maior ou menor grau, com a agenda neoliberal que levou os partidos de direita e centro-direita da região à ruína política.

Surgiram ou chegaram ao poder novas forças políticas. De repente, essa mídia, acostumada com o oligopólio político de uma pequena elite, secundada pelos setores conservadores da classe média, viu seu poder de influência decrescer consideravelmente.

Nessa nova conjuntura, a velha mídia revela a sua verdadeira e feroz face: a de um partido de oposição que não mede esforços para recuperar a sua antiga hegemonia e que não tem pudor em atropelar a verdade e as normas básicas do bom jornalismo, colocando em risco a democracia que diz tanto defender.

Entretanto, essa mídia ainda detém firme monopólio da produção e difusão da informação. A internet, por certo, cria circuitos alternativos de debate democrático.

 Porém, é ilusão pensar que ela, por si só, é capaz de quebrar o monopólio da informação. Na realidade, esse monopólio é também reproduzido no mundo online. A informação destoante ainda é francamente minoritária e escassa.

O Brasil precisa de uma mídia mais aberta, profissional, democrática e, sobretudo, plural, como recomenda, aliás, o relatório intitulado “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia”, elaborado recentemente, no âmbito da União Europeia.

 E seu governo precisa, sim, de críticas consistentes e fundamentadas, e não da atual cachoeira de panfletos histéricos, denúncias vazias, textos mal apurados e mal escritos.


Isso demandaria, obviamente, que se iniciasse um debate amplo, franco e livre sobre a extrema concentração da propriedade dos meios de informação no país.

 Mas esse é, ao menos por enquanto, um tema tabu, interditado pela mídia conservadora, que alega que tal debate representaria uma ameaça à liberdade de expressão e à democracia.

Uma alegação tão falsa quanto a foto do Chávez no “El País”.


Dr. Rosinha, médico com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, é deputado federal (PT-PR). No Twitter: @DrRosinha; Marcelo Zero, assessor técnico da Liderança do PT no Senado Federal.

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