terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

VENEZUELA - Festival de ódio da mídia continua.



Weisbrot: Festival de ódio da mídia contra Venezuela continua


Na semana passada, houve um verdadeiro festival midiático de ódio contra o presidente venezuelano Hugo Chávez, com algumas das mais influentes publicações de ambos os lados do Atlântico realmente execrando o cara. Até mesmo para os padrões de hostilidade com os quais estamos acostumados, foi impressionante.

Por Mark Weisbrot 


É interessante, já que os Estados Unidos são um dos únicos países do mundo onde as notícias da mídia mais liberal – NPR [Rádio Pública Nacional] ou até mesmo a New Yorker – são minimamente diferentes das transmitidas na Fox News ou outros meios de comunicação de direita (como veremos mais abaixo).

O episodio mais engraçado veio do El País, que na última quinta-feira (31/01) publicava em sua primeira página a fotografia de um homem que alegavam ser Chávez, deitado em uma cama de hospital, aparentando estar em um estado bem complicado, com tubos em sua boca. Logo se descobriu que a foto era completamente falsa. Ops! O jornal, que é a publicação mais influente da Espanha (e com muita repercussão na América Latina também), teve que retirar a edição das bancas e pedir desculpas publicamente. No entanto, assim como os venezuelanos reclamaram, não houve desculpas nem para Chávez nem para com sua família. Não é surpreendente, já que o El País odeia Chávez profundamente.

O New York Times, por outro lado, publicou outro exemplo de ódio na seção de editoriais abertos. O cachorro morde o homem. Nada de novo aqui, eles fizeram isso por quase 14 anos – o mais recente foi há apenas três meses. Este foi marcadamente pouco original, ao comparar o governo de Chávez com um romance de realismo mágico latino-americano. Continha pouquíssima informação – mas a falta de compromisso com os fatos permitiu que os autores alegassem que o país estava com a "produtividade em queda" e tinha uma "carga enorme de dívida externa". Mas a produtividade não "diminuiu" com Chávez; de fato, o PIB real per capita, que é basicamente condicionado pelo crescimento, aumentou 24% desde 2004 (para uma explicação de porque 2004 é um ponto de partida razoável, leia aqui). Nos 20 anos anteriores a Chávez, o PIB real per capita na verdade diminuiu. Quanto à "carga enorme de dívida externa", a dívida externa pública da Venezuela equivale a cerca de 28% do PIB, com um juros de aproximadamente 2% do PIB. Se essa cifra é enorme, bom, vamos apenas dizer que essas pessoas não têm um bom senso de quantidade.

Os autores provavelmente só estavam seguindo a regra comum, que é a de que se pode dizer praticamente o que quiser sobre a Venezuela, desde que seja negativo, e normalmente ninguém questiona. As estatísticas e os dados quase não são levados em conta quando a imprensa está apresentando sua imagem feia.

Isso se aplica especialmente para a reportagem de Jon Lee Anderson publicada na edição da New Yorker de 28 de janeiro, "Slumlord: What has Hugo Chavez wrought in Venezuela?" (Senhor das favelas: o que Hugo Chávez criou na Venezuela?). Nela, ele menciona de passagem que "os venezuelanos mais pobres estão ligeiramente melhor hoje em dia". Ligeiramente? De 2004 a 2011, a extrema pobreza foi reduzida em dois terços. A pobreza foi reduzida pela metade. E esses indicadores somente medem a renda. Não consideram o acesso ao sistema de saúde que agora milhões possuem, ou a duplicação do número de matriculados em universidades – com educação gratuita para muitas pessoas. O acesso às pensões públicas triplicou. A cifra de desemprego caiu pela metade em relação à existente quando Chávez assumiu.

Eu não deveria ter que ressaltar que a redução da pobreza venezuelana, o crescimento da renda real (ajustada à inflação) e outros dados básicos não são questionados por especialistas, e nem sequer por agências internacionais de estatísticas como o Banco Mundial ou a ONU. Até mesmo os economistas da oposição usam esses dados para fazer oposição ao governo. São somente os jornalistas como Anderson os que evitam que números e fatos corroborados interfiram em seu texto.

Anderson dedicou milhares de palavras, em uma das principais revistas literárias dos Estados Unidos, para fazer um retrato do lado obscuro da vida na Venezuela: ex-presos, ocupações, prisões horríveis. "Uma espessa linha preta de excrementos humanos corria em um muro exterior, e o pátio de dentro era um mar de águas residuais e lixo de vários pés de profundidade". 

Ele usa mais de uma década de visitas à Venezuela para despejar no leitor suas lembranças mais repugnantes da sociedade e do governo. O texto está acompanhado de uma série de fotografias sombrias, em um deprimente branco e preto, de pessoas com aspecto infeliz em ambientes feios (eu não podia parar de pensar em todas aquelas pesquisas internacionais que continuam descobrindo que os venezuelanos estão entre as pessoas mais felizes da América Latina e do mundo – será que Anderson nunca conheceu nem ao menos um destes venezuelanos?).

Sou a favor do jornalismo que expõe os piores aspectos de qualquer sociedade. Mas o que faz com que este texto seja somente mais um trabalho mal feito de política barata são as conclusões que o autor extrai de seu recorte estreito e intencionalmente escolhido da realidade venezuelana. Por exemplo:

"Eles [venezuelanos] são vítimas de seu afeto por um homem carismático... Após quase uma geração, Chávez deixa seus compatriotas com muitas perguntas sem resposta, mas somente com uma certeza: a revolução que ele tentou trazer nunca se realizou. Ela começou com Chávez, e com ele provavelmente terminará”.

Sério? Na verdade não parece. Até mesmo o adversário de Chávez na eleição presidencial de outubro, Henrique Capriles, teve que prometer aos eleitores que manteria e, inclusive, ampliaria os programas sociais da era Chávez que aumentaram o acesso dos venezuelanos à saúde e à educação. E depois que Chávez o derrotou com uma ampla margem de 11 pontos percentuais, o partido de Chávez aumentou seu número de governadores, de 15 para 20 dos 23 Estados venezuelanos nas eleições seguintes. Nesta disputa, Chávez não estava sequer mais no país.

Porém, o mais chocante é a parcialidade da reportagem da New Yorker. Imagine, por exemplo, escrever um artigo sobre os Estados Unidos no fim dos oito anos do governo de Clinton - entrevistando os sem-teto e pobres, os torturados em nossas prisões, os desempregados e as mães solteiras pobres que lutam para alimentar seus filhos. Você poderia dizer impunemente que foi só isso que “O que Clinton fez nos Estados Unidos”? Sem mencionar que o desemprego atingiu seus menores recordes, não vistos desde os anos 1960, que a pobreza diminuiu drasticamente, que esta foi o ciclo de expansão empresarial mais prolongado da história dos Estados Unidos?

Esta analogia é imperfeita, já que muitas pessoas fora dos Estados Unidos sabem alguma coisa sobre o país, e não acreditariam em uma história tão parcial. E também porque as melhoras dos anos Clinton não duraram muito: a bolha do mercado de valores explodiu criando uma recessão em 2001; os lucros da recuperação posterior foram principalmente para os bolsos do um por cento da população mais rica e depois a bolha imobiliária explodiu, causando a pior recessão desde a Grande Depressão – da qual ainda estamos nos recuperando.

O desemprego hoje está consideravelmente por cima do nível do primeiro ano do mandato de Clinton e a pobreza voltou a crescer dramaticamente; e poderíamos levar mais uma década para recuperar o pleno emprego. Ao contrário, na Venezuela, o progresso não se deteve; não tem volta atrás, agora que a maioria da população se acostumou a dividir a riqueza petroleira do país, não só mediante programas do governo, mas principalmente graças a um maior nível de emprego e de renda no setor privado. Talvez isso não seja suficientemente "revolucionário" para Anderson, mas é suficiente para que os venezuelanos continuem reelegendo seu presidente e seu partido.

Quanto à imprensa, é um fenômeno marcante essa efusão de animosidade em relação a Chávez e seu governo, ao longo de todo o espectro da mídia ocidental. Como é possível que esse presidente eleito democraticamente, que não matou ninguém e nem invadiu nenhum país tenha mais imprensa negativa do que Saddam Hussein teve (com exceção dos meses anteriores à invasão do Iraque)? Até quando ele está lutando pela própria vida?

A informação propagada pela mídia ocidental foi eficaz. Convenceu a maioria das pessoas de fora da Venezuela que o país está sendo conduzido por uma espécie de ditador que o arruinou. Para a sorte dos venezuelanos, eles têm acesso a mais informação sobre seu país que os estrangeiros, que se baseiam em alguns veículos de comunicação imparciais e frequentemente inexatos. Então eles continuam reelegendo o presidente e o partido que melhorou suas vidas, para ainda maior desgosto dos principais meios de comunicação e de seus amigos.

* Mark Weisbrot é economista e codiretor do Center for the Economic and Policy Research. É autor, com Dean Baker, de Social Security: the Phony Crisis.

Fonte: Al Jazeera


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