sábado, 19 de outubro de 2013

PETRÓLEO - Uma geografia em movimento.

Uma geografia em movimento. A disputa pelo petróleo do Campo de Libra


O mapa global do petróleo passa por um momento particular. Com os preços em níveis historicamente altos, projetos de exploração tornaram-se viáveis nos últimos anos. O resultado é o início de um novo ciclo de crescimento de oferta, e um novo desenho do setor. Países com grande possibilidade de explorar petróleo de diferentes maneiras, como o Brasil na camada pré-sal, ganham força na cena internacional.
A reportagem é de Olivia Alonso, publicada no jornal Valor, 18-10-2013.
Produtores tradicionais, como os países do Oriente Médio, tendem a perder pontos de relevância, principalmente para a América do Norte e a Europa. Os Estados Unidos, um dos principais clientes da região, começam a reduzir sua dependência externa com a elevação da produção própria, principalmente de gás. Desde a década de 1990, o país aumentou sua exploração de gás em 34%, segundo dados da Administração de Informações de Energia dos Estados Unidos (EIA, na sigla em inglês). Agora, os americanos estão acelerando tanto a produção de gases não convencionais, como o "shale gas" (gás de xisto) e o "tight gas", como a produção de petróleo no mar.
 De 17,8 trilhões de pés cúbicos de gás em 1990 - apenas 0,14 trilhão de pés cúbicos de "shale gas" -, os Estados Unidos produzem hoje 24 trilhões de pés cúbicos, com uma participação bem mais significativa do "shale gas", de mais de um terço do total. Para 2025, a previsão é de um salto para 28,5 trilhões de pés cúbicos de gás, sendo 12,8 trilhões de "shale gas".

Ainda assim, os EUA não ficariam totalmente independentes do exterior, diz Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ. "O gás é um candidato não somente a substituir o petróleo, mas também é um fortíssimo candidato a tomar lugar do carvão na geração de energia elétrica. Então, coloca os Estados Unidos em situação um pouco mais confortável, mas não deixa o país independente."
A produção americana de petróleo - que se reveza no topo dos rankings globais com a russa e a saudita - também vem crescendo, mas a um ritmo menos expressivo do que a de gás. Hoje, os Estados Unidos produzem em torno de 7,7 milhões de barris diários (5,9 milhões no fim de 2011).
Novos projetos de gás passaram a ser viáveis, em várias partes do mundo, por causa do novo patamar de preços, fortemente impulsionados na última década pelo aumento da demanda chinesa. Hoje, a China consome 10,3 milhões de barris de petróleo por dia, mais que o dobro de sua produção.
Além do aumento da demanda chinesa, houve uma redução da oferta em alguns países. Em relatório, analistas do Citibank definem como "decepcionante" o crescimento da oferta de países de fora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) na última década, fato que se somou a um colapso na produção iraquiana e venezuelana.
Nesse contexto de aperto do mercado, o preço do petróleo passou de um patamar de US$ 15 a US$ 30 nas décadas de 1980 e 1990 para acima de US$ 100 nos últimos anos, com exceções, como a queda no pós-crise de 2008. Na quarta-feira, o barril do petróleo brent era negociado por pouco menos de US$ 110.
Assim, formas de explorar petróleo e gás passaram a justificar investimentos. É o caso de projetos no Alasca, nas areias pesadas do Canadá, no Mar Cáspio, no Golfo do México, em alto-mar na África, no Brasil e, mais recentemente, nas águas do Ártico.
Com a elevação prevista para a oferta global, a consequência provável é uma queda dos preços nos próximos anos. A tendência é de um valor médio entre US$ 80 e US$ 90 para o barril do petróleo, daqui até 2025, na previsão do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e dos analistas do Citibank.
Se o consumo começar a crescer de forma mais expressiva, o equilíbrio do mercado poderia manter os preços mais altos. Mas há controvérsia sobre o crescimento da demanda. Em geral, as projeções são de forte crescimento, sobretudo na China, Índia, Coreia do Sul, Oriente Médio, Brasil e de demais países sul-americanos.
Especialistas mencionam os crescentes incentivos para a redução do consumo em alguns países, como na Europa. "As economias dos países desenvolvidos crescem dentro de um cenário de consumir menos petróleo", afirma Adriano Pires, do CBIE.
Preços do petróleo passam a estimular realização de projetos alternativos; se caírem, os poços do pré-sal podem continuar viáveis.
É corrente entre analistas a previsão de que haverá uma desaceleração da expansão da demanda global por petróleo já no fim desta década, principalmente por causa do crescimento da produção de gás e de novas tecnologias.
Previsões também indicam forte aumento da oferta na próxima década, cenário que sugere uma das questões mais intrigantes do momento: quais operações permanecerão economicamente viáveis quando esse momento chegar?
"Se acontecer um recuo no preço do petróleo, o que não é improvável em cinco a dez anos, o novo custo vai inviabilizar a produção em alguns locais, como em projetos de pré-sal mais distantes da costa", afirma Pires.
No caso do pré-sal brasileiro, tudo indica que os projetos sobreviveriam, afirmam especialistas. Com um custo de produção estimado pelo mercado em US$ 45 por barril, sem considerar impostos, a exploração ainda renderia ganhos com um preço do barril do petróleo na casa dos US$ 80.
Projetos de gás com maior viabilidade econômica poderiam dar início a uma transição para um cenário de crescimento das energias mais limpas. "Hoje, a entrada das energias renováveis no cenário global está sendo adiada por causa dos projetos de petróleo e gás não convencional. Mas essas fontes antes inexistentes devem ganhar mais espaço daqui a algumas décadas", avalia Pires. Por enquanto, os movimentos mais esperados são menos radicais, relacionados com o crescimento da demanda chinesa, da oferta brasileira e das expectativas para as reservas mexicanas.
Grandes companhias de todo o mundo, principalmente americanas, estão de olho na energia mexicana. Hoje, só a estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) é autorizada a operar no país, mas diversas companhias aguardam a abertura do mercado. "A indústria petroleira acredita que o México pode ser a 'bola da vez', e isso é interessante principalmente para americanas como Exxon Mobil e Chevron", diz Pires.
Enquanto isso, a China, que disputa com os Estados Unidos a posição de maior importador de petróleo do mundo, continua a buscá-lo em diferentes lugares. Com pouca viabilidade para explorar as reservas que possui em seu território, a China vem investindo em suas refinarias e tende a estar ainda mais presente nos países com os maiores potenciais de produção.
A principal estratégia chinesa é financiar projetos de empresas estatais e receber o pagamento em barris de petróleo. Da estatal Petroleos de Venezuela (PDVSA), tem 600 mil barris/dia. Com a mesma lógica, a Petrobras recebeu há quatro anos US$ 10 bilhões do Banco de Desenvolvimento da China com a contrapartida de exportar 150 mil barris durante um ano e 200 mil por dia nos nove anos seguintes. No momento, companhias chinesas estão na disputa pelo petróleo do campo de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos. Compreende-se o interesse. Apenas esse campo quase dobra as reservas totais brasileiras, que eram de 14 bilhões de barris até há pouco tempo.

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