Do O Cafezinho
por Miguel do Rosário
No artigo desta semana, o professor
Wanderley Guilherme discorre sobre o dilema enfrentado pelos governos
para lidar com as depredações causadas pelos “black blocs e
assemelhados”.
Ele observa que a urbanização
acelerada criou um hiato doloroso entre o que prometem governos e o que
efetivamente conseguem cumprir.
“O transporte de verduras e legumes de
nossa dinâmica agricultura pelas modernas estradas já construídas ou em
vias de inauguração é, seguramente, mais bem cuidado do que o de homens
e mulheres, a força de trabalho nacional, que são amontoados aos
empurrões em trens, ônibus e vans.”
Em virtude desses problemas
angustiantes, o professor entende que o surgimento de um anarquismo de
feição violenta “é explicável”, mas de forma alguma justificável.
Ele conclui, como de praxe, com uma
defesa firme do regime democrático, que não é “suicida”. Não se pode
usar as liberdades do sistema para depredá-lo e destruí-lo. À violência
anárquica ou mesmo fascista defendida ou aceita (ingenuamente ou não)
por alguns movimentos e intelectuais, o professor opõe a violência
democrática, única imantada pela lei e pelo sufrágio universal.
“Se esses tatibitates se acham
relevantes porque estariam mostrando à sociedade brasileira uma das
variantes da violência anárquica, é hora de que sintam de corpo presente
o gosto da violência democrática. Prisão para eles, com ou sem
resistência.”
Cafezinho com Wanderley Guilherme
A democracia não é suicida
Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político, para O Cafezinho
A partir das passeatas e
quebra-quebras de junho, os governos estaduais e os poderes federais
voltaram a colocar o problema dos conflitos metropolitanos no quadro
mais geral de uma sociedade que se urbaniza com velocidade recorde, sem
que os serviços públicos e privados de massa tenham atendido, em
quantidade e qualidade, às necessidades daí derivadas. Do ponto de vista
das empresas do mercado, as multidões se despersonalizam, perdem
humanidade, e passam à contabilidade como números sem rosto, tal qual
cabeças de gado. O transporte de verduras e legumes de nossa dinâmica
agricultura pelas modernas estradas já construídas ou em vias de
inauguração é, seguramente, mais bem cuidado do que o de homens e
mulheres, a força de trabalho nacional, que são amontoados aos empurrões
em trens, ônibus e vans.
Estatísticas sanitárias e de habitação
servem para emoldurar a rotineira paisagem de desconforto e carências
que caracteriza a vida dessa população, dentro e fora de casa. Se isto
não justifica a prática de atos criminosos, os inegáveis esforços do
governo federal na execução do que prometeu não devem silenciar a
magnitude dos problemas herdados de um estado oligárquico, destituído de
instrumentos de implementação eficiente e eficaz dos programas que
cria. O Brasil paga vultosa promissória evidenciada pelo hiato entre o
muito que se faz e o tanto que se precisa fazer enquanto se criam as
instituições capazes de tornar realidade as boas intenções de qualquer
governo. Aí esta a recente criação da PPSal, motivo de gritos espumantes
dos conservadores, para atender a um problema que um Estado elitista
jamais enfrentaria: como garantir o cumprimento da legislação especial
das reservas do pré-sal, particularmente no que se refere aos destinos
dos recursos originados pelo petróleo sejam efetivamente dirigidos à
educação, à saúde e ao fundo social. Esse problema não ocorreria ao
governo de Campos Salles nem ao de seu admirador contemporâneo, Fernando
Henrique Cardoso.
Isto posto, vale comentar as crônicas
que romantizam o “anarquismo de feição violenta” de black blocs e
assemelhados. Não vejo e nunca vi encanto algum no anarquismo. Se os
primeiros embates de junho criavam uma compreensível confusão entre os
que aderiam de boa fé a uma tática radical em vista de solucionar um
problema, hoje não há dúvida alguma de que os “manifestantes” e
“ativistas”, como os chamam as suaves apresentadoras da TV Globo,
espécie de duas novas ações produtivas a serem incorporadas ao catálogo
das profissões do Ministério do Trabalho, mascarados e apetrechados para
a depredação e a agressão, não passam de catapora social. Quando
entrevistados não conseguem produzir duas frases sucessivas com sujeito,
verbo e predicado. Nem anarquistas são, mas simples desajustados,
fenômeno corriqueiro em sociedades de urbanização acelerada.
Se o fenômeno é explicável, não é
justificável. E nem cabe recorrer à legislação de proteção aos pobres e
sacrificados membros da classe trabalhadora para isentar os autores da
estúpida destruição de patrimônio público, quando não a petulância de
pretender invadir e impedir os trabalhos de instituições fundamentais da
democracia. A democracia não é um regime suicida. Se esses tatibitates
se acham relevantes porque estariam mostrando à sociedade brasileira uma
das variantes da violência anárquica, é hora de que sintam de corpo
presente o gosto da violência democrática. Prisão para eles, com ou sem
resistência.
PS: Está em pauta para votação na
Câmara dos Deputados o projeto de lei 4471/12 terminando com os “autos
de resistência” e de “resistência seguida de morte” pelos quais
autoridades públicas davam cobertura legal às reiteradas práticas de
violência policial. Como de hábito, as vítimas preferenciais do arbítrio
eram os pobres, negros com freqüência. Prevista para esta terça-feira,
22/10, os informativos disponíveis ainda não registravam ontem,
quarta-feira, 23/10, se houvera a votação.
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